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4.3 INTERPRETAÇÃO

4.3.4 Elementos Estruturadores

4.3.4.1 Formação dos profissionais

Argyris e Schön (1974, cap. 8, p. 140) argumentam que surpreendentemente as escolas de formação profissional não preparam seus alunos para ser competentes, daí questionam se os profissionais são competentes. Uma das razões seria que, devido a motivos inerentes às profissões, as escolas não ajudam esses alunos a adquirirem as habilidades essenciais para serem competentes na prática no mundo real. Além disso, seguem argumentando, elas não acompanham as mudanças radicais que os papéis profissionais vêm sofrendo.

Sobre isto, é necessário elucidar que o conceito de competência aludido difere daquele da perspectiva tradicional, baseada na racionalidade técnica45. Trata-se do conceito usado por Schön (2000, cap. 1, p. 21), onde a competência depende também da habilidade em lidar com as zonas indeterminadas da prática46, como as questões advindas do mundo comportamental, e não apenas da capacidade técnica do profissional (ver seção 2.4.7). Portanto, é necessário considerar as habilidades para lidar com as situações criadas no decorrer das relações interpessoais dos profissionais entre si e entre estes e seus clientes. Schön argumenta que o profissional deve desenvolver essas habilidades através das atividades primárias de intervenção, sempre na perspectiva de si e dos outros. Ele alerta que isto exige novos valores e estratégias de ação que não estão presentes no Modelo I, o que traz grande dificuldade.

Toda esta argumentação é especialmente pertinente às comunicações, uma vez que esta invariavelmente envolve interação interpessoal e, no contexto das profissões, ela é uma atividade que exige preponderantemente competências interpessoais. Os entrevistados, à exceção daqueles oriundos da área de administração, foram unânimes em apontar uma lacuna

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Como “coesão da equipe” foi largamente comentada nas demais seções, não a abordaremos individualmente nesta seção.

45 Na perspectiva tradicional baseada na racionalidade técnica, a competência está associada com problemas

instrumentais, que consistem na aplicação de teorias e técnicas derivadas da pesquisa sistemática, preferencialmente científica, como solução aos problemas apresentados (ARGYRIS; SCHÖN, 1974, cap. 8).

em sua formação acadêmico-profissional com relação aos conhecimentos necessários para lidar com os aspectos interpessoais da comunicação nas suas práticas profissionais. Afirmaram ser este um fator que interfere na consecução de ações comunicativas efetivas. O relato abaixo ilustra isto:

Olha! Se a gente for avaliar a formação acadêmica, certo, ela é muito pobre em termos de formação

nessa parte humana. [...] Eu acho que tá aquém, tá, porque o profissional de informática ele precisa ter uma capacidade muito forte de captação do que se quer né. E receber e devolver essas

informações, né. (Fernando, Analista de Processos e Qualidade. Grifos nossos)

No caso da informática, as universidades priorizam grades de disciplinas que instruem sobre os diversos aspectos técnicos da profissão, havendo pouco ou nenhum espaço para as disciplinas baseadas em conhecimentos não técnicos47, com viés social ou humano. E mesmo para as disciplinas de áreas de conhecimento que possuem considerável influência não técnica48, presentes na grade curricular, o enfoque dado é fortemente influenciado pela visão instrumental. Dessa forma, a universidade desempenha um importante papel no reforço e manutenção do paradigma da racionalidade técnica que domina o mundo profissional49. Assim, por exemplo, os estudantes podem aprender nas escolas acadêmico-profissionais de informática alguns conhecimentos sobre comunicação, mas com a visão limitada de sua utilização instrumental (ver seção 4.3.3.4). As verbalizações abaixo são ilustrativas sobre isso: Até porque o profissional de informática, eu acredito que não tenha uma formação pra essa área, uma formação específica pra isso [referindo-se ao preparo para abordar os aspectos interpessoais da comunicação]. A gente aprende a ver como uma máquina funciona, a ver como se constrói um

software, metodologias de metrificação, desenvolvimento, tecnologias a serem usadas, mas acho que uma formação mais humanística não há no nosso curriculum, pelo menos em ciência da computação eu não vejo nenhum curso que dê essa formação. (Anderson, Analista de

Desenvolvimento, com experiência em gerenciar projetos. Grifos nossos)

É! A comunicação humana também é um problema né? As pessoas não entenderem direito o que está

passando. Cada um tem o seu contexto, né. Aí quando passa alguma coisa, cada um interpreta do seu modo. Aí, tem até umas técnicas, né, de você ter um feedbak, ver se é isso mesmo. Pra entender os requisitos usa isso. Não que os projetos usem, mas a engenharia de requisitos define né [risos].

