• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 | O modernismo europeu até ao final da I Guerra Mundial

1.1 O contexto parisiense

Belle Époque foi, como refere Roger Shattuck86, o termo francês usado para definir os “the gold old days”, um período compreendido entre o final do século XIX e início da Primeira Guerra Mundial (1914), que tinha Paris como foco e cidade-modelo da Europa e do mundo. O magnetismo desta cidade havia atraído a atenção de europeus e americanos com as cinco exposições universais que realizou a partir de 1855. O grande objetivo destas exposições era mostrar a força e a consolidação do sistema industrial às outras nações. Assim, pela estabilidade política que gozava na época, pela excelente centralidade geográfica e pelo seu desenvolvimento cultural, instalaram-se na capital francesa, durante estes anos, além de investidores, inúmeros intelectuais, escritores e artistas, que tornaram a cidade berço e meio difusor das mais variadas correntes culturais.

No que se refere às artes concretamente as mudanças foram drásticas mas progressivas. Como Cottington nos elucida, “desde o início do século XIX, em Paris, uma

faixa da atividade artística caracterizou-se por um espírito de rebelião contra a convenção académica e o gosto burguês”87. Harrison acrescenta:

“nestas circunstâncias, os modelos académicos acabavam por vir a mostrar-se, na melhor das hipóteses, inadequados e, na pior, decadentes e opressivos (…). O futuro artista moderno tinha, assim, de procurar para além da tradição clássica vigente – noutras esferas da cultura ou, simultaneamente, noutras culturas – modelos e formas de construção estética a seguir.” 88

86 SHATTUCK, Roger. The Banquet Years. The Origins of the Avant-garde in France 1885 to World War

I. New York: Vintage Books, 1968, pp. 5-6.

87 COTTINGTON, David. Cubismo. Col. Movimentos de Arte Contemporânea. Vol. 2. Lisboa: Editorial

Presença, 2000, p.13.

88 HARRISON, Charles. Modernismo. Trad. de Maria Armanda de Sousa. Col. Movimentos de Arte

fev-19 | Página 41

Foi o que fez um conjunto de jovens artistas, rejeitados pelo Salon oficial, e referidos, pela crítica, como Impressionistas89. Como nos dá conta Belinda Thomson90, estes provinham de dois grupos diferentes: a Académie Suisse (onde estudava Eduard Manet e Paul Cézanne) e o estúdio de Charles Gleyre (frequentado por Claude Monet, Auguste Renoir e Alfred Sisley). A uni-los estava a figura de Pissarro, próximo dos elementos de cada grupo. Por isso, como reflete a mesma autora, não se pode dizer que o Impressionismo tenha sido um movimento na verdadeira aceção do termo, mas sim uma convergência artística para a representação da vida citadina moderna e das impressões sensoriais dos seus autores, que nada tinham que ver com os parâmetros académicos. Estes pintores recolheram influências no paisagismo romântico de Constable e Turner, nomeadamente na representação direta da Natureza e na captação de ambiências atmosféricas; na representação atmosférica de marinas de Jongkind e Boudin; nas sombras coloridas e contrastantes de Delacroix; na fotografia, que desencadeou na pintura novos enquadramentos e novas perspetivas; e nas estampas japonesas, de formas planas e lineares, sem claro-escuro, modelação ou volumetria, que os conduziu a execuções menos detalhadas. Os impressionistas faziam da cor pura o elemento mais importante do quadro, em detrimento dos objetos representados, passavam a ser anulados pela impressão geral que a atmosfera adquiria em determinadas circunstâncias (hora do dia, estação do ano, condições meteorológicas ou atmosféricas). Também a aplicação de pinceladas curtas e nervosas, mas visíveis, permitia esbater os contornos dos objetos, envolvendo-os ou fundindo-os no meio. As sombras tornavam-se, então, manchas escuras, igualmente mescladas na composição. Os quadros impressionistas têm um aspeto “em bruto”, são pouco trabalhado, mas fluidos e aéreos, relativamente aos conceitos da pintura tradicional.

