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4.3 INTERPRETAÇÃO

4.3.4 Elementos Estruturadores

4.3.4.2 Contexto organizacional

Pfeiffer (2006, p. 52) afirma que o contexto organizacional, determinado pela estratégia e a cultura da organização, influencia fortemente o desempenho individual e coletivo, influenciando assim os resultados que obtém. Segundo este autor, ele influencia a mentalidade dos indivíduos, sua maneira de pensar e interpretar os fatos, o que por sua vez influencia o comportamento individual. E o comportamento influencia os relacionamentos com outras pessoas. Pfeiffer ressalta que os potenciais individuais e coletivos da organização se encontram neste triângulo: mentalidade, comportamento e relacionamento. Assim, o contexto organizacional é fator importante no desenvolvimento do potencial produtivo da organização. Entretanto, na prática, ocorrem freqüentemente contradições entre a estratégia da organização e a cultura predominante (PFEIFFER, 2006, p. 52).

53 “Artístico” aqui, segundo Santana (2007, p. 114), refere-se ao conhecimento tácito necessário em toda prática

profissional, inclusive para a boa aplicação da técnica.

Parte desse contexto se concretiza nas normas e políticas de recompensa do sistema, tanto as implícitas como explícitas, formais ou informais. Argyris e Schön (1970, cap. 2, p. 47) afirmam que elas são impactantes sobre a ação dos agentes no sistema (ver seção 2.4.5). Santana (2007, p. 84) ressalta que é fundamental que as normas do sistema recompensem estratégias de ação que sejam baseadas nas atividades primárias de intervenção, a fim de que o sistema possa aumentar sua competência geral em resolver problemas, tomar decisões e aprender. Daí se pode inferir, o estímulo às atividades primárias de intervenção provoca um ciclo virtuoso (FIGURA 6) de impacto extremamente positivo para as comunicações na organização. Contudo, as práticas nas organizações em geral apontam para as teoria-em-uso de Modelo I, muito distantes dessa diretriz e que não favorecem as comunicações. Isto pôde ser visto em muitos relatos nas entrevistas realizadas.

No relato abaixo, a entrevistada aborda a carência que percebe quanto às comunicações na empresa, apesar de tratar-se de uma organização de grande porte e haver todo um “clamor” por melhorias nas comunicações:

[...] Eu sinto muita falta de informação. De comunicação, sabe! De um canal de diálogo. Acho que a gente tem um diálogo muito falho com a organização como um todo, né. Pelo menos aqui onde eu trabalho, assim, existe esta falta. E isso assim, é reclamada há anos. Todo mundo, quando você vai

fazer um planejamento estratégico, vai fazer alguma coisa: comunicação, comunicação. Então

assim, eu trabalho numa empresa enorme, né, que permeia o Brasil inteiro e, no entanto, assim,

quando a comunicação deveria ser a coisa mais forte dentro da empresa, eu considero ela um dos pontos mais fracos. (Márcia, Gerente de Serviços, com experiência em Gerência Sênior e Gerência de

Projetos. Grifos nossos)

Muitos entrevistados abordaram a questão da cultura organizacional da empresa onde o grupo entrevistado trabalha não estimular realmente o diálogo entre os profissionais. Foram unânimes, entretanto, em afirmar haver grande investimento em veículos de comunicação internos à empresa (revista, tv, jornal eletrônico, palestras) propalando o estímulo às comunicações. Muitos foram enfáticos que este discurso não se realiza na prática organizacional. A verbalização a seguir ilustra esta incoerência entre o discurso e a prática:

Não, não acontece [respondendo sobre haver estímulo ao diálogo entre os profissionais]. Eu acho que

depende muito da pessoa, né. Como eu disse a você, eu acho que depende muito do perfil do gestor,

mas, assim, é o perfil dele. Assim, a empresa não favorece isso, entendeu? Você vê os processos de

comunicação, sempre se fala, se fala, se fala, se fala... Mas enfim, cadê o real trabalho? (Márcia,

Gerente de Serviços, com experiência em Gerência Sênior e Gerência de Projetos. Grifos nossos)

Esta narrativa expressa, na perspectiva da teoria de Argyris e Schön, uma incongruência entre a teoria-em-uso e a teoria proclamada. Por um lado, a estratégia proclamada da empresa, afirma a abertura e o estímulo às comunicações, enquanto, por outro, a cultura organizacional não traduz isto em prática, o que se realiza apenas pela disposição e perfil de alguns gerentes.

