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Contexto no qual ocorreu a criação da Petrobras

ANEXO 9 – Questionários setor de petróleo e gás

2.1.1. Contexto no qual ocorreu a criação da Petrobras

O contexto no qual a história da indústria petrolífera no Brasil29 se desenvolveu

apresentava no cenário mundial um período que compreendeu o final da Primeira Guerra até o pós Segunda Guerra Mundial e no contexto nacional o cenário era de conflitos sociais, políticos e econômicos. Dessa forma, o petróleo e seus derivados assumiram grande importância, pois não se tratava apenas de uma questão econômica, mas sobretudo da própria soberania econômica nacional. Nesse período, o Estado brasileiro constatou que para o país não depender integralmente de combustível importado, a partir do fim da Primeira Guerra Mundial resolveu participar diretamente das atividades de exploração que aconteceu através “do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB), órgão do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, que realizou perfurações iniciais no Paraná, Alagoas e Bahia”. (MORAIS, 2013). Esse órgão, segundo Morais (2013), atuou entre os anos de 1919 e 1933, porém as perfurações realizadas ficaram muito abaixo “das necessidades e das dimensões do Brasil, que dispunha de diversas bacias sedimentares de grandes extensões, potencialmente propícias à existência de petróleo mas pouco estudadas quanto à sua estrutura geológica”. (MORAIS, 2013). O escritor e empresário Monteiro Lobato entre outros da época apostavam na possibilidade de encontrar petróleo no país e assim o setor privado já investia na busca pelo petróleo em terras brasileiras. A partir dos anos de 1930, a imprensa brasileira intensificou a campanha contra o governo e o acusava de “ineficiência estatal em encontrar petróleo”, tendo o escritor Monteiro Lobato importante papel na disseminação dessa ideia. Em 1932, durante cerimônia de lançamento de uma de suas empresas de prospecção30, o escritor se referiu às notícias sobre

descobertas de petróleo em diversos países da América (do Alasca à Patagônia), além de outras críticas, essas mais graves, de que técnicos estrangeiros contratados pelo recém-criado

29 Para uma maior compreensão sobre a história da indústria petrolífera no Brasil consultar: Petróleo em águas

profundas: uma história tecnológica da Petrobras na exploração e produção offshore. (MORAIS, José M. de. Brasília, Ipea/Petrobras, 2013); A Campanha do Petróleo e a Mobilização Popular em favor da Petrobrás. (BERCOVICI, G. Cartamaior, Política, 09/02/2015); Petróleo e Nacionalismo. (COHN, Gabriel. São Paulo, Difel, 1968); A questão do petróleo no Brasil: uma história da PETROBRAS. (DIAS, José L. M; QUAGLINO, M. A. J, CPDOC, PETROBRAS, 1993); Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia. (AZEVEDO et al, 1997); Da Destilaria Riograndense de Petróleo aos dias atuais: 75 anos de refino no Brasil. (PERISSÉ, J. B. et al. Boletim Técnico da Petrobras, v. 50, n. 1/3, p. 11-41, abr./ago./dez. 2007).

30 Empresa Companhia Petróleo Nacional, criada em 1932 para levantar capitais junto a subscritores privados para

empreender a exploração de petróleo nos estados de Alagoas e de São Paulo. (MOURA E CARNEIRO, 1976, apud MORAIS, 2013).

Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), trabalhavam “a serviço de interesses contrários à descoberta e exploração de petróleo no Brasil.” (COHN, 1968 apud MORAIS, 2013). O escritor que publicou diversos livros, inclusive infantis, que versavam sobre o assunto, com o intuito de provar que no Brasil tinha petróleo, juntamente com outros empresários, fundou várias companhias petrolíferas com capital nacional. Segundo Azevedo et al (1997),

O capitalismo, então, entrou na vida de Lobato definitivamente. Ele voltou ao Brasil pregando a construção de companhias siderúrgicas e a exploração de petróleo. Em 1931, em meio a intermináveis conferências pelo país, fundou a Companhia de Petróleo do Brasil, a Companhia de Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera Brasileira e a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul. (AZEVEDO et al, 1997).

Apesar de suas críticas, também ele, contou com a experiência de diversos técnicos norte- americanos que contratou para trabalhar na prospecção no Brasil, porém acreditava ser alvo “do cartel internacional do petróleo capitaneado pelos EUA” (AZEVEDO et al, 1997) e por isso denunciou a Getúlio Vargas que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) estavam comprometidos com interesses estrangeiros. No ano de 1936 publicou “O escândalo do petróleo”, censurado no ano seguinte pela ditadura Vargas. (AZEVEDO et al, 1997). Neste mesmo sentido, segundo o jornal o Diário do Comércio em sua seção “História”, o jornal “Informador Comercial”, desde 1938 já abordava o tema. Assim, enquanto empresas estrangeiras dominavam a comercialização dos derivados de petróleo, o jornal defendia o monopólio para o Brasil e no seu editorial de 1º de março de 1948 relatou:

Podemos muito bem avaliar a natureza dos argumentos daqueles que defendem a entrega dos nossos poços petrolíferos aos grandes trustes internacionais que o exploram por todo mundo, constituindo um verdadeiro império, com os serviços policiais e militares às suas ordens, rede de espionagem e agências de informação sufocando movimentos populares e libertadores. (DIARIODOCOMERCIO.COM.BR, acesso em 22/10/2016).

