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CONTEXTO E OBJETIVO DA PESQUISA

Ter acesso ao discurso de professores de língua inglesa em formação inicial fornece subsídios bastante significativos tanto para que se possa com- preender o modo como tais futuros profissionais concebem sua formação e a língua que irão ensinar, quanto para formadores de professores que podem usar os resultados de tais análises em suas práticas de formação. Este cenário de formação inicial de professores funciona como pano de fundo para os da- dos aqui apresentados, discutidos e analisados, provenientes de textos refle- xivos de alunos de um curso de Letras/Inglês sobre determinados aspectos de sua formação acadêmica e de sua educação linguística.

Como base teórica, utilizamos a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) desenvolvida por Halliday (1985; 1994) e seguidores (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; EGGINS, 2004; THOMPSON, 2004; BLOOR; BLOOR, 2004), além de estudos desenvolvidos em língua portuguesa sob a mesma perspectiva (IKEDA; VIAN JR, 2006; CUNHA; SOUZA, 2011; FIGUEREDO, 2011). A partir dos significados ideacionais realizados no estrato léxico-gra- matical pelo sistema de Transitividade, é possível observar de que forma as representações de mundo no nível oracional são construídas, partindo, portanto, do grupo verbal para a relação que este estabelece com os outros elementos da oração. Dentre os seis possíveis tipos de processos (materiais, relacionais, mentais, existenciais, verbais e comportamentais), nossa análise

enfoca os processos mentais presentes nos textos, por meio dos quais serão observadas as concepções construídas sobre o ensino de inglês e sobre a gra- mática da língua.

Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo principal evidenciar os processos mentais utilizados por alunos em portfólios sobre sua forma- ção, desvelando o processo reflexivo pelo qual passaram na produção de seus textos e dos sentidos que emergem dessa experiência. Portanto, para essa finalidade, a partir dos aportes teóricos acima indicados, apresentamos, pri- meiramente, a fundamentação teórica a partir da GSF, focando no sistema de Transitividade e, mais especificamente, nos processos mentais, além de tecermos breves considerações sobre portfólios. Em seguida, tratamos dos aspectos metodológicos da pesquisa: seus instrumentos e seus participantes, bem como os aspectos relacionados à análise dos dados. Com base nessa aná- lise, são apresentados os resultados da pesquisa em relação às ocorrências dos processos mentais: seus tipos (cognitivos, perceptivos, afetivos e desiderati- vos), como estes se caracterizam no corpus e o que revelam sobre as concep- ções dos professores. Por fim, apresentamos nossas considerações finais. TRANSITIVIDADE E PROCESSOS MENTAIS EM PORTFÓLIOS

Além de conceber a língua como objeto das práticas sociais, a Linguística Sistêmico-Funcional (doravante LSF) adota uma metodologia que consiste na “descrição detalhada e sistemática dos padrões linguísticos” (IKEDA; VIAN JR., 2006, p. 37), pois parte-se do pressuposto de que todas as escolhas léxico-gramaticais feitas pelos produtores dos textos estão associa- das a um contexto situacional e cultural.

O contexto cultural de uma língua, como indicam Cunha e Souza (2011, p. 25), abrange todos os significados possíveis dentro de uma cultura específica, em que os usuários utilizam convenções linguísticas para certas fi- nalidades, constituindo-se, assim, em gêneros daquela cultura (IKEDA; VIAN JR., 2006). Além do gênero, tem-se ainda o registro, relacionado ao contexto situacional, organizado a partir de três variáveis: Campo, Relações e Modo. O Campo está relacionado ao conteúdo da mensagem; as Relações dizem res- peito à interação entre os participantes e seus papéis nela desempenhados. O Modo está ligado ao meio pelo qual a mensagem está sendo transmitida e

também ao papel da linguagem naquela troca específica. Esses parâmetros, ainda, estão relacionados às três metafunções da língua: ideacional, interpes- soal e textual, uma vez que são esses mesmos parâmetros que irão determinar as escolhas feitas pelos usuários nos textos que produzem.

A metafunção ideacional consiste na construção de sentidos para ex- pressar nossa percepção do mundo externo e também do nosso próprio mun- do, isto é, do mundo interno na nossa mente, conforme Thompson (2004, p. 28). A metafunção interpessoal, por seu turno, está relacionada à interação estabelecida entre os interactantes para o uso da linguagem em suas trocas de informação e de bens e serviços, bem como em suas relações de poder, em seu envolvimento afetivo e na frequência dos contatos (EGGINS, 2004, p. 64). Por fim, a metafunção textual refere-se à maneira como são organizados os textos produzidos. Desse modo, as três metafunções constroem sentidos simultâneos nas orações que compõem os textos, uma vez que, a cada intera- ção, expressamos ideias (significado ideacional), interagimos com nossos in- terlocutores (significado interpessoal) e estruturamos nossos textos por meio de orações (significado textual).