89 Foi o quadro “Impressão: Sol Nascente”, de Monet, que serviu de mote ao crítico Leroy, na atribuição

do nome Impressionismo a este movimento artístico. Cf. NOGUEIRA, Isabel. Teoria da arte no século XX:

modernismo, vanguarda, neovanguarda, pós-modernismo. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2012, p.

39.

90 THOMSON, Belinda. Impressionism: origins, practice, reception. Nova Iorque: Thames & Hudson,

fev-19 | Página 42

Os pintores que se seguiram irão partir da decomposição cromática impressionista mas procurar um modo de representação mais autêntico e desvinculado do objeto, isto é, da representação mimética da Natureza. Por esse motivo são denominados Pós- Impressionistas. Continuam a ser representados temas citadinos e paisagens, contudo, já não são produzidos ao ar livre, mas sim em estúdios. Os pós-impressionistas apresentam características muito heterogéneas, pelo que vale a pena percebermos os contributos que cada um desses agentes deu à constituição de uma arte moderna91.

Na perspetiva de Shiff92, Cézanne foi o pintor que mais terá permanecido na fronteira entre o impressionismo e as suas próprias conceções estéticas. Se, por um lado, lhe agradavam os efeitos luminosos impressionistas, por outro, mantinha intactas as estruturas e os elementos sólidos e tridimensionais da natureza. Por esse motivo, Cézanne desenvolveu uma linguagem pictórica original, fundamentada numa teorização das cores aplicadas à forma, a que deu o nome de “modulação”. Segundo este sistema, as cores sucediam-se e combinavam-se de acordo com a tonalidade e a luminosidade de tons semelhantes. Assim, os objetos passassem a ser delimitados, de modo a que as zonas de transição fossem identificadas. Utilizando este princípio, Cézanne corta definitivamente com a noção de perspetiva tradicional, criadora da ilusão espacial e introduz o geometrismo como esqueleto dos elementos representados, o qual nunca se altera com as mudanças de luminosidade. As paisagens e naturezas mortas são as temáticas preferidas de Cézanne, cuja arte terá uma repercussão enorme no desenvolvimento do cubismo.

Baseado na lei das cores complementares de Chevreul93, conhecidas já dos impressionistas, Seurat criou uma nova técnica denominada Divisionismo (comummente

91 Cf. NOGUEIRA, Isabel. Teoria da arte no século XX: modernismo, vanguarda, neovanguarda, pós-

modernismo. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2012, Op. cit.

92 SHIFF, Richard. Cézanne and the end of impressionism: a study of the theory, technique, and critical

evaluation of modern art. Chicago: The University of Chicago Press, 1986.

93 Em De la loi du contraste simultané des couleurs et de l’assortiment des objets colorés (1839), Michel-

Eugène Chevreul apresenta uma teoria na qual a luz incolor pode ser decomposta através de um prisma nas cores do espetro solar – vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e violeta. Estas cores, chamadas fundamen- tais, dispõem-se segundo um círculo de cores. Cada uma das cores secundárias (laranja, verde e violeta) é a transição ou a mistura entre duas cores primárias que lhe estão adjacentes. Ao colocar lado a lado cores primárias, estas misturam-se oticamente e aumentam mutuamente de intensidade (vermelho-verde, ama- relo-violeta, azul-laranja). As cores não complementares, postas umas ao lado das outras, transformam-se reciprocamente no sentido das cores complementares. A essa intensificação ou modificação mútua dá-se o

fev-19 | Página 43

conhecida por pontilhismo). Empregando pequenas manchas de cor pura, que se deveriam misturar, a uma certa distância, nos olhos do observador, rejeitou a impressão fugaz, passando a elaborar obras repletas de ritmo, simetria, contraste, em suma, harmonia.

