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O Estado do Rio Grande do Norte contempla em sua história relatos sobre a incidência de terremotos em várias de suas cidades, existindo, porém, regiões onde se registra o fenômeno com mais frequência. A causa desses terremotos é devida falhas geológicas que se formaram no interior da placa tectônica.

O fator geológico que vem desencadeando os eventos sísmicos do município de João Câmara é a Falha Sísmica da Samambaia (FSS). Essa falha é a representante mais destacada no cenário de estruturas tectonicamente ativas na borda da Bacia Potiguar, durante o

Fig. 8: Mapa do Estado do Rio Grande do Norte. Em destaque, João Câmara (vermelho). FONTE: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:RioGrandedoNorte_M unicip_JoaoCamara.svg> Acesso em 16 de maio de 2012.

40 Holoceno14. Esta falha neotectônica é evidenciada pelo registro de sismos numa faixa a leste da cidade de João Câmara (RN), e pela associação com estruturas observadas no litoral, ao longo da projeção norte da FSS, entre São Miguel do Gostoso e Touros (RN). Os focos sísmicos se estendem desde o embasamento cristalino a sul, até as coberturas cretáceo- cenozóicas15 da Bacia Potiguar (CRUZ, 2001).

Nesse contexto, os terremotos se tornaram indissociáveis do cotidiano e da história da sociedade local. Sabe-se que as explicações científicas para o fenômeno são mais recentes do que a história desses municípios e, com o passar dos anos, surgiram explicações alternativas no sentido de não serem fundamentadas em algum modelo científico, explicações não científicas. Tais fenômenos se intensificaram na década de 1980 levando ao envolvimento do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Um grupo de professores de geofísica se deslocou para aquela região e passou a desenvolver um trabalho contínuo de acompanhamento e pesquisa do fenômeno.

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Holoceno: é a época do período Quaternário da era Cenozoica do éon Fanerozoico que se iniciou há cerca de 11,5 mil anos e se estende até o presente.

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Cretáceo-cenozóicos: são peíodos era Mesozoica do éon Fanerozoico que estão compreendidos entre 145 milhões e 500 mil e 65 milhões e 500 mil anos atrás, o cretáceo, e 65 milhões e 500 mil anos até os dias atuais, o cenozóico.

FIG. 9: imagem de um jornal noticiando os abalos ocorridos em João Câmara, em 1986. FONTE: <http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=17563> Acesso em 17 de maio de 2012.

41 Lá, os cientistas, instalaram sismômetros e começou o desenvolvimento de uma forte interação com uma parcela da sociedade local discutindo com ela a natureza do fenômeno. Era a primeira vez em que uma pesquisa científica realizada pelo DFTE envolvia a sociedade civil tanto localmente como em nível regional por meio da interação com os veículos de comunicações existentes na época no estado do Rio Grande do Norte.

Em 1986, a população local esteve durante todo o ano sujeita a uma sequência de pequenos sismos. Esse fenômeno, até então pouco estudado no território nacional, serviu como um laboratório para que se ampliasse a pesquisa nessa área, gerando, nos dias 10 e 11 de novembro, no estado do Rio de Janeiro, um encontro de pesquisadores da área de

sismologia, intitulado “Simpósio sobre a Sismicidade Atual em João Câmara, RN”. No

prefácio do documento gerado por esse encontro, destaca-se que o mesmo foi realizado.

[...] com a finalidade de investigar as características e as possíveis causas da atividade sísmica em João Câmara e dar todo o apoio à população local, a fim de minorar as consequências da calamidade, o ON [Observatório Nacional] organizou um Simpósio sobre a sismicidade atual em João Câmara, congregando os especialistas brasileiros em sismologia e representantes da Defesa Civil [...].

O encontro precedeu em 20 dias um abalo de 5,1 graus na escala Richter, que ficou conhecido posteriormente como o “grande abalo” e mudaria significativamente a rotina daquela população.

Esse evento gerou pânico a população camarense16 levando muitos moradores a se evadirem da cidade com medo que ocorresse uma catástrofe ainda maior. Essa passagem marcante da história da cidade é narrada pelo Monsenhor Lucena, pároco da igreja matriz da região:

“eu dizia não saia ninguém, mas apesar disso saíram doze mil, vinte e dois

mil que tinham aqui na época, saíram doze mil. Da madrugada até doze horas do dia, saíram doze mil pessoas17.”

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Camarense: nome dado ao indivíduo natural de João Câmara (RN).

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42 Nessa passagem, o religioso busca destacar quantitativamente a fuga da população da região, trazendo em detalhes o horário e a estimativa referente ao número de pessoas que abandonaram a cidade.

Alguns elementos da paisagem natural local ajudaram na formulação das explicações míticas para o fenômeno. O Torreão (Fig. 10), uma elevação montanhosa que, combinado com a existência de rios subterrâneos que atravessam a região, levou ao imaginário da população a ideia de que havia uma baleia que se deslocava por essas águas e morava no Torreão. A partir dessa concepção, a força que provocava os terremotos locais advinha de movimentos realizados por essa baleia.

Assim como foi destacado na apresentação desta dissertação, sabe-se que essa relação entre terremotos e o movimento de uma baleia que vive em um rio subterrâneo, incutida no imaginário da população de João Câmara, aparece, também, em outras cidades sujeitas a terremotos no Nordeste brasileiro.