• Nenhum resultado encontrado

4. BAIRRO DO COMÉRCIO, CIDADE BAIXA, SALVADOR

4.2. CONTEXTO HISTÓRICO E URBANO

A paisagem natural sempre foi uma característica predominante do sítio da Cidade do Salvador desde 1549. Marcada com uma extensa falha geológica de um pouco mais de sessenta metros de altura em relação ao nível do mar, que separa a estreita faixa costeira do platô superior. Assim, a paisagem urbana adaptou-se aos dois níveis de implantação – a Cidade Baixa e a Cidade Alta.

A sua geografia condiciona sua forma, e a Cidade desenvolve-se paralela ao mar... A Cidade Alta segue paralela à Baixa, sobre a escarpa. Até o século XIX, ambas mantêm a mesma divisão funcional dos séculos anteriores, e os limites da Cidade são os mesmos desde o século XVIII. (PINHEIRO, 2002, p.181 e 182)

Desde os tempos da fundação da cidade, sua paisagem vem sendo citada por viajantes que a descrevem como a mais bela que já haviam presenciado. No século XIX, a cidade continuava deslumbrante para os viajantes, mas perdia-se um pouco do encanto no desembarque no porto, pois a insalubridade prevalecia. Havia uma reduzida faixa de terra, com edifícios de quatro, cinco andares, lojas e armazéns, em uma única rua longitudinal, tortuosa e estreita.

A cidade na beira mar representava um impressionante conjunto arquitetônico e ao mesmo tempo um buliçoso labirinto de becos e ruas estreitas e tortuosas que vinham dos sopés dos morros e cortavam verticalmente a grande rua longitudinal. (MATTOSO, 1978, p. 173 e 174)

Apesar de ainda ser considerada surpreendente para os que chegam pelo mar, ao longo dos séculos, esta área histórica da Cidade tem sofrido diversas transformações e, principalmente, descuidos que comprometem a preservação do patrimônio urbano e cultural desta Cidade mais antiga do Brasil.

Figura 16 – Localização geográfica do sítio escolhido: Bairro do Comércio – Cidade Baixa – Salvador. Fonte: Google Earth, 2007.

Observa-se que a forma da expansão urbana de Salvador ocorreu, inicialmente, pela necessidade de proteção contra possíveis ataques indígenas, posteriormente, estrangeiros, sendo consolidada com a construção das fortalezas, acompanhadas pela grande concentração de irmandades religiosas, seus conventos e Igrejas. Em seguida, em torno de uma crescente função comercial voltada para a exportação, dentro de um contexto colonial. No início do século XVIII, a economia da Colônia era mais importante que a da Metrópole (60,6% das exportações portuguesas eram de produtos brasileiros) e Salvador era o maior porto exportador do Brasil, perdendo para o Rio de Janeiro, somente a partir de 1798, depois da mudança da capital. Na Cidade Baixa, encontravam-se o Arsenal da Marinha, a Alfândega, a Associação Comercial e os consulados, ao lado de armazéns, trapiches, mercados – inclusive o de escravos –, comércio atacadista e varejista, escritórios de importadores e exportadores, pequenas indústrias e agências marítimas. Comércio, lugar de mercancia, negócios, transações, onde tudo se vendia e se comprava (TEIXEIRA, 2004).

Estes fatores de expansão foram diminuindo de importância, até o início do século XIX, com a mudança da capital de Salvador para o Rio (1763), a chegada da família real ao Brasil (1808), os tratados de comércio com a Inglaterra (1810/1827) e a proclamação da Independência do Brasil (1822). O porto passou a gerar rendimentos diretos para a província; as fortalezas passam a sediar outras funções; há um aumento da imigração européia; um grande avanço nos transportes com o calçamento das principais vias do Comércio e, a partir de 1850, as linhas de bonde e a iluminação a gás.

A expansão territorial da Cidade Baixa ocorreu pelos diversos aterros, algumas vezes, financiados pelo setor religioso, mas, em geral, pelo comercial e o Governo. Os aterros distribuíram-se, ao longo dos séculos, desde 1549 até 1920 (CÂMARA, 1988) e continuam existindo na medida das necessidades portuárias. O período de expansão do século XIX finalizou, em 1889, até quando os comerciantes implantaram, na beira da baía, prédios considerados magníficos, de padrão uniforme com cinco andares, em estilo pombalino, antes dos aterros para ampliação do porto (Figura 17). Ao longo do século XIX, a Cidade passou por transformações significativas.