Toulouse-Lautrec foi o pintor do boémio Paris da Belle Époque. Em termos de tonalidades, a sua obra aproxima-se da de Degas, no entanto, são lhe reconhecidos atributos especiais na manipulação do desenho, com figuras lineares, bidimensionais, e inspiradas nas estampas japonesas. O tema da sua pintura e gravura incidiu no retrato caricatural da sociedade burguesa, nomeadamente a frequentadora de cabarets e cafés, ou em prostitutas, circos, cantores e bailarinas.94

Com Vicent van Gogh95 a arte ganhará um novo e duplo sentido sensitivo. As suas pinceladas empastadas, aplicadas energicamente, conferem texturas à representação. Os contrastes proporcionados pelas cores puras que usava, como os amarelos e os azuis (cujos paradigmas são o sol e o céu), provocam, no observador, emoções fortes e diferentes estados de espírito. Também este artista se deixou influenciar pelas estampas japonesas, como podemos observar nas pinturas de ramos de amendoeiras em flor. Mas foi, essencialmente, um personificador da Natureza, atribuindo-lhe estados de alma que oscilavam entre a angústia, a genialidade ou a loucura96.

Ligado profissionalmente a Cézanne e Van Gogh, Paul Gauguin97 discordava dos seus pares, considerando que a arte devia revestir-se de um significado. Esse significado foi encontrá-lo na gótica e rural Bretanha, cheia de símbolos místicos, e nas formas de vida primitivas e exóticas do Taiti. Na pintura de Gauguin, as formas são bidimensionais,

nome de contraste simultâneo. HESS, Walter. Documentos para a Compreensão da Pintura Moderna. Col. Vida e Cultura. Livros do Brasil, 1989, p. 27 e 28.

94 CATE, Phillip Dennis; Thomson, Belinda. Toulouse-Lautrec and La Vie Moderne. Paris 1880-1910.

United States: Rizzoli International Publications, 2013.

95 PEREIRA, Orlindo Gouveia. Vincent Van Gogh : palavra e imagem. [Lisboa]: Inapa, D.L., 1990. 96 WALTHER, Ingo F. Vincent Van Gogh: 1853-1890: visão e realidade. Trad. de Maria Odete Gonçalves-

Koller. Colónia: Taschen: Público, 2003.

97 WALTHER, Ingo F. Paul Gauguin: 1848-1903: quadros de um inconformado. Trad. Etelvina Rocha

fev-19 | Página 44

estilizadas e sintéticas, e as cores antinaturalistas, simbólicas ou mesmo alegóricas, representando a harmonia perdida entre o homem e a natureza98.

Segundo Walther99, Gauguin fez parte de uma tendência que marcará a literatura, a música e as artes plásticas, entre 1860 e 1900: o simbolismo. Tratava-se de uma forma de reação ao naturalismo e ao impressionismo e apresentava-se como movimento oficializado por um manifesto, escrito por Jean Moreás, em 1886. Gustave Moreau, Puvis de Chavannes, Odilon Redon e Émile Bernard estão entre os que desenvolveram o movimento na vertente pintura, procurando comunicar pela linha, pela cor e pela forma e utilizando símbolos pré-definidos e sugestivos, como se fazia na antiguidade. Como refere o crítico Albert Aurier, no jornal Mercure de France, em 1891, a obra simbolista devia ser “ideísta, pois o seu único ideal será a expressão de uma ideia”, “simbolista,

pois exprimirá esta ideia em formas”, “sintética, pois escreverá estas formas, esses sinais, segundo um modo de compreensão geral” e “subjetiva (é uma consequência), porque a pintura decorativa propriamente dita, tal como a conceberam os Egípcios, muito provavelmente os Gregos e os primitivos, não é senão uma manifestação da arte ao mesmo tempo subjetiva, sintética, simbolista e ideísta” 100.

