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A CONSTITUINTE ESCOLAR

5. Dentro do possível devem ser resgatadas falas como originalmente aparecem, ou

seja, sem o filtro do pesquisador, com gírias e dialetos; 6. As observações, inferências e interpretações do grupo pesquisador são imprescindíveis, todavia na seleção é desejável que sejam contempladas as falas da(s) comunidade(s) e do(as) aluno(as); 7. Abordam questões recorrentes da realidade local e apresentam algum grau de dissociação entre as diferentes dimensões e planos da realidade; 8. Contextualizar sempre as falas selecionadas (compreensão dos processos de construção dos paradigmas explicativos da realidade); 9. A seleção se dá por contradições, por diferenças nas visões de mundo e concepções da realidade concreta entre educadores e a comunidade escolar; 10. Toda fala significativa é significativa porque demanda um patamar analítico (epistemológico) desconhecido para o “outro”57.

A partir das falas selecionadas, o próximo passo era fazer uma reflexão e problematização sobre estes conflitos existentes no interior da escola e em suas relações com a comunidade escolar. O objetivo era explicitar as contradições e limites explicativos presentes nas práticas e nas vozes da escola.

Portanto, era fundamental apreender os conceitos cotidianos e as obviedades nas explicações e proposições presentes na leitura de mundo da comunidade escolar. Era

57 Fonte pesquisada em arquivo pessoal da Prof.ª Edir Neves Barboza, material de formação fornecido pela

imprescindível perceber ainda que as diferenças entre as concepções de realidade (de educadores e educandos) baseiam-se em referenciais epistemológicos distintos, que vão além das informações sobre o real para uma fundamentação conceitual analítica e relacional. Para LOURENÇO, a proposta da Constituinte,

Caracterizava-se por uma metodologia que previa garantir no currículo a realidade do aluno, a fusão da visão do educador e a da comunidade, de conhecimentos da educação formal, sistematizados historicamente e conhecimentos populares. A proposta previa atingir a dimensão social do currículo, o que pressupunha garantir a interdisciplinaridade como estratégia fundamental para o êxito da metodologia, pois só assim se poderia enfrentar o problema da fragmentação do conhecimento. Esse elemento tem sido o que mais desperta interesse nos professores indígenas que têm seu universo simbólico construído na totalidade da realidade envolvente. (LOURENÇO, 2006, p. 93)

Neste sentido, ao selecionar uma fala significativa já se estava, implícita ou explicitamente, relacionando informações e conceitos epistemológicos analíticos a serem trabalhados por diferentes áreas de conhecimento e/ou disciplinas. Esta era mais um dos objetivos da Constituinte, na medida em que se buscava uma solução de como fazer uma intervenção pedagógica de forma que a escola garantisse posteriormente no seu currículo a articulação entre o conhecimento e a realidade cotidiana.

Após o aprofundamento teórico, no Plano de Ação, havia a indicação dos vários temas presentes nestes conflitos e que serviram para subsidiar a reflexão dos próximos momentos da discussão, que era a sistematização dos relatórios, sendo os temas agrupados em pautas para posterior reflexão e estudo.

Nestas pautas, a partir das falas selecionadas, buscamos refletir e problematizar os conflitos e as práticas existentes com o objetivo de explicar as contradições e limites presentes, tanto nas práticas, quanto nas vozes da escola. Neste sentido, os conflitos são vistos como fundamentais, não apenas para compreendermos as contradições que permeiam as nossas práticas pedagógicas, mas para que, compreendendo-nas, possamos transformá-las. (SEMED, 2002, p. 2)

Após a reflexão e problematização dos temas, a comunidade escolar passava a indicar novos temas que serviram para subsidiar as discussões dos momentos seguintes, e que deveriam ser aprofundados nos chamados Cadernos Temáticos. Neste momento,

Buscamos compreender os conflitos/temas em suas articulações com os contextos, pois, assim que fomos aprofundando nossas discussões sobre os problemas, percebemos que estes não são culpa deste ou daquele segmento, mas que estão relacionados ao contexto sócio-econômico e cultural em que estamos inseridos. (SEMED, 2002, p. 3)