Figura 17 – Cais das Amarras, 1886. Fonte: Bahia Velhas Fotografias (autor desconhecido).

De 1800 a 1869, grandes aterros foram realizados pelo Governo: o aterro do Arsenal, deslocando a ribeira das Naus para o sul; o aterro da Alfândega; e o aterro que vai da Igreja do Corpo Santo até a prumada da Ladeira do Taboão. De 1860 a 1894, novos e significativos aterros se realizam: em frente a Igreja da Conceição da Praia; o Arsenal de Marinha avança a linha da costa até o alinhamento da rotunda da Alfândega; o Cais Dourado avança mar adentro quase alinhando com a Praça do Comércio e todo o cais desse ponto até a Alfândega (CÂMARA, 1988 p.124).

A expansão mais marcante para o mar, no entanto, foi no início do século XX, quando foram aterrados e urbanizados oitenta hectares de área conquistada da Baía de Todos os Santos, permitindo uma ampliação da oferta de terrenos, em padrão em quadrícula, em um dos trechos mais valorizados da cidade, do ponto de vista comercial.

Figura 18 – Fotografias de 1890-1920-1930-1940. Fonte: CEAB.

A economia da província alterava-se, ao longo dos séculos, com a queda e a ascensão da matéria-prima, produzida na Bahia, como o açúcar, o café, o fumo, o cacau e a borracha. E também com a implantação tardia das indústrias de tecidos, chapéus, calçados e rapé. Além disso, o tráfego de escravos, que suportou a economia, desde a fase colonial, somente terminou em 1889, com a Proclamação da República. Mesmo assim, ainda no início do século XX, a Bahia era o segundo Estado brasileiro, em volume de exportações, característica, que se espelhava na área portuária, bairro do Comércio, até meados do século. Nos anos 1970 e 1980, a abertura dos Shopping Centers causaram grande impacto no comércio tradicional da área central da cidade. E, mesmo com a Cidade Baixa tendo seu acesso melhorado, vários órgãos estaduais foram transferidos para o Centro Administrativo da Bahia (CAB), causando um esvaziamento da área. O eixo de expansão da cidade passou a ser o litoral oceânico da Cidade, assim como as estradas para o interior, com a implantação do Centro de Abastecimento de Salvador (CEASA), na estrada entre o Centro Industrial de Aratu e o aeroporto (CIA-Aeroporto). A última atividade, que resistiu ao declínio na Cidade Baixa, foi a de centro financeiro regional, com grande número de estabelecimentos bancários e financeiros até a atualidade.

Durante o século XX, a sociedade civil organizou-se e tornou-se mais complexa. Várias instituições foram criadas, neste período, como: institutos, clubes, hospitais, associações, sindicatos e cinemas. Muitas das grandes residências, sem o trabalho escravo, tornaram-se escolas, asilos, prédios públicos, casas de cômodo ou cortiços. A população de Salvador duplicou de tamanho, em quase cinquenta anos, entre os séculos XVIII e XIX, fato que influenciou o crescimento irregular da Cidade. Salvador passou a crescer pouco no período inicial do século XX, sendo ultrapassada, em 1900, por São Paulo. Contudo, em 1950, houve a influência de um novo ciclo migratório para a Cidade, ultrapassando um milhão de habitantes em 1970.

Essas transformações, nos limites do território estudado, comportaram um variado número de edificações construídas, em estilos distintos, em uma seqüência de demolições, construções e reconstruções que, até hoje, convivem na mesma área. A paisagem urbana atual já não tem mais as mesmas características de sua conformação inicial, mas ainda registra aspectos que permitem remontar uma história arquitetônica e urbana de extremo valor patrimonial para a cidade do Salvador e para o Brasil. Em uma visita a esse bairro, hoje, no início do século XXI, observa-se que essas feições estão-se perdendo pelo abandono e pela conseqüente desvalorização. A interferência dos órgãos públicos, que atuam em prol do patrimônio, não é suficiente para garantir a preservação da memória urbana desse lugar, um dos poucos tesouros, que ainda poderiam ser preservados para as futuras gerações.

5. SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS E HISTÓRICAS PARA O

Documentos relacionados