Este tipo de incongruência, comumente percebida como manipulação, pode originar ou reforçar dinâmicas disfuncionais (ver seção 2.4.2), as quais repercutem negativamente nas interações entre os agentes envolvidos, podendo afetar seriamente os resultados pretendidos. A entrevistada continua seu relato ressaltando que, na prática, a empresa pretere o desenvolvimento das competências interpessoais em prol do favorecimento aos setores estritamente técnicos, revelando a pouca importância dada aos aspectos interpessoais da comunicação:

Cadê o real trabalho? Sabe, quantas vezes a gente junta aí o pessoal, "vamos fazer um trabalho de

relacionamento nesse grupo?”. Não faz! A gente não faz esse tipo de trabalho. Porque a gente sabe

também que ao longo do tempo as empresas quando diminuíam seus quadros, começavam a diminuir

na área de gestão de pessoas, né? Tinha que ter um focar: "Ah, não, por que é que eu quero um

psicólogo dentro da empresa? Demite!"; "Por que é que eu quero um relações... eh... assistente social na empresa? Demite!". Né? "Eu não vou demitir um técnico que conhece cem por cento aquela

máquina! Quando ele tirar férias eu fico louco! Não vou! Vou demitir o que?". Justamente, aquela,

aquele, aquele, digamos assim, aquele profissional que poderia tá viabilizando de uma forma

profissional a comunicação, as boas relações interpessoais dentro da empresa. Então assim, aqui na

empresa a área de recursos humanos, a área de logística, é a que é teoricamente pior remunerada. Por quê? Porque as maiores gratificações vão para as áreas técnicas, não vão para essas áreas de gestão

de pessoas, de logística, as que têm menos, digamos, provimento. (Márcia, Gerente de Serviços, com

experiência em Gerência Sênior e Gerência de Projetos. Grifos nossos)

Corroborando o relato acima, a cultura organizacional foi citada por quase todos os entrevistados, a exceção de dois, como não aderente à consideração dos aspectos humanos. A pouca preocupação com o tema foi creditada à formação acadêmico-profissional em informática que, eminentemente técnica, negligencia os aspectos humanos da prática profissional, resultando em abordagem predominantemente técnica.

[...] Eu acho que essa preocupação deveria ser institucionalizada. Deveria, até a própria cadeia hierárquica, né, da empresa ser... deveria haver treinamentos nessa área. Isso deveria ser uma preocupação, assim, real mesmo e devia fazer parte da formação formal, né, do profissional. E eu acho até que isso pode até refletir a cultura da empresa, né. [...] Eu vejo que nessa empresa aqui, principalmente nessa parte humana, de relações humanas, a própria administração, né, os paradigmas da administração, são coisas muito antigas. E essa parte do, assim, humana, das relações humanas é, ainda é, como geralmente, sempre foi na parte de, nessa parte de informática, de ciência da computação, essa parte técnica, é negligenciada né, não é dada mais, uma importância maior. (Sílvio, Analista de Desenvolvimento. Grifos nossos)

Sob o domínio do paradigma da racionalidade técnica (ver seção 2.4.7), os profissionais passaram a ser vistos primariamente como técnicos que aplicam seu conhecimento profissional especializado. A própria noção de competência profissional está associada ao problema instrumental de seleção e aplicação de teorias e técnicas para solução dos problemas (ARGYRIS; SCHÖN, 1974, cap. 8, p. 148). Portanto, este paradigma

premiadas as competências nas teorias técnicas. Entretanto, Argyris e Schön (1974)

argumentam que o problema desse paradigma consiste na utilização das teorias técnicas sob a influência direta de teorias-em-uso de Modelo I, as quais são voltadas para o controle

unilateral das tarefas e do ambiente, e pouco propícias à geração de informação válida e útil.