Na medida em que esses conflitos/temas mantêm relações com temáticas mais amplas, mais complexas, foram sendo indicadas novas temáticas que serviriam de elementos para a elaboração dos cadernos, que deveriam ser estudados e discutidos no interior das escolas. Estes Cadernos Temáticos foram agrupados em 8 (oito) grandes temáticas, a saber:

1. Educação para a Transformação Social; 2. Educação: respeito às diferenças; 3. Políticas Públicas: valorização e financiamento da Educação; 4. Educação e Relações Humanas e Sociais; 5. Formação Continuada; 6. Currículo e Avaliação Participativa; 7. Infra-estrutura e organização do Espaço Escolar e 8. Gestão e Autonomia. (SEMED, 2002, p. 4-15)

A segunda fase referia-se a execução e avaliação desse Plano Municipal, em momentos de efetiva participação da comunidade escolar (interna e externa), através de ações realizadas no âmbito escolar tendo fechamento em forma de Congressos. Em todos os momentos, teriam Seminários, grupos de discussões, fóruns, palestras e debates.

Figura IV - Folder do 1º Seminário da REME e do Congresso Municipal da Constituinte Escolar

Fonte: Arquivo pessoal da Prof.ª Edir Neves Barboza

Essa metodologia possibilitava, de acordo com BARBOZA (2007, p. 79), “o

levantamento de temáticas que eram explicitadas pelos conflitos vividos nos espaços das unidades escolares. A síntese das falas permitiria a elaboração de princípios e diretrizes do

documento final, que seria o Plano Municipal de Educação”. Este método não era

diferenciado quando trabalhada com as escolas das áreas indígenas.

O documento previa ainda de que a efetivação deste planejamento deveria estar pautada nos seguintes princípios:

Respeito às diferenças (étnicas, raciais, credo); Qualificação das relações através do diálogo aberto, crítico, transparente e horizontal; Respeito aos Direitos Humanos baseados na justiça, igualdade e cooperação; garantia da democracia, através da participação. (SEMED, 2001, p. 03)

Portanto, a equipe desta Constituinte tinha pela frente um planejamento específico a executar a curto e médio prazo, considerando a complexidade do processo e o desafio em construir coletivamente a democratização da educação e ainda concluí-lo até o fim do mandato da nova gestão (quatro anos) que acabara de conquistar o pleito. Aliada a essas questões, havia ainda o grande desafio em implementá-las nas áreas indígenas do município.

Para tanto, o Movimento Constituinte Escolar, através da Secretaria Municipal de Educação, elencou três grandes eixos norteadores58, a saber, conforme o Projeto Constituinte Escolar (2001, p.2): a “Democratização do Conhecimento”, a “Democratização do Acesso” e a “Democratização da Gestão”. Tais eixos irão dar norte a todos os trabalhos realizados pela equipe durante todo o processo.

3.3.3 - Os Aportes Teóricos e Metodológicos do Movimento

É importante salientar que a nova administração municipal tinha novas prioridades, novas ações a realizar dentro do princípio de uma gestão democrática e popular que almejavam alcançar. Tais princípios deveriam ser exercidos em todos os âmbitos da administração, inclusive a Educação.

Em virtude destes princípios, a SEMED passou a adotar uma nova postura política no campo da educação, para dar conta de executar seus projetos. No âmbito da Secretaria Municipal de Educação de Dourados, logo no início dos anos de 2001, a nova gestão juntamente com sua nova equipe, passa a desencadear as primeiras ações no sentido de efetivar seus projetos. Foi quando as coordenações foram se organizando para dar início ao movimento Constituinte Escolar. Nas palavras de Barboza (2007),

58

Conforme Figura III da p. 78. Para saber mais sobre esses três eixos, ler Projeto Constituinte Escolar (SEMED, 2001, p. 2) e/ou Dissertação de Mestrado de BARBOZA (2007, p. 69 a 76) e de SOUZA (2013, p. 113 a 115).

O primeiro passo interno da SEMED foi buscar orientações com aqueles que já tinham experiências semelhantes nos Estados e municípios no que diz respeito ao processo do Movimento Constituinte Escolar. Dessa forma, a elaboração da proposta deste movimento contou com a participação de algumas assessorias. Dentre elas podemos salientar a do professor Antonio Gouvêa que colaborou na sistematização e organização da proposta. (Barboza, 2007, p. 94)