Defensor acérrimo das ideias de Gauguin101, Paul Sérusier cria o grupo Les

Nabis102, também de índole simbolista. Este grupo contava, entre os seus membros, com Denis, Bonnard, Vuillard, Sérusier, Ranson, Ibels, Roussel, Verkade, Maillol, Vallotton103. Completamente contrários do naturalismo, estes pintores desenvolveram uma visão nova da arte, inspirada não na aparência, mas na essência dos objetos. Para a

98 ESTIENNE, Charles. Gauguin: études biographiques et critique. Genéve: Albert Skira, 1953.

99 WALTHER, Ingo F. Paul Gauguin: 1848-1903: quadros de um inconformado. Trad. Etelvina Rocha

Gaspar. Colónia: Taschen; Público, 2003, Op. cit.

100 PINTO, Ana Lídia; Meireles, Fernanda; Cambotas, Manuela Cernadas. História da arte ocidental e

portuguesa, das origens ao final do século XX. Porto: Porto Editora, 2006, p. 736.

101 A influência de Gauguin nos Nabis é estudada por Arthur Ellridge. Cf. ELLRIDGE, Arthur. Gauguin et

Les Nabis. Paris: Pierre Terrail, 1993.

102 FRÈCHES-THORY, Claire; Terrasse, Antoine. Les Nabis. Paris: Flammarion, 2002.

103 SCHLESSER, Thomas. “Pintura”, Musée d’Orsay. Guia de Visita. Paris: Établissement public des

fev-19 | Página 45

alcançarem, usavam formas simples, cores vivas e contornos bem definidos. Os Nabis inspiraram-se no vitral e no estilo de empenho de cores lisas de Gauguin, denominado Cloisonnisme104. A sua grafia apresentou semelhanças com um outro estilo muito em voga na Europa: a Art Nouveau. Este estilo, cuja designação alude à loja que o negociante de arte Siegfried Bing abriu em Paris, em 1895, partilhava com o simbolismo a fantasia das suas temáticas e figuras, mas distinguia-se pela sua componente mais decorativa. Foi um estilo muito influenciado pelo movimento inglês Arts and Crafts, pelas estampas japonesas que haviam invadido Paris e, ainda, pelo folclore tradicional inglês, de inspiração celta105. Caracterizava-se por fazer uso de linhas sinuosas, elásticas e flexíveis, formas ondulantes e motivos orgânicos e vegetais, altamente estilizados. A arte nova foi um dos movimentos que melhor se adaptou ao gosto da nova sociedade industrial, capitalista, burguesa e consumista, que privilegiava a sensibilidade, a fantasia, o refinamento estético, o ornamental e o pitoresco106.

As alternativas à Académie (embora ainda marginais) atraíram, então, a Paris milhares de artistas de todo o mundo, que aí procuravam estudar os antigos e os novos mestres e encontrarem meios de expressão próprios, que lhes proporcionassem a tal superação vanguardista e uma vida totalmente dedicada à arte. O artista dos inícios do século XX será ainda mais audaz e ambicioso nas descobertas que faz, quebrando definitivamente a ligação entre arte e convenções. E para que a arte moderna vingue convergirão dois fatores decisivos: o primeiro foi a ação dos marchands, que viram na arte uma oportunidade de negócio, apoiando aqueles que mais se destacavam na senda independente; o segundo, os meios de comunicação social, que se tornavam cada vez mais abundantes e especializados, dando origem ao aparecimento de uma nova ciência: a crítica da arte107. Como anuncia Anne Cauquelin,

104 Estilo caracterizado por cores lisas, delimitadas por contornos escuros.

105 CHAMPIGNEULLE, Bernard. A Arte Nova. Mem-Martins: Editorial Verbo, 1984, pp. 7-13.

106 SELZ, Peter; Constatine, Mildred. Art Nouveau: art and design at the turn of the century. New York: The

Museum of Modern Art, 1994.

