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2.2 CONTEXTO HISTÓRICO DO GUERREIRO ALAGOANO: MÚLTIPLAS REFERÊNCIAS ESTÉTICAS DE UMA DANÇA.

A brincadeira do Guerreiro de Alagoas possui como tema central o assunto da guerra como seu próprio nome indica. A guerra é a metáfora do poder, da conquista e da luta dentro do espírito que rege as danças populares do tipo chamado Reisados, no entanto, o episódio da guerra origina-se do Auto dos Congos, conforme destaca o Mestre Théo Brandão quando elucida a mistura sofrida por esta dança:

Em Alagoas o auto sincretizou-se com outro folguedo, o Auto dos Congos ou Reis de Congos, sendo também um Reisado, passou a apresentar maior riqueza e encanto em sua indumentária, em sua música e coreografia, tornando-se assim, diferente em certos aspectos das versões de outros Estados. (BRANDÃO, 1976, p. 03)

Observa-se também que essas matrizes estéticas são geradas quase sempre no antagonismo econômico e pelo viés das práticas mítico religiosas desde o processo de cristianização no século XIV, em Portugal, com procissões católicas e pelos jesuítas nas suas peregrinações iniciais pelo Brasil, conforme descreve Mário de Andrade:

Meu modo de pensar é que as danças populares brasileiras derivam, pois tecnicamente de três tradições básicas: 1- O costume do cortejo mais ou menos coreográfico e cantado, em que coincidam as tradições pagãs de Janeiras e Maias, as tradições profanas cristãs das corporações proletárias e outras, os cortejos reais africanos e as procissões católicas com folias de índios, pretos e brancos. 2- Os vilhanciscos religiosos, de que os nossos Pastoris, bem como as Reisadas portugas, são ainda hoje formas desniveladas popularescas. 3_Finalmente os brinquedos populares ibéricos, celebrando a luta de cristãos e Mouros. (ANDRADE, 1982.p.33)

Percebo então que a marca alagoana dos Reisados é que no Estado ele misturou-se ao Auto dos Congos. Pelo cruzamento do Guerreiro com os seus mais importantes contribuidores: os Reisados, ao Auto dos Congos, o Pastoril e os Caboclinhos, a maioria de suas partes ou cenas alegóricas não coincidem apenas na temática, mas nas suas músicas, nas suas “dinâmicas corporais”, na sua indumentária, contudo, adverte Duarte:

O auto absorveu, como ficou dito, elementos dos “Reisados” e dos “Caboclinhos”. Mas no trabalho sincrético inverteram-se os papéis de alguns figurantes dos Caboclinhos e a admitiram-se outros dos Pastoris, o que criou a mais esdrúxula composição, de vez que essa inversão não estabeleceu nenhuma lógica no desenvolvimento temático. Fica-se diante de um drama quase sem nexo, aparentemente ligados os fatos por um ilógico enredo. Do Auto dos Caboclinhos derivaram o Índio Peri, A lira e os Caboclinhos, os dois primeiros (Peri e Lira), os dois identificados como o Rei Catolé e a Lira daquele auto. Porém, o Índio Peri, que é o alter ego do Rei Catolé e a Lira sua companheira ( estes no auto dos Caboclinhos representam o grupo contrário ao dos caboclo, daí a inversão dos papéis) passam a

pertencer no auto dos Guerreiros ao partido dos Caboclos. E, assinalando ainda mais, o ilogismo do enredo, a Lira dos Guerreiros é morta por um comparsa do seu próprio bando, o Caboclinho de Arco e flecha”. ( DUARTE, 1975, p.317).