(Elisângela, Analista de Processos e Qualidade, com experiência em gerenciar projetos. Grifos nossos)

Percebe-se no último relato acima haver um conhecimento sobre comunicação em seu nível instrumental, pois está evidenciado o papel de suporte dado à ação comunicativa. No mais das vezes, esta é a forma central, senão única, de inserção de conhecimentos sobre comunicação

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Por exemplo, os estudos sobre a interação humano-computador, têm uma pequena inserção na formação de graduação em ciência da computação.

48 Um exemplo seria a gestão de requisitos da engenharia de software.

49 Schön aponta a influência fundamental dessas escolas de formação profissional, baseadas na universidade

que o profissional obtém no curso acadêmico-profissional de informática. Ainda assim, como pode ser depreendido da verbalização, nem todos os profissionais de informática utilizam o conhecimento obtido. Isto pode ser explicado como devido à abordagem predominantemente técnica na prática profissional, que tende a subestimar os aspectos “menos técnicos”.

Esta situação é especialmente preocupante para os gerentes de projetos oriundos da área de informática, normalmente sem formação acadêmica alguma ou treinamento para exercer o gerenciamento. No caso, às carências de conhecimentos para tratar os aspectos interpessoais envolvidos na prática profissional de informática, somam-se as carências de técnicas gerenciais. Os conhecimentos divulgados no guia PMBOK® (Project Management Body Knowledge) 50 têm amenizado esta carência, mas, novamente, também nele há uma abordagem instrumental das comunicações e, portanto, limitada. No relato a seguir um gerente de projetos (formado em administração) fala sobre a deficiência na formação profissional em informática quanto à abordagem dos fatores humanos nas comunicações em projetos de software; ele destaca a dificuldade dos gerentes de projetos e a utilidade que percebe no PMBOK:

[...] Normalmente nós que somos da área de informática, a gente tem muito aquela formação técnica, mas não tem a formação muito humanística. Então assim, a partir do momento que você vai estudar, por exemplo, como eu falei, pra fazer uma prova do PMBOK, então você vai ver que tem toda uma parte de gestão de recurso humano, [...] então assim, a pessoa tem que ter uma certa sensibilidade

enquanto líder de projeto, exatamente pra levar isso tudo em consideração. O que normalmente parece que não é levado tanto porque a maioria dos chefes de projeto quando assume a chefia de

projeto, eu acho que boa parte deles não tem treinamento nessa área. Eles são da área técnica, [...] então é jogado para uma função de gerência, ou de chefia de projetos, mas não tem uma formação

técnica pra levar isso em consideração, esse aspecto humano, né. (George, Gerente de Projetos.

Grifos nossos)

É interessante observar que as pessoas entrevistadas, que têm alguma formação em administração (graduação, pós-graduação ou MBA), revelaram também uma visão instrumental das comunicações. Mais uma vez, tomando por base as teorias de Argyris e Schön, podemos atribuir isto ao predomínio da técnica que se estende às várias áreas de conhecimento e à sociedade em geral. O que difere? Estas pessoas têm melhor referencial teórico para lidar com os problemas interpessoais (apesar de limitado) e no que concerne às técnicas de gerenciamento. Nas entrevistas, revelaram conhecimentos teóricos sobre comunicação e pareceram mais receptivas a aprendizados “não técnicos” na forma dos treinamentos comportamentais oferecidos pela empresa. Além disso, apresentaram

questionamentos críticos mais consistentes acerca das ações gerenciais51. A verbalização a seguir ilustra estas considerações:

Eu sou formada em administração. Então... E eu fiz um MBA em gestão de negócios. E lá eu paguei algumas cadeiras onde eu via claramente, como eu digo, essa importância da comunicação. Você saber, você se colocar no lugar do outro, você saber. Então tinha exemplos assim de empresas, no MBA tinha pessoas de várias empresas, tinha programas nas empresas que eu disse: "poxa, como a