107 CF. HARRISON, Charles. Modernismo. Trad. de Maria Armanda de Sousa. Col. Movimentos de Arte

fev-19 | Página 46

“o crítico, ao influenciar o marchand, nas suas escolhas, ao escrever nas revistas onde se acotovelavam escritores e poetas, alimenta uma “vanguarda” resolutamente orientada para o moderno. (…) O crítico da vanguarda está lá para cimentar os grupos, para teorizar os seus diferendos, para se bater contra os conservadores, e para convencer o público.”108

São exemplos os jornais Le Figaro e Le Mercure de France, as revistas literárias

La Vogue e Revue Blanche, ou humorísticas como Le charivari (1834), La caricature

(1880), Le courrier Français (1884), Le Rire (1894), Le Cri de Paris (1897) e L'Assiette

au beurre (1901), onde vários artistas publicavam os seus desenhos e caricaturas109. Aqui começa, claramente, a história das vanguardas. Nogueira fornece-nos a melhor explicação para o aparecimento do termo:

“a palavra vanguarda, avant-garde, ou “guarda-avançada”, tem etimologicamente uma origem militar medievalesca, significando acção dianteira e informativa, por oposição a retaguarda, segurança e mesmo imobilidade. De conceito militar e político (…) passou a conceito dos domínios da estética e da arte em geral. (…) Do ponto de vista artístico, a vanguarda pretendeu incentivar a transformação radical da sociedade e da cultura, abarcando diversos domínios – literatura, música, artes plásticas, cinema, teatro.”110

As origens do primeiro movimento de vanguarda remontam ao ano de 1905, quando Henri Matisse111 e André Derain112 se juntam, no sul de França e pintam paisagens da região de Collioure em tons garridos e dissonantes. Na base das pesquisas levadas a

108 CAUQUELIN, Anne. A Arte Contemporânea. Porto: Rés Editora, s.d, pp. 34-35.

109 Cf. SHATTUCK, Roger. The Banquet Years. The Origins of the Avant-garde in France 1885 to World

War I. New York: Vintage Books, 1968, p. 23. GLUCK, Mary. Popular Bohemia: modernism and urban culture in nineteenth-century Paris. London: Harvard University Press, 2005, p. 85.

110 Cf. NOGUEIRA, Isabel. Teoria da arte no século XX: modernismo, vanguarda, neovanguarda, pós-

modernismo. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2012, Op. cit., p. 15.

111 ESSERS, Volkmar. Henri Matisse: 1869-1954. Trad. Casa das línguas, lda. Koln: Taschen, 2004. 112 CHARZAT, Michel. André Derain, le titan foudroyé. Collection Essais, écrits sur l'art. Paris: Hazan,

fev-19 | Página 47

cabo por estes artistas estão a saturação e bidimensionalidade das cores de Gauguin, a pincelada pastosa e vibrante de Van Gogh e, ainda, os pontos de cor pura de Seurat. Em vez de criarem a sensação de espaço, estes artistas retratavam, por meio da cor e da luz, uma nova realidade pictórica, na qual a natureza se convertia em impulso artístico. Como nos diz Joseph-Émile Muller113, quando as pinturas dos dois foram mostradas ao público, a sua intensidade colorida e contrastante levara o crítico de arte Louis Vauxcelles a apelidá-las de fauves [feras]. Mais tarde, juntar-se-iam ao grupo Maurice de Vlaminck, Raol Dufy, Albert Marquet, Georges Rouault e Van Dongen, verificando-se uma progressiva substituição dos temas paisagísticos pela representação da forma humana. O tratado que teorizava os princípios da arte fauvista foi publicado por Matisse em 1908 e intitulava-se Notes d’un peintre. Nesta obra, Matisse explicou o que realmente procurava na junção de cores: “um acordo vibrante ou harmonia pictórica, semelhante à

música”114.

A música terá uma importância crucial na génese das vanguardas115. Depois dos contributos dados por Wagner e pelo seu leitmotiv116, os novos compositores, como os franceses Claude Debussy e Maurice Ravel, o austríaco Arnold Schöenberg (introdutor do dodecafonismo) e seus precursores Alban Berg e Anton Webern, passam a valorizar especialmente a inovação e as perceções sensoriais/abstratas, inspirando-se na natureza para captar imagens mentais. Estas imagens eram expressas através de composições com formas curtas, como o nocturne, o arabesque, e o prelúdio, criando ritmos completamente dissonantes da tradição clássica. Esta harmonização da natureza, expressa em sons, é bastante aproveitada pelos pintores dos primeiros anos do século XX, que associam, a esses sons, cores e formas, além de fazerem dos instrumentos musicais tema

113 MULLER, Joseph-Émile. O Fauvismo. Lisboa: Verbo, 1974.

114 CIRLOT, Lourdes. Primeras Vanguardias Artísticas – Textos y Documentos. Barcelona: Editorial

Labor, 1995, p. 20.