O Guerreiro, segundo registros é uma prática espetacular recente. Abelardo Duarte ainda nos situa esse registro da “novidade” da seguinte maneira:

(...) Otávio Brandão no seu esquema folclórico “Canais e Lagoas”, cuja primeira edição data de 1919, não alude aos “Guerreiros” citando quase todos os outros folguedos populares regionais. (...) Já Arthur Ramos em seu “Folkore Negro do Brasil” publica uma versão dos “Guerreiros, colhida nas Alagoas, a primeira, aliás, de que tenho conhecimento vinda a lume em livro. Calcula Théo Brandão (..) que, antes dessa época, não havia “Guerreiros”, porém sim, o “Reisado”. Creio que o auto é de data ainda mais recente. Não tenho lembranças de haver visto dançar “Guerreiros” antes de 1930 .Parece que a imprensa não registra o folguedo anteriormente a essa época. Deve ser da década de trinta, pois, sabendo-se que a edição primitiva de “Folk-Lore Negro do Brasil” é de 1935. (Idem. p.315).

Nesse sentido destaco que temos a primeira referência sobre o Guerreiro Alagoano feita por Arthur Ramos em 1935, no livro: O Folk-Lore Negro do Brasil, porém, o marco desta dança ter sido registrada com o nome Guerreiro foi em 1954, quando um grupo de Reisado já bem modificado, foi escolhido para representar Alagoas no Congresso de Folclore em São Paulo. Um dos pontos significativos da cultura tradicional alagoana é a transição que passou o Reisado, até se transformar em Guerreiro segundo destaca o professor Pedro Vasconcelos (2001), que situa muito bem esta transição:

Paulatinamente, o Reisado foi se modificando. Podemos chamar esta modificação de miscigenação. Foram incluindo no folguedo figuras de outras modalidades de danças. Primeiramente vieram dois meninos que traziam bandeirinhas e se postavam na frente, executando os difíceis passos da complicada coreografia; no final da guerra funcionavam como apaziguadores, cruzando as bandeirinhas com a espada do Mestre cantando: “Tenha mão, meu secretário, lembremos de pelejar, a bandeira brasileira, ós teremos de honrar.” (VASCONCELOS, 2001, p.17)

Neste sentido o grupo apresentado em São Paulo criou novas peças, alcançando bastante sucesso na capital paulistana, e lá foi catalogado como Auto dos Guerreiros. Apareciam partes de outras danças como os Caboclinhos, o Pastoril, o Fandango, o Bumba- meu-Boi, com canções diferentes juntadas pelos Mestres. A partir daí, foi ganhando outra formatação e aceitação popular. Principalmente pelas cenas de guerra dançadas incorporadas à dança sendo acrescentadas novidades às Peças. Nessa apresentação, o episódio da guerra com os personagens digladiando-se com todo furor rítmico, ganhou personalidade, passou a ser reconhecida e classificada, inicialmente, fora do Estado de Alagoas com o nome de Auto dos Guerreiros e aos poucos, o reconhecimento foi legitimando a nova dança: O Guerreiro de Alagoas.

A propósito de as inovações na dança do Guerreiro, a professora Carmem Lúcia Dantas (2014) no fascículo57 sobre Reisados e Guerreiros confirma contribuições de poetas com novas criações para os Guerreiros e Reisados, principalmente na Região da Zona da Mata, mais precisamente no município alagoano de Viçosa e destaca o poeta Olegário Vilela, dono do Engenho Boa Sorte, como um contribuidor de novas criações músicais para o Guerreiro. Com isso o Guerreiro Alagoano estruturou-se com um roteiro dramático bem preciso tecido pelas suas Embaixadas, Peças e Entremeios, roteiro que ficou registrado como uma estrutura dramática mas, a partir da década de 1980 vem sendo bastante modificado por meio da exclusão de grande quantidade de suas principais partes, conforme veremo no próximo ítem sobre a estrutura do drama no Guerreiro Alagoano.

Figura 11 Guerreiro Mensageiro Padre Cícero. A troca da sanfona, pela rabeca “elétrica”. Ensaio Ano 2014. Foto: Cláudio Antônio

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Carmem Lucia Dantas. Coleção Alagoas Popular - Folguedos e Danças de Nossa Gente Reisado e Guerreiro. Fasciculo 03. Jornal A Gazeta de Alagoas. Organização Arnon de Mello. Maceió. 2014.