Isto, somado às variáveis governantes do Modelo I, terá reflexos nas atividades de avaliação

de desempenho, uma vez que, estabelecidas as condições de erro devido à falta de clareza ou

insuficiência de informação válida e útil (ver seção 2.4.4), haverá um ambiente de alta propensão tanto aos erros de primeira ordem quanto aos erros de segunda ordem. Portanto, nestes ambientes, as avaliações de desempenho tendem a reforçar as rotinas defensivas e os custos psicológicos.

Quando... Você vê que várias coisas acontecem ou então, há meia hora que estava homologando, sabia

que estava errado, deixava o outro lá descobrir, enquanto isso eu vou ajeitando aqui. Quando o cara

ajeitou, "Olha, você me deu o erro hoje, eu já consertei agora de tarde!", sai de bom! Eu não sei ser assim! Eu acho erradíssimo e eu não vejo como as pessoas acabam ainda premiadas, não é. Porque incomoda! Incomoda! Mas é a estrutura da organização. Essas coisas aqui acabam sendo eternas. (Brigite, Analista de Desenvolvimento, com experiência em gerenciar projetos. Grifos nossos)

Corroborando a argumentação anterior, os relatos que abordaram “avaliação de

desempenho”, como o exposto acima, sugeriram haver um sistema de recompensas

incongruente com a geração de informação válida e útil. Neste caso, afetando negativamente a capacidade de livre expressão, o feedback útil, reflexão e a capacidade dos agentes em lidar com situações problemáticas. Foi verificado entre estes entrevistados elementos que indicam reações como desmotivação e falta de comprometimento. Estas reações são indicativas de custos psicológicos que normalmente se convertem em perda de eficácia, com sentimento de injustiça, autodesvalorização e ressentimento.

Você começa a ver as pessoas, e você vê que só se denvolvem aquelas que atendem à organização mesmo, que tem o jogo que a organização quer. Você ir contra a corrente, você... Se você é alguma coisa diferente, se anule, porque você não vai ganhar nada com isso, só vai se... Levar uma pedrada. (Brigite, Analista de Desenvolvimento, com experiência em gerenciar projetos. Grifos nossos)

Argyris afirma que atividades que requeiram inovação e geração de conhecimento a partir das pessoas, no que incluimos as comunicações, terão mais chance de serem bem sucedidas se apoiadas nas atividades primárias de intervenção, base das teorias-em-uso de Modelo II. Como isto comumente não acontece, em geral, as comunicações são reconhecidas na maior parte das organizações como deficientes. Em geral, seus membros reconhecem a importância de reais investimentos para, a partir da mudança, melhorar o desempenho, a eficácia:

Acho, assim, isso devia ser uma preocupação institucional, em todos os níveis. Desde o nível... Assim, devia ser uma coisa até mesmo aplicada ao ambiente de trabalho em todos os níveis, essa questão do entendimento da comunicação entre os profissionais. Acho que isso só tem a contribuir

para o melhor desempenho, assim, de toda a organização, em todos os segmentos. (Sílvio, Analista de

Desenvolvimento. Grifos nossos)

Mas tal mudança é dificultada pelas próprias teorias-em-uso dos agentes, as quais são orientadas ao Modelo I, incongruentes com as atividades primárias de intervenção. Então, neste cenário de cultura organizacional também de Modelo I, o poder decorrente da técnica é exercido unilateralmente, de forma não testável, sem confrontação e pouco influenciável, tornando a prática profissional auto-oclusiva (ARGYRIS; SCHÖN, 1974, cap. 9, p. 170) e, portanto, dificultando as mudanças.