área de informática é pobre nesse sentido, na verdade". (Cláudia, DBA. Grifos nossos)

Contudo, o ambiente de Modelo I subjacente ao paradigma da racionalidade técnica, dominante nas organizações, torna o sistema auto-oclusivo a reflexões profundas e dificulta as mudanças. Desse modo, o campo de constância52 do comportamente organizacional trabalha para manter o comportamento dos agentes dentro do aceitável e esperado para a cultura organizacional, preservando assim o “status quo”. Para isso concorrem também as normas e sistema de recompensa institucional. Assim, esses agentes com alguma percepção crítica maior terão suas ações “inovadoras” tolhidas, o que poderá lhes causar reações defensivas de desmotivação e sensação de impotência, ou adesão às práticas organizacionais. Em ambos os casos, há perda de eficácia, afetando as comunicações com diminuição de livre expressão e feedback útil. Mas, de qualquer forma, estes agentes tendem a apresentar uma maior “prontidão” às possibilidades de mudança. A verbalização abaixo ilustra isto:

E eu percebi muito mais quando eu tinha feito isso [referindo-se ao MBA em Gestão de Negócios], tá, tá, tá, entrei aqui [refere-se a ser admitida na empresa]... Digamos... E aí você é, digamos, tolhido. Você não é incentivado, de forma alguma, a pensar dessa outra forma [referindo-se a pensar nos aspectos interpessoais da comunicação]. Então, quando termina, no final, eu acho que hoje eu estou

igual a eles, tá entendendo? [risos] Mas como eu tive essa luzinha no fim [refere-se à formação no

MBA como tendo ampliado sua visão], no outro lado, rapaz! (Cláudia, DBA. Grifos nossos)

Este quadro, longe de defender a imutabilidade do mundo comportamental profissional, ressalta a importância das instituições superiores de ensino em fomentar as mudanças necessárias para a melhoria da eficácia das práticas profissionais. Segundo Santana (2007, p. 114), uma ação eficaz para mudar a visão tradicional da educação profissional em engenharia de software seria a modificação curricular, com a inclusão de disciplinas das ciências sociais que abordassem adequadamente as questões sócioambientais envolvidas nas atividades profissionais de engenharia de software. Adicionalmente, Schön (2000, cap. 1) defende que a educação profissional deveria caminhar em direção ao desenvolvimento do

51 Evidentemente, dada a natureza da amostra utilizada neste estudo e ao próprio instrumento de pesquisa, não é

possível generalizar tais resultados. No entanto, pode-se afirmar que eles estão afinados com o que preconiza a Teoria de Ação de Argyris e Schön.

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As teorias-em-uso mantêm o campo de constância do comportamento das pessoas (ARGYRIS; SCHÖN, 1974, cap.1, p. 15-16), o qual é delineado por um conjunto de variáveis governantes.

“talento artístico profissional” 53. Com ambientes educacionais capazes de educar o profissional para a “reflexão em ação” 54 e para a aprendizagem pública coletiva, fundamentada na reflexão retrospectiva. Ele ressalta que essa visão requer um novo paradigma de concepção do mundo profissional e suas escolas de formação.

Sobre isto, Argyris e Schön (1974, cap. 10) acreditam que a educação profissional precisa ser reformada, mas apontam uma carência de pessoas com competência específica para realizar isto. Eles vêem uma tendência de estrutura de funcionamento de Modelo I (com suas variáveis governantes de maximizar os ganhos e evitar as perdas) nos ambientes acadêmicos, o que dificulta a reflexão e a mudança, devido ao seu caráter auto-oclusivo. Os pesquisadores reconhecem como condição imprescindível para haver mudanças na prática profissional e nas escolas que os profissionais, professores e alunos se tornem conscientes de suas teorias proclamadas e de suas teorias interpessoais em uso, e que estes se aproximem do Modelo II (ARGYRIS; SCHÖN, 1974, cap.10, p. 180). Este não é um processo simples, mas os autores apontam benefícios duradouros a médio e longo prazo na eficácia das práticas profissionais ao se conseguir uma mudança nessa direção, mesmo que não se alcance completamente o comportamento de Modelo II.