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CAPITULO III – A IMPORTÂNCIA DA PARCERIA FAMÍLIA-ESCOLA NO PROCESSO ENSINO-

3.1. Contexto histórico da educação na família e na escola

3.1.1. Contexto inicial da escolarização e das relações entre a família e a escola

No período conhecido como Idade Média, a maioria das crianças não eram acompanhadas pelos pais, eram tratadas indistintamente com relação a um adulto, participando ativamente do mundo destes, sendo vistas como um adulto em miniatura, frequentando as mesmas turmas que um adulto, numa sociedade em que não se tinha qualquer preocupação com a separação das turmas por idade, pois “Até o meio do século XVII, tendia- se a considerar como término da primeira infância a idade de 5-6 anos, quando o menino deixava sua mãe, sua ama ou suas criadas. Aos sete anos, ele podia entrar para o colégio (...), ingressando no mundo dos adultos.” (Ariès, 1986, p. 176).

(...) a preocupação com a idade se tornaria fundamental no século XIX e em nossos dias. Podemos constatar, entretanto, que os alunos iniciantes geralmente tinham cerca de 10 anos. Mas seus contemporâneos não prestavam atenção nisso e achavam natural que um adulto desejoso de aprender se misturasse a um auditório infantil, pois o que importava era a matéria ensinada, qualquer que fosse a idade dos alunos. (...) (Op. cit., p. 166).

O contexto social em que as crianças conviviam na Idade Média, não demonstra um descaso da família e da escola para com elas, mas representa o valor moral e a forma como a sociedade as concebia naquela época, as quais:

Ou bem residia perto de uma escola com sua própria família, ou, como era mais freqüente, morava com uma outra família à qual havia sido confiado com um contrato de aprendizagem que previa a freqüência a uma escola (...). Outra possibilidade era o pequeno estudante seguir um menino mais velho, compartilhando sua vida na alegria ou na desgraça, e, muitas vezes, em troca, sendo surrado e explorado. Em todos esses casos, o estudante pertencia a uma sociedade ou a um bando de companheiros, em que uma camaradagem às vezes brutal, porém real regulava sua vida quotidiana, muito mais do que a escola e seu mestre, e, porque essa camaradagem era reconhecida pelo senso comum, ela tinha um valor moral (Op. cit., pp. 178-179).

Nos anos finais da Idade Média (séc. XV), com o estabelecimento do absolutismo monárquico, a infância passou a ser mais monitorada e, assim como toda a sociedade,

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gradativamente passou a ser organizada sob uma base de respeito à hierarquias e princípios de ordem autoritária (Ariès, 1986, p. 179). Segundo o mesmo autor,

Os mestres tenderam a submeter o aluno a um controle cada vez mais estrito, no qual as famílias, a partir do fim do século XVII, cada vez mais passaram a ver as melhores condições de uma educação séria. (....) Apesar da persistência dos traços arcaicos, a disciplina daria ao colégio do Ancien Régime um caráter moderno (...). Essa disciplina não se traduziria apenas por uma melhor vigilância interna, mas tenderia a impor às famílias o respeito pelo ciclo escolar integral (op. cit., p. 191). Em meio a algumas resistências, do século XV ao séc. XVII, as escolas passaram a organizar as turmas de acordo com a capacidade de aprendizagem – o que se deu primeiramente em um local comum, depois em salas distintas e, em seguida, passou-se a reunir alunos com faixa-etária entre “oito-nove anos até mais de 15, submetidos a uma lei diferente da que governava os adultos” (op. cit., p. 171), em que os alunos eram submetidos a uma rígida disciplina com a adoção de castigos físicos com vistas a se tornarem um adulto com responsabilidades.

Em meio a este contexto, aliado às ideias do Humanismo, Coménio através do conceito de pansofia disseminou a ideia de universalização da escola, defendendo a existência de uma aliança natural entre família e escola, as quais embora exercendo papeis distintos, não estavam sujeitas a mecanismos de coação entre si, pois como ambos tinham interesses em comum, ou seja, a educação do filho que ao mesmo tempo era aluno, a relação que mantinham era de caráter complementar.

Um século mais tarde (século XVII), Coménio, através do seu conceito de pansofia (“Ensinar tudo a todos”), virá a “regar” bem esta semente. A sua defesa da universalização da escola tem, contudo, a particularidade de assentar numa aliança

escola-família. Esta concepção, elaborada na sua Didáctica Magna, (…) apresenta a ideia de uma aliança natural entre ambas, de tal modo que não são necessários mecanismos de coacção. Coloca-as em pé de igualdade, numa relação de complementaridade (Silva, 2010, p. 445).

