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TERREMOTOS NA REGIÃO DE JOÃO CÂMARA: PRIMEIROS RELATOS

Sob o ponto de vista da população, os relatos sobre terremotos na região são passados através de histórias contadas entre gerações. Segundo o Monsenhor os relatos são de 1904:

“Os primeiros relatos que eu tenho conhecimento são de 1904. Ali no torreão eu tomei conhecimento dos tremores.”

Sabe-se ainda através dessas histórias que houve a ocorrência de um abalo significativo na região na década de 1950. Segundo Seu Abel, somente no ano de 1952 aconteceu um grande terremoto:

“Bem, eles contavam que havia esses abalos, mas foi em 52 que houve um abalo grande, foi o que eu alcancei. Pra trás eles falavam, mas eu não lembro bem não.”

Para o Mons. Lucena, na referida década:

“Não era novidade. Em 58 ou 59 quando eu cheguei aqui ocorriam muitos abalos, mas a gente não tinha como saber qual era a magnitude dos abalos.”

Antes da chegada do grupo de pesquisadores na região de João Câmara em 1986 existiam explicações alternativas para os terremotos que ocorriam na região há décadas. Essas explicações podem ser divididas em três grupos: as explicações míticas, as religiosas e as científicas. Algumas dessas explicações tinham o caráter não científico. Sobre essas explicações o Mons. Lucena destaca que:

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“Havia uma história que aqui tinha um rio caudaloso debaixo da terra. Não tem isso, mas tem parecido por que essa água que aflora ali em Pureza, essa água vem lá do Maranhão e na gruta lá no Ceará é a mesma água daqui, vem sair aqui. Tem alguma coisa parecida né! Mas não é nada de rio caudaloso.”

Para o Prof. Dr. Joaquim Ferreira:

“Eu já tinha experiência de campo nessa área. Bom, eu sabia mais ou menos como que a população iria reagir, tinha lido já alguma coisa, então [houve] uma brincadeira que eu fiz com Avelone e com Hilario, falei que: - Vai ter gente que vai falar que o “Cão” é o responsável! Eles deram risada de mim e falaram que: - Não, você está brincando. E nós saímos passando os questionários sísmicos com a população e conversando com a população, deixando as pessoas expressarem livremente o que achavam. Então apareceu de tudo. Apareceu que os americanos amarraram um dragão lá no Torreão, outro que era o Cão, outro [dizia que] uma baleia entrou pelo rio Ceará-mirim adentro e se infiltrou embaixo do Torreão e que essa baleia quando se mexia para escapar [gerava] o tremor de terra, inclusive a área principal [da pesquisa] era o Torreão. Para a população o foco das atividades sísmicas era o Torreão. Isso era a primeira coisa. Na concepção deles era isso que acontecia.”.

Ainda acerca das explicações não científicas, o Prof. Dr. Mario Takeya relata que:

“Vinha uma como uma mistura, muita gente vinha com explicações místicas, principalmente, aquela da baleia que está enterrada no chão, num rio que passa por baixo, por que naquela região, Pureza, por exemplo, tem aquelas fontes de água. Então eles associam àquelas fontes de água com um rio que passa por aquela região. Então haveria alguma coisa se movendo também com o chão, essa era a explicação mais corrente. Uma coisa que deveria está lá em baixo se mexendo. Outros falavam de castigo de Deus. Mas, isso ocorria quando havia muito desespero. Assustava muito – É o fim do mundo!”

50 Além dessas concepções não científicas havia um estudo, realizado por um geólogo e divulgado na década de 1950 que a causa para os abalos na região de João Câmara era a queda de cavernas. Sobre essa informação, o Prof. Dr. Mario Takeya relata que:

“Ele [o geólogo] estava atribuindo a causa dos tremores ao desabamento de cavernas calcárias, que havia na região e ele atribuía a causa dos tremores a isso, o desabamento de cavernas.”

Sobre o estudo realizado por esse geólogo o Prof. Dr. Joaquim Ferreira destaca que:

“A primeira explicação que existia era um famoso relatório de 1954 feito por um Geólogo famoso que dizia quando a população fugiu que os abalos eram provocados por quedas de cavernas de calcário, então além do mito existia essa explicação científica e não era só esse Geólogo, no início os Geólogos aqui da UFRN também atribuíam a queda de cavernas a ocorrência dos abalos. A explicação era essa. Não existia tremor de natureza tectônica. Eram tremores do tipo colapso de cavernas de calcário.”

Com isso, os pesquisadores que foram trabalhar na região tinham, além das pesquisas, a tarefa de esclarecer quais os reais motivos para os tremores, levando em consideração que a população estava apavorada, inclusive muitos já haviam abandonado a cidade. Desde a sequência de sismos sentidos pela população em agosto de 1986, boa parte da população optou por deixar a cidade. Sobre a fuga da população de João Câmara, Mons. Lucena explica:

“Eu dizia não saia ninguém, mas apesar disso saíram doze mil, vinte e dois mil que tinham aqui na época, saíram doze mil. Da madrugada até doze horas da noite, saíram doze mil pessoas. Eu dizia não saiam.”

Segundo o Prof. Dr. Joaquim Ferreira:

“Esse tremor grande aconteceu depois de um tempo de calmaria, mas antes uma parte da população já tinha fugido em agosto, depois diminuiu a atividade sísmica. Teve gente que estava dizendo que aquilo já ia acabar. Quando chega no dia 30 de

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novembro a atividade de repente aumenta e deu esse tremor de magnitude 5,1, com isso a cidade teve o abandono.”

O Sr. José Ribamar destaca que a cidade ficou praticamente deserta.

“Mesmo com todo esforço que foi feito para atender a população houve momentos que a cidade ficou praticamente deserta. Quase toda população abandonou a cidade. A gente mantinha na cidade permanentemente um sistema de segurança que era composto pela Guarda Municipal, que eu havia criado no ano anterior, pela Polícia Militar, pelo Corpo de Bombeiros e por voluntários da defesa civil, que nós nos reversávamos permanentemente todos os dias da semana para vigiar a cidade. A cidade foi bastante vigiada e praticamente não aconteceu assalto nesse período por que apesar de muitas casas fechadas, havia uma segurança permanente na cidade. Isso foi muito importante por que esperávamos que como muita gente abandonasse a cidade, nós tivéssemos um número de assaltos muito grande nessas residências e isso não aconteceu.”

Observa-se que os relatos sobre terremotos na região evidenciam que o fenômeno fazem parte da vida dessas pessoas desde sempre. Entre os entrevistados têm-se relatos de terremotos na região desde o início do século XX. Contudo, sob o ponto de vista científico, os terremotos da região passaram a fazer parte do conhecimento das pessoas somente a partir da década de 1980, devido a dois fatores: a intensificação do fenômeno na segunda metade desta década e o aumento significativo do número de pesquisadores e equipamentos para a realização dos estudos necessários sobre o fenômeno.

3.7. A CHEGADA E O TRABALHO DOS PESQUISADORES NA REGIÃO DE