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2.5 – CORPORALIDADES NA DANÇA DO GUERREIRO ALAGOANO

Figura 15 Brincantes ensaiando a cena da guerra. Grupo de Guerreiro Mensageiro Padre Cícero. Ano. 2008. Foto: Cláudio Antônio

As corporalidades na dança do Guerreiro são estruturadas dentro do barracão ou sede nos ensaios e na relação de cada brincante com sua figura, com o figurino que usa, com a interpretação das músicas e de seus personagens somados à contextualização e das leituras que cada um faz enquanto brinca. Na relação espacial do grupo e a sua organização como coreografia herdam as filas duplas do Pastoril que tem os dois cordões, o azul e o encarnado,

assim, existem duas filas indianas feitas pelos brincantes que se modificam de acordo o deslocamento dos corpos. No meio ou um pouco mais à frente, no centro do palco, entre essas duas filas fica o Mestre. As Figuras que compoem as Partes da dança vão ao centro do palco ou do salão na hora da sua apresentação. O grupo quando se desloca forma um grande círculo e os brincantes dão voltas pelo barracão seguindo um atrás do outro sempre quando tocam as Marchas de Rua. Quando estão em seus lugares distribuídos no palco os movimentos são pequenos balanços do corpo, de um lado para o outro, permanecendo na maior parte do tempo no mesmo local que se posicionaram inicialmente no espaço cênico.

Na dança do Guerreiro a configuração dos passos que mais se destaca é o sapateado de influência indígena, como o Toré, o Côco de Roda e os Caboclinhos nos quais, cada brincante incorpora o seu modo de dançar utilizando improvisos marcando o rítmo com os pés, o tropé. Segundo o Mestre Manoel Venâncio, a brincadeira sempre começa com a “Abrição da Sede” e “o Divino”. Ele ajoelha-se junto com o grupo e recita a embaixada:

Todos salve a casa santa, onde deus fez a morada onde mora o cálice bento e a hóstia consagrada

Neste momento une o grupo e louva a sede pedindo proteção ao Padre Cícero. Ele considera este ato um agradecimento, funciona como uma preparação do corpo e carrega o significado do agradecimento pela vivência da brincadeira que irá se iniciar. Assim, neste estudo da dança do Guerreiro de Alagoas foi possível nomear por mim67 alguns passos desta dança associados às letras das músicas e aos seus movimentos correspondentes registrando os seguintes padrões de corporalidades: a Marcha, o Boa noite, o Abri-te divino, o Olhar para o

céu, o Passeio, Ai que frio, ai que calor, a Despedida e o Combate.

A Marcha acontece sempre que o Mestre entoa uma Marcha de Rua, nesse momento

há um deslocamento dos brincantes pelo espaço arrastando os pés no chão, depois formam uma única fila e um grande circulo, até voltar ao local de origem. Eles flexionam um pouco os joelhos e saem arrastando os pés no chão deslocando-se sempre em fila, um atrás do outro.

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Através do acompanhamento dos ensaios deu-se a observação dos passos executados pelos brincantes no barracão.

Esse deslocamento pelo espaço está relacionado ao Reisado quando os brincantes iam de porta em porta para avisar o nascimento de Jesus.

Marcha de Rua:

Marcha guerreiro que tá na hora de rua afora na pancada do tambor Guerreiro eu sou leão de guerra o Treme Terra de Alagoas68 Chegou.

Figura 16 A Marcha. Ensaio grupo de Guerreiro Mensageiro Padre Cícero. Ano. 2014. Foto: Cláudio Antônio

O Boa noite é um pequeno balançar do corpo de um lado para o outro, permanecendo praticamente no mesmo lugar onde estão. Eles cantam a canção junto com o Mestre e fazem pequenos gestos interpretando a música, cantando para a plateia e saudando-a. Não há

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deslocamento do corpo e executam pequenos movimentos virando o tronco para um lado e para o outro, sempre olhando para o publico e cantando para ele.

Boa noite pra moças solteiras Boa noite pras moças casadas Boa noite pra todo pessoal Que veio com a criançada

O Abri-te divino corresponde ao ato de ajoelhar-se encostando um joelho apenas no chão. Os brincantes andam pelo espaço, saem sempre balançando o corpo de um lado para o outro, e num determinado momento eles se ajoelham.

Figura 17 "Abri-te Divino". Grupo Mensageiro Padre Cícero. Ano. 2008. Foto: Cláudio Antônio

O Olhar para o céu é o movimento que executam conforme um passo de valsa olhando para cima enquanto deslocam-se pelo espaço. O Passeio é o sapateado (tropé) com deslocamento. O Que frio ai que calor equivale ao tropé que termina com o corpo inclinado para trás com os dois pés batendo no chão, um de frente para outro, fazem o gesto da

umbigada do Samba de Roda, a intenção parece ser de encostar um umbigo no outro. A

despedida significa o deslocamento pelo espaço sapateando em todas as direções que estejam

o público e há ainda, o Combate, diálogo corporal entre duplas simulando uma luta, havendo deslocamentos pelo espaço, exige atenção, agilidade e astúcia para executar, para representá- las os brincantes devem ser bons espadachins, significando metaforicamente a luta entre a vida e a morte.

Figura 18 O Combate. Grupo Mensageiro Padre Cícero. Ano. 2008. Foto: Cláudio Antônio

Na maioria das dinâmicas de movimentos na Dança do Guerreiro os pés estão em contato e permanência com o solo, arrastam e deslizam os pés sempre bem firmes ao chão. O corpo faz pequenos balanços no sentido para a direita e para o lado esquerdo. Também pisoteiam com mais intensidade e força durante a realização do tropé, sapateado de grande beleza no Guerreiro. Há uma ligação com a terra e com o chão e os pés evidenciam sempre

essa conexão. Nessa relação que se estabelece com a Dança do Guerreiro chão significa a resistência, o contato, o apoio, a sustentação, o fundo, a base do e para o grupo. A resistência faz-se no instituir-se da brincadeira num espaço acolhedor propício à altura do sapateado tornando-se espaço de comunhão.

Durante seus ensaios o Mestre Manoel Venâncio sempre espera as pessoas chegarem. As mesmas chegam aos poucos, aos poucos todos se misturam e as crianças são as que melhor se integram e brincam “descompromissadamente”, saem e entram quando querem tanto do espaço quanto da brincadeira. Assim, parece que as crianças no barracão organizam o aprendizado das danças e das músicas no fluxo do brincar.

Estas informações transitam no corpo do brincante e o acompanhará por toda vida, pois suas vivências são suas memórias corporais. Não havia uma preocupação em corrigir os passos, pois cada um adquire e adapta seu sapatear criando a sua corporalidade. Quem chega atrasado vai entrando no fluxo da dança. O importante é chegar e brincar, e brincando se vive e aprende. É a brincadeira, segundo o depoimento da maioria dos Mestres e brincantes que os mantêm vivos. Chamou-me a atenção que pessoas de diferentes idades se integram em uma dinâmica lúdica, onde a vivacidade e a espontaneidade parecem emanar dos corpos participam, principalmente quando sapateiam.

Dessa integração resulta o processo em que todos aprendem a harmonia pelo rítmo do sapateado construindo novos significados neste momento de quando brincar. O trabalho de campo foi realizado com o propósito de mergulhar no interior da pesquisa e na cena como ela acontece no Guerreiro Alagoano, dentro do seu contexto local. Nesse sentido, as experiências vividas no campo foram direcionadas para o processo de criação com os Entremeios as quais essas considerações serão tecidas no próximo capítulo.