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3 Grupos em trans-formação 3.1 Teatro Abya Yala

3.2 Grupo Cultural Yuyachkan

3.2.1 Contexto: Peru, diversidade e luta

Não é possível falar de Yuyachkani sem falar do país no qual foi fundado, até porque Yuyachkani faz parte da história do Peru, são mais de 40 anos de trajetória em um país que até o ano 2010 não contava com Ministério de Cultura.

O Peru é um país de mais de um milhão de quilômetros quadrados, com grande diversidade geográfica, desde desertos até montanhas nevadas e selva amazônica. Sua população superior a 30 milhões de habitantes conta com mais de 70% de contribuição ameríndia, além de influência europeia e africana. É um país mestiço com importante migração chinesa e japonesa. De fato conta com a maior colônia chinesa e a segunda maior colônia japonesa do mundo, sendo que o Brasil tem a primeira.

O índice de analfabetismo é aproximadamente de 7% na população maior de 15 anos, estando numa posição intermediária a respeito dos outros países de Latino-américa, sendo a Nicarágua o pior dos casos, na América Central e o melhor, o Uruguai, na América do Sul. O país conta com altos índices de pobreza, chegando a mais de 30% em algumas regiões do país, especialmente na zona rural.31

A diversidade de origens da sua população faz com que também conte com uma grande riqueza cultural e variadas manifestações artísticas como danças, músicas e culinária. Diante dessa diversidade cultural, apenas no mês de julho de 2010 é criado o Ministério de Cultura, e junto com ele os diferentes departamentos, dentro deles a Direción de Artes, em que se incluíram as artes cênicas na sessão de Industrias Culturales y Artes.

A história política do Peru é sumamente importante para se pensar a trajetória de Yuyachkani. O grupo foi fundado em 1971 em meio a Ditadura Militar do presidente Juan Velasco Alvarado, derrubado do poder pelo Golpe de Estado em 1975. Nos anos 80, o Peru entra numa forte crise política e econômica e o conflito armado se recrudesce. Aparece mais

visivelmente o Partido Comunista del

Perú - Sendero Luminoso, denominado pela opinião mundial como grupo terrorista. A luta

49 entre o governo e o Sendero Luminoso, deixa os civis no meio, sem saber a quem temer ou em quem se apoiar. As mortes são perpetradas pelos dois grupos especialmente nos povoados camponeses do interior do país.

Em 1990 sobe ao poder o ditador Alberto Fujimori, quem se mantém até o ano 2000. Fujimori é considerado um dos maiores violadores dos direitos humanos em Latino-américa. Com a saída de Fujimori começa um processo de paz no país. No entanto, a transição para um governo democrático é lenta, já que são grandes as sequelas de mais de 20 anos de violência extrema, mortes, violações, desaparições, mutilações e medo.

Depois da saída de Fujimori, em 2001 se instaura uma Comisión de la Verdad y Reconciliación que fica encarregada de investigar os crimes ocorridos durante este período do conflito armado. Estima-se que foram mais de 70 mil as vítimas do conflito, sendo a maioria deles civis.

Hoje em dia é um país que se encontra num momento de reconstrução social, ainda com uma grande desigualdade e com pouco incentivo econômico para as artes.

A respeito da formação de atores, o Peru conta com várias universidades públicas que ministram o curso de Artes Cênicas ou Artes Dramáticas, assim como escolas particulares como a Pontificia Universidad Católica de Perú, ou ainda cursos oferecidos por grupos independentes. Porém, a escola mais reconhecida por sua trajetória é a Escuela Nacional Superior de Arte Dramático (ENSAD), fundada em Lima em 1946.

O país tem um amplo movimento de teatro popular e tem se caracterizado por manter espaços de formação não institucionalizados como oficinas e encontros. Existem também grupos de grande trajetória, como Cuatro Tablas, dirigido por Mario Delgado, fundado no mesmo ano que Yuyachkani, em 1971 e que tradicionalmente tem se ocupado de manter espaços de discussão e trans-formação para os teatreros latino-americanos.

50 3.2.3 Origens: Estoy pensando, estoy recordando

Yuyachkani significa em quéchua estou pensando, estou recordando. Seu nome diz respeito à temática mais importante resgatada pelo grupo, a memória.

Seguindo essa tradição procurei achar nas memórias dos integrantes a história do grupo, os processos e etapas vividas e junto com minha própria memória e experiência vivida com eles reconstruo uma nova leitura.

Antes de Yuyachkani existir, alguns de seus atuais membros, como foi o caso de Miguel Rubio Zapata (atual diretor) e Teresa Ralli pertenciam a um grupo de teatro no ensino médio. O professor encarregado era um homem engajado que queria sair das margens do teatro estabelecido. Com ele aprenderam o que se poderia dizer, suas primeiras letras. No grupo não só encenavam peças, como também assistiam cinema de arte, liam textos de diferentes áreas e discutiam política. A temática tratada estava voltada ao conflito geracional.

Uma vez concluído o Ensino Médio, o grupo foi transferido para a casa do professor. Começam a fazer trabalhos na direção do que seria posteriormente chamado de Criação Coletiva. Percebem que o tema geracional não é tão importante e sim o era o tema social, a luta de classes e os conflitos políticos. Nesse momento há uma ruptura, já que alguns dos membros não queriam entrar no tema político por medo à repressão existente.

Levando com eles a prática do trabalho coletivo, alguns dos membros se separam e fundam Yuyachkani em julho de 1971. Como Zapata (entrevista – 2010)32 aponta, a formação que

eles queriam, era uma formação para poder fazer do teatro um instrumento de luta, e isso não se encontrava , naquele momento, nas escolas de teatro.

Acho interessante como esta espécie de formação autodidata e alternativa está em contraposição à formação tradicional desde sua origem e não tinha somente uma implicância com os textos. Porque não existiam textos que nos servissem como estímulo para o que queríamos fazer, senão que tecnicamente, formativamente, tampouco correspondia. Porque sentíamos que nosso cenário seriam as ruas, as praças e até os ônibus. Nossos temas estariam relacionados com documentar e comentar o momento, o imediato,

51 então os pontos de partida eram totalmente diferentes.33(ZAPATA, entrevista

– 2010)

A forma como os atores chegaram no teatro foi fundamental para o que seria o grupo posteriormente, marcado pelo fazer, pela prática. Teresa (entrevista – 2010)34 comenta: “não

entrei no teatro pela literatura teatral nem por assistir teatro, eu nunca tinha assistido e estava fazendo-o.”35

Nesse momento eles tomaram como base os escritos do mestre alemão Bertolt Brecht. Concluindo que era importante a razão e que cada projeto precisava ser feito com uma ideia muito clara do que queria ser dito, o resto era completamente intuitivo.