Família e escola, no início da Idade Moderna, embora exercendo papeis distintos passaram a modificar as relações entre si a partir da separação do mundo das crianças com o mundo dos adultos, pois se viram com a responsabilidade em mudar de postura em função desta nova concepção do alargamento da infância, no qual buscavam dar um tratamento diferenciado às crianças.

No fim do século XVIII, a preocupação em relação à noção da inocência infantil é encabeçada por educadores europeus que passaram a observar até mesmo as palavras que utilizavam com os pequenos. A criança passa a ter maior importância dentro da família, no ambiente íntimo, e começa a se dar atenção a sua fragilidade física e emocional. A educação passa a ser vista como obrigação aos pequenos e os

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colégios, pequenas escolas, casas particulares, começam a se multiplicar com a função de obter das crianças a disciplina rigorosa, a retidão na moral e bons costumes (Nery, 2012, p. 13).

Um dos teóricos que influenciou a educação neste período foi John Lock (1632-1704) que “em seus escritos difundiu pela Europa a visão da criança como tábula rasa (...) valorizando a educação como capaz de moldar o indivíduo. (...)” (Silva, 2012, pp. 8-9).

Outro teórico que é considerado o maior representante do pensamento que influenciou as mudanças de postura de pais e professores no século XVIII foi o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o qual expôs em sua obra intitulada de “Emílio ou da educação”, sua defesa à criança como um ser que necessita de uma educação diferenciada.

Emílio é uma obra escrita na forma de ensaio pedagógico, que tem como objetivo evitar que a criança se torne má no contato da vida social. Rousseau sustenta em sua obra a ideia de que o homem é um ser bom por natureza, ele nasce bom, sendo sua obra, uma explicação do que fazer para conservar essa bondade natural e de preparar a criança para que não seja corrompida pela podridão moral da sociedade no qual está imersa. Rousseau diz que o homem é responsável pelo que ele é no mundo e compara o homem a uma planta que deve ser cultivada pela educação, pois a educação é a chave de tudo (Nery, 2012, p. 19).

Estas reflexões foram vistas inicialmente como uma ameaça à ordem e à moral estabelecidas, mas ao longo do tempo foi ganhando força junto aos movimentos sociais iluministas, que disseminavam uma visão democrática da sociedade, cujas ideias fortaleceu a luta e a conquista de direitos pela institucionalização da educação pública que teve inicialmente sua maior adesão a partir do século XIX em que se observou “em vários países europeus, ao advento do processo de escolarização de massas no ensino primário5 (...).” (Silva, 2010, p. 445).

A partir dessas ideias iluministas, as propostas de democratização do ensino também ganharamm reflexos na sociedade na forma de interação entre pais e filhos, assim como na relação entre família e escola, tornando-se aos poucos mais visível um movimento de reconhecimento da criança como um ser, como um sujeito digno de cuidados especiais – a qual antes era tratada de modo inferiorizado por causa de seu tamanho e sua incapacidade de defesa. Contudo, estas ideias iluministas trouxeram à tona reflexões que passaram a caracterizar as crianças como um ser em formação, cuja educação inicial teria relação com formação do futuro cidadão adulto. Assim também com relação à escola que antes permanecia incontestável imbuída de seu papel de apenas escolarizar, agora passa a perceber a necessidade de manter certa aproximação com a família dos alunos em face destes novos

5 Portugal fez parte do primeiro grupo de países a decretar a escolaridade obrigatória e gratuita (em 1835), sendo, no entanto, no

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valores agregados para seu público, passando a cobrar e a ser cobrada por uma postura diferenciada com relação aos alunos, surgindo assim as primeiras aproximações da família com a escola tendo-se em vista o acompanhamento do desenvolvimento da criança, cujos papeis de educar a partir de então passam a valorizar

(...) o indivíduo, sua vida privada e suas opções, consideradas como expressão de seu “eu” verdadeiro. (...)

No bojo desse movimento, emergem novos valores educacionais preconizando o respeito pela individualidade e pela autonomia juvenis, a liberalidade nas relações entre pais e filhos – que agora não devem pautar-se mais pelo autoritarismo, mas sim pela comunicação e pelo diálogo. Em suma, os pais tornam-se provedores de bem- estar psicológico para os filhos (Nogueira, 2006, p. 160).