No caso da metafunção ideacional, a observação da construção dos significados da oração a partir dessas escolhas é possibilitada pelo Sistema de Transitividade (HALLIDAY, 1994; THOMPSON, 2004; EGGINS, 2004), cujos aspectos são discutidos no próximo item.

Transitividade

Conforme indicado por Halliday (1994) e corroborado por diferentes es- tudiosos no campo da GSF no exterior e no Brasil, tais como Thompson (2004), Eggins (2004), Lima-Lopes (2001), Cunha e Souza (2011), dentre outros, a tran- sitividade está relacionada à oração como um todo e não somente ao verbo e ao seu objeto, pois “[...] é compreendida pela LSF como a gramática da oração [...]. É a base da organização semântica” (CUNHA; SOUZA, 2011, p. 68). Entretanto, o foco da transitividade continua no grupo verbal pela razão de que o tipo de processo é o determinador dos papéis dos participantes na oração (THOMPSON, 2004, p. 78). Temos, desse modo, os três elementos que compõem o Sistema de Transitividade: os participantes, os processos e as circunstâncias. Os participan- tes são elementos do grupo nominal envolvidos na atividade de modo que ou eles

a realizam ou são afetados por ela; os processos são elementos do grupo verbal que indicam a atividade em si; já as circunstâncias, que fazem parte do grupo ad- verbial ou são representadas por grupos preposicionais, oferecem mais detalhes sobre o processo na oração (HALLIDAY, 1994).

Os processos da transitividade, como indicado no item 1, são classi- ficados em seis tipos: materiais, mentais, relacionais, verbais, comportamen- tais e existenciais. Cada tipo de processo determina participantes específicos e apresentam configurações diferentes. Tendo em vista o escopo deste traba- lho e as limitações de espaço, serão apresentados brevemente os processos materiais e relacionais, para posterior foco nos processos mentais. Embora Halliday (1994) explique que nenhum processo tem prioridade sobre o outro, os processos mais recorrentes são os materiais, os mentais e os relacionais (HALLIDAY, 1994; LIMA-LOPES, 2001; GOUVEIA, 2009; CUNHA; SOUZA, 2011). Os processos materiais são aqueles que representam ação e são reali- zados por um participante denominado Ator. Eles geralmente estão ligados a verbos que representam ações concretas observáveis no mundo material. Nesse sentido, o processo material pode ser direcionado do Ator para outro, nesse caso, a Meta.

Por sua vez, os processos relacionais “estabelecem uma conexão en- tre entidades, identificando-as ou classificando-as, na medida em que asso- ciam um fragmento da experiência a outro” (CUNHA; SOUZA, 2011, p.73- 74). Essa conexão pode ser: de intensidade, quando há a atribuição de uma qualidade a uma entidade; circunstância, que relaciona uma entidade a uma determinada circunstância; de possessividade, quando há uma relação de posse. (HALLIDAY, 1994; CUNHA; SOUZA, 2011).

Os processos mentais, por seu turno, estão relacionados aos “estados da mente ou eventos psicológicos” (BLOOR; BLOOR, 2004, p. 116). Em seu estudo sobre os processos mentais, Figueredo (2011, p. 252) sinaliza que “o trabalho dos processos mentais é justamente indicar como se dá a experiência de as ideias se- rem produzidas a partir da experiência de consciência dos participantes”.

Ao contrário dos processos materiais, os processos mentais estão relacionados ao mundo abstrato e interno da mente humana, de forma que não é mais adequado classificá-los como ações em si. Por essa razão, Halliday (1994) e Thompson (2004) argumentam que Ator e Meta não são denomina- ções apropriadas para esse tipo de processo. Desse modo, os papéis possíveis

no processo mental são: o Experienciador, participante cuja mente realiza o evento psicológico, e o Fenômeno, que é o elemento que pode ser sentido ou percebido pelo Experienciador.

Nos processos mentais, o Experienciador deve ser dotado de cons- ciência, sendo, geralmente, um ser humano. Contudo, existem vários exem- plos de animais ou coisas (principalmente na literatura) que são “humaniza- dos” a ponto de experienciarem sensações e terem pensamentos (HALLIDAY, 1994). Já no caso do Fenômeno, este não tem a capacidade de fazer nada por si só e também não pode ser afetado por ninguém (HALLIDAY, 1994, p. 115). Ambos os participantes (Experienciador e Fenômeno) são obrigatórios na oração de processo mental.