Na segunda metade da década de 1940, com a elaboração de um anteprojeto de lei pela equipe do presidente Dutra, denominada de "Estatuto do Petróleo" que tinha o intuito de revogar a orientação nacionalista seguida desde 1938, estabeleceu-se um debate acerca do assunto. Assim, a principal ideia do anteprojeto apresentado se pautava na abertura do setor para o capital privado, nacional ou estrangeiro, pois alegava-se que “a participação do capital estrangeiro era a única forma de assegurar a exploração de petróleo no país, pois o Estado não teria recursos para investir no setor, o que poderia comprometer as futuras gerações”. (BERCOVICI, 2015). A posição defendida por Horta Barbosa31, que foi o primeiro presidente

31 “No campo militar, o nome que se destacaria na proposição e implementação de uma política petrolífera foi o

do Conselho Nacional do Petróleo, era da exploração do petróleo em regime de monopólio estatal, pois “seria impossível conciliar os interesses nacionais da política do petróleo com os interesses privados das grandes empresas internacionais” (BERCOVICI, 2015), sendo esta a única maneira viável para a preservação da soberania nacional sobre os recursos minerais. Para ele, “se o petróleo não fosse monopólio estatal, se tornaria um monopólio internacional”. (BERCOVICI, 2015).

A Constituição de 193732 previa que só brasileiros natos ou empresas constituídas

por acionistas brasileiros poderiam explorar os recursos minerais, dentre eles o petróleo. Porém, na Constituição de 194633 ficou estabelecido que esses recursos poderiam ser explorados tanto

por brasileiros quanto por sociedades organizadas no país, assim abrindo uma possibilidade para o capital estrangeiro. A questão do petróleo para o país “não dizia respeito apenas ao equilíbrio da balança comercial, mas também à dependência nacional em relação ao suprimento de produtos básicos para o processo de industrialização, para o sistema de transportes e comunicações e para a própria defesa do país”. (BERCOVICI, 2015). Segundo Cohn (1968), no intervalo entre os anos de 1943 a 1953,

o abastecimento de derivados de petróleo via importações começou a pressionar de forma crescente as disponibilidades cambiais do país, quer pelo aumento assustador do consumo no pós-guerra – de 1945 a 1950 quase triplicou – quer em virtude das mudanças de preços no mercado internacional, que quadruplicaram o dispêndio de divisas. Esse quadro foi agravado pela rápida exaustão das reservas acumuladas pelo Brasil durante a guerra, em virtude da política de liberação das importações posta em prática pelo governo Dutra até 1947. (COHN, 1968 apud BERCOVICI, 2015).

No Congresso Nacional, o debate sobre o assunto teve seu início durante a década de 1920 quando as primeiras propostas de leis federais sobre o tema foram apreciadas pela Casa. Assim, no Congresso Nacional disputas se acirraram tendo de um lado, grupos nacionalistas que defendiam a “exclusividade da participação de empresas estatais e/ou de

meio do Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938. Foi sob a direção do General Horta Barbosa que o Conselho Nacional do Petróleo descobriu as primeiras jazidas de petróleo do Brasil, na região do Município de Lobato, na Bahia, em 1939”. (BERCOVICI, 2015).

32 Artigo 143 da Constituição Federal de 1937 – As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas

d'água constituem propriedade distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal. § 1º – A autorização só poderá ser concedida a brasileiros, ou empresas constituídas por acionistas brasileiros, reservada ao proprietário preferência na exploração, ou participação nos lucros. (JUSBRASIL.COM.BR. <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10613327 /paragrafo-1-artigo-143-da-constituicao-federal-de-10-de-novembro-de-1937>).