115 GRIFFTHS, Paul. A consise history of modern music from Debussy to Boulez. London: Thames and Hudson,

1980.

116 Consiste no uso de um ou mais temas que se repetem sempre que se encena uma passagem de uma ópera,

fev-19 | Página 48

das suas composições. Deste modo, a música adquire valor plástico e, consequentemente, um significado mais profundo dentro do conceito de obra de arte.

Como fonte visual de inspiração das vanguardas encontramos também a arte primitiva. Incluindo diversas geografias117, este tipo de arte vai buscar as formas mais puras e icónicas de representação das várias sociedades, recuperando objetos identificadores dos seus hábitos, das suas religiões e dos seus rituais.

Depois dos fauvistas, Paris volta, segundo Green118, a sofrer um novo abalo artístico, protagonizado, agora, por Pablo Picasso, um jovem artista de origem espanhola. Inspirado nas formas geométricas de Cézanne e em máscaras primitivas africanas, o pintor elabora uma obra que desafiava todas as convenções sociais, morais e estéticas.

Les Démoiselles d’Avignon é vista, por unanimidade, como a primeira obra cubista.

Tratava-se de uma pintura chocante, até mesmo para aqueles que se moviam no âmago da vanguarda119. Nela, cinco nus femininos dominavam toda a composição. Mas estes

não eram nus idealizados à maneira clássica, nem tão pouco, sensuais ou agradáveis ao olhar. As suas formas angulosas sugeriam estilhaços. As duas figuras da direita mostravam-se mesmo inumanas. A perspetiva sofria também um colapso, ao formar-se pela interligação dos planos frontais, laterais e traseiros. Cottington entende o quadro como “o resultado de, entre outras coisas, um compromisso profundamente assumido

por Picasso relativamente à reformulação das convenções formais da pintura e o realce do seu potencial de expressão.”120

117 O termo inclui as sociedades pré-industriais europeis, as sociedades tribais, como a africana, a oceânica

ou a americana pré-colombiana, e ainda o folclore de cada país.

118 GREEN, Christopher. Cubism and its enemies: modern movements and reaction in French art, 1916-1928.

New Haven: Yale University Press, 1987.

119 A revolução causada pelas Demoiselles d’Avignon é enfatizado por Simon Schama. SCHAMA, Simon.

The Power of Art. London: Bodley Head, 2009.

120 COTTINGTON, David. Cubismo. Col. Movimentos de Arte Contemporânea. Vol. 2. Lisboa: Editorial

fev-19 | Página 49

Entre 1907 e 1909, Georges Braque junta-se a Picasso e ambos elaboram um estudo aprofundado das formas prismáticas, associado ao tema das máscaras africanas121. Curiosamente, a primeira aparição pública da nova estética dá-se em 1908, por intermédio de Braque.

“S’il ne fait aucun doute que les Demoiselles d’Avignon (107; MOMA, New York) de Picasso a contribué largement à la formulacion de ce nouveau vocabulaire plastique que l’on dénommera, mais seulement à partir de 1911, le «cubisme», c’est pourtant lors de l’exposition de Braque en 1908 à la galerie Kahnweiler, à Paris, qu’il fit sa première apparition publique.”122

Já rotulados de cubistas (termo mais uma vez empregue por Louis Vauxelles), como refere Alyse Gaultier123, entre 1909 e 1912, os quadros destes artistas, aos quais se junta também André Derain, tornam-se mais complexos e fragmentados, com formas

Documentos relacionados