Ainda em relação à distinção entre os processos materiais e mentais, ao discutir os processos mentais e seguindo o raciocínio de Halliday (1994), Eggins (2004) apresenta seis maneiras de diferenciá-los, pautadas pelos se- guintes elementos:

1. Escolha do tempo presente simples como tempo não marca- do para os processos mentais, ao passo que o tempo não marca- do para os processos materiais é o presente progressivo; 2. Número de participantes, pois os processos materiais po- dem ter apenas um participante e os processos mentais re- querem dois;

3. Natureza do participante ativo, geralmente humano, uma vez que somente um humano consciente pode desempenhar proces- sos mentais. Conforme enfatiza Figueredo (2011, p. 251), “é tipi- camente concebido como um ser humano, ou algum outro ser ao qual se atribua uma consciência humanizada”;

4. Natureza do participante não ativo, ou seja, o Fenômeno, aquilo que é pensado, sentido ou percebido;

5. Reversibilidade dos processos mentais, não possível para os processos materiais;

6. Projeção, ou seja, as orações mentais podem produzir uma oração, ou um conjunto delas, como o conteúdo do pensamen- to (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 199).

Os processos mentais podem ser classificados em quatro sub- tipos: cognitivos, afetivos, perceptivos e desiderativos (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p. 209, FIGUEREDO, 2011). Os processos de cog- nição estão relacionados aos atos de pensar, saber, entender e outros do campo semântico relacionados à cognição. Os processos de afeição estão associados a verbos de gostar/não gostar, odiar e outros relacionados. Os processos de percepção, por seu turno, relacionam-se a atos de perceber, ver e ouvir. Finalmente, os processos desiderativos estão relacionados a atos de desejo e vontade. Figueredo (2011, p. 301) apresenta uma extensa lista de verbos em língua portuguesa que operam como processos mentais, além de advertir para o fato de que os elementos apresentados têm a intenção de funcionar como um guia, com base na frequência de tais verbos no cor-

pus pesquisado pelo autor. Ainda como advertido pelo autor (FIGUEREDO,

2011, p. 300), “um mesmo verbo pode operar como mais de um tipo de Processo, como ‘ver’ que pode ser tanto Perceptivo quanto Cognitivo; ou ‘sonhar’, que pode ser tanto Cognitivo quanto Desiderativo”.

Uma vez que o objetivo da pesquisa aqui relatada foi verificar a ocor- rência desses processos mentais em textos produzidos por professores em formação inicial, apresentamos sucintamente, no item 2.2 a seguir, algumas características dos portfólios, bem como seus possíveis usos no ensino. Portfólios

O portfólio, instrumento usado nas avaliações do curso enfocado neste trabalho (cf. item 3.1 a seguir) e, consequentemente, o meio utiliza- do para geração dos dados analisados, valoriza a subjetividade do indivíduo, como preceituam Andrade e Gonçalves (2013):

Trata-se de uma ferramenta pedagógica que permite a utilização de uma metodologia diferenciada e diversificada de monitorização e avaliação do processo educativo, não descurando a atenção ao rela-

cionamento humano. O carácter compreensivo desta ferramenta, de registo longitudinal, permite detectar dificuldades e intervir em tempo útil no processo de aprendizagem, ajudando o aprendente. (ANDRADE; GONÇALVES, 2013, p. 4)

A partir do que expõem as autoras, pode-se conceber o portfólio como um instrumento de trabalho que auxilia não somente no processo de aprendizagem do aluno como também no processo de ensino do professor, que pode rever, assim, a eficiência das abordagens, do conteúdo e da metodo- logia utilizados em sala de aula. Vale ressaltar ainda que o portfólio consiste em um meio pelo qual o aluno é incentivado a manter um “registro das suas reflexões e impressões sobre a disciplina, opiniões, dúvidas, dificuldades, rea- ções aos conteúdos e aos textos discutidos [...]” (MEDEIROS JR., s/d, p. 2). Por isso, a observação de portfólios deve partir de uma “perspectiva dialó- gica” (MEDEIROS JR., s/d, p. 2), isto é, que considere as conexões entre o assunto abordado, a experiência e o conhecimento do aluno.

Ainda nesse sentido, Gonçalves (2013) aponta que o portfólio ba- seia-se em alguns princípios que compreendem: a nova perspectiva da apren- dizagem, que foca no aluno em sua produção; o processo de desenvolvimento, ocorrendo com uma observação mais constante (por parte do professor) num prazo de tempo longo; a análise do desempenho e da aprendizagem, cuja ên- fase é o processo de aprendizagem; a autoavaliação, isto é, o feedback daquilo que foi aprendido; a seleção e reflexão sobre o trabalho, que se configura na autonomia do aluno de argumentar criticamente sobre a qualidade do tra- balho desenvolvido; por fim, o papel facilitador do professor, que promove a discussão acerca dos assuntos tratados e promover o desenvolvimento da autonomia no aluno. Esses princípios mostram os aspectos mais vantajosos de se trabalhar com uma ferramenta pedagógica como o portfólio.

METODOLOGIA: TIPO DE PESQUISA, PARTICIPANTES E INSTRU-