33 Artigo 153 da Constituição Federal de 1946 – O aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica

depende de autorização ou concessão federal na forma da lei. § 1º – As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País, assegurada ao proprietário do solo preferência para a exploração. Os direitos de preferência do proprietário do solo, quanto às minas e jazidas, serão regulados de acordo com a natureza delas. (JUSBRASIL.COM.BR. <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10614716/paragr afo-1-artigo-153-da-constituicao-federal-de-18-de-setembro-de-1946>).

empresas nacionais privadas na exploração de petróleo e na produção de derivados” (MORAIS, 2013) e, por sua vez, de outro, que reunia segmentos empresariais e políticos além de outros grupos sociais “que apoiavam a presença de empresas estrangeiras no setor e/ou se posicionavam contra a participação estatal direta nas atividades da cadeia produtiva do petróleo”. (MORAIS, 2013). Nesse embate, as forças políticas que

defendiam maior controle do Estado sobre o petróleo saíram vencedoras sobre as demais correntes e aprovaram, em 21 de setembro de 1953, a redação final da Lei nº 2.004/53, que autorizou a criação da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS), sob o controle acionário da União, com a função de exercer o monopólio das atividades de exploração, produção, refino e transporte de petróleo e derivados. (MORAIS, 2013).

Segundo Morais (2013), em 3 de outubro de 1953, o presidente Getúlio Vargas assinou a Lei de criação da PETROBRAS e assim se concluía um “ciclo de três décadas de intensas disputas políticas e ideológicas em torno da discussão de proposições destinadas a estabelecer as formas e os limites da participação do Estado, do capital estrangeiro e do setor empresarial privado nacional nas atividades petrolíferas no Brasil” (MORAIS, 2013).

Porém, o embate não aconteceu apenas na esfera política institucional, mas com a participação da sociedade civil representadas por diversos grupos que em última instância conseguiram a mobilização popular através da “Campanha do Petróleo” com o lema “O Petróleo é Nosso”. Assim, a campanha foi articulada em torno do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN) e ganhou as ruas de todo o país. A campanha reuniu estudantes, sindicalistas, intelectuais, militares, técnicos e integrantes de praticamente todas as camadas sociais e conseguiu, “em um momento raro da história política brasileira, mobilizar a opinião pública a favor da tese do monopólio estatal do petróleo”. (BERCOVICI, 2015). Por conseguinte, com “a organização de vários setores da sociedade em defesa da nacionalização dos recursos minerais, particularmente do petróleo” (BERCOVICI, 2015), além da falta de convicção da própria maioria parlamentar que sustentava o Governo Dutra contribuiu para a abertura às contestações e nesse contexto conseguiram pressionar tanto o Executivo quanto o Legislativo “a não aprovarem o "Estatuto do Petróleo", cuja discussão foi sendo abandonada até a aprovação da legislação que instituiria o monopólio estatal do petróleo em 1953”. (BERCOVICI, 2015).

Apesar das dificuldades enfrentadas, como o boicote da grande imprensa, a hostilidade do empresariado, a repressão policial – que era justificada pela sua suposta vinculação ao Partido Comunista que se encontrava na ilegalidade desde 1947 –, a "Campanha do Petróleo" contribuiu para a mobilização da opinião pública nacional através de inúmeras palestras e conferências realizadas sobre o tema do petróleo por todo o país, com a publicação

de inúmeros textos e panfletos, visando esclarecer a população. Segundo Bercovici (2015), “a "Campanha do Petróleo" tornou o tema uma questão obrigatória nos debates das eleições gerais de 1950, ampliando ainda mais o seu impacto”. (BERCOVICI, 2015). Enfim, a "Campanha do Petróleo", que durante os anos de 1947 a 1953 mobilizou o país, conseguiu “que sua proposta de estatização do setor fosse adotada por partidos políticos influentes no Congresso Nacional, onde se discutiria o projeto de lei de criação de uma empresa pública voltada à exploração do petróleo (DIAS E QUAGLINO, 1993; MOURA E CARNEIRO, 1976, apud MORAIS, 2013). Dessa forma, a Lei nº 2.004/1953 que “instituiu o monopólio da União na pesquisa e lavra das jazidas de petróleo, na refinação de petróleo nacional e estrangeiro, no transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional e dos derivados de petróleo produzidos no País e no transporte por oleodutos e gasodutos” (PERISSÉ et al., 2007 apud MORAIS, 2013) foi sancionada pelo presidente da república a partir do projeto de lei aprovado no Congresso e que autorizava a União a constituir a sociedade por ações “Petróleo Brasileiro S.A.”, com a sigla PETROBRAS34. Em relação à distribuição e comercialização de derivados no varejo não foram

incluídas no monopólio, além de que os direitos das refinarias privadas existentes desde que não expandissem sua capacidade de produção foram assegurados. Assim, juntamente com a Petrobras – uma sociedade de economia mista – encarregada da execução do monopólio com o controle acionário da União, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) tinha a incumbência de “exercer o monopólio, em nome da União, das atividades relacionadas ao abastecimento nacional de petróleo e derivados, por meio das funções de orientação, fiscalização e superintendência”. (PERISSÉ et al., 2007 apud MORAIS, 2013).