• Nenhum resultado encontrado

CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA

Como já vimos, a Educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem sua origem a partir da década de 1980, período em que ocorreram as

primeiras ocupações de terra no país. A preocupação com a educação constitui uma questão central para os integrantes do Movimento. As famílias dos Sem Terra, desde o início, desenvolveram ações no sentido de criar escolas para seus filhos. A origem do MST está relacionada com a realidade econômica, política e social brasileira, assim como carrega e sintetiza, a seu modo, características das principais forças em luta que atuaram para sua criação, com destaque para os setores progressistas da Igreja Católica e o “novo sindicalismo”. Sua emergência “naquele momento histórico também é atribuída a outras causas, dentre elas o fim da ditadura militar; o desemprego e a miséria no campo, gerados pela modernização conservadora da agricultura; e a própria constituição da Comissão Pastoral da Terra, a CPT” (DALMAGRO, 2010, p. 112).

Na gênese do MST estão as marcas da cultura camponesa e religiosa, que se rearticulam também vinculadas à cultura da luta social. Nesse sentido, o MST surge como herdeiro das lutas camponesas que o antecederam, de onde o Movimento extraiu princípios organizativos como a direção coletiva, a divisão de tarefas, a disciplina, o estudo, a luta de massas e a vinculação com a base. O MST define-se como um movimento social de “caráter popular, sindical e político”. Desde sua fundação, expressa três grandes objetivos: “a luta pela terra, por Reforma Agrária e por uma sociedade justa”.

A articulação para a sistematização da Proposta de Educação do MST/ES emerge da necessidade de aprofundar e avaliar a práxis dessas escolas de Assentamentos/Acampamentos, no sentido de resssignificá-la com base nos princípios filosóficos e pedagógicos da educação no MST. Esses princípios são norteadores do processo educativo do Movimento desde o início de sua existência. De acordo com sua Proposta Educativa, os princípios filosóficoscos do MST (1996) são: a) Educação para a transformação social, b) Educação para a cooperação, c) Educação voltada às várias dimensões da pessoa humana, d) Educação com valores humanistas e socialistas, e) Educação, formação e transformação do ser humano.

Esses princípios filosóficos norteiam a educação no/do Movimento, acompanhada dos seguntes princípios pedagógicos: a) relação teoria/prática; b) A realidade como base de produção dos conhecimentos; c) Atitudes e habilidades de pesquisa; d)

Conteúdos formativos socialmente úteis; e) Educação par e pelo trabalho; f) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; g) Vínculo orgânico entre

educação e cultura; h) Gestão democrática; i) Auto-organização dos

educando/educandas e coletivo de educadores/educadoras; e j) combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.

Nessa perspectiva, no início do ano de 2012, o Setor de Educação retomou essa reflexão e no coletivo foi definido uma equipe composta por membros do próprio Setor, da Superintendência Regional de Educação de São Mateus e da equipe de Educação do Campo da SEDU, que ficou responsável por coordenar o processo de reconstrução das Diretrizes das Escolas de Assentamentos MST/ES. Após várias reuniões, estudo, releituras e sistematização do fazer político-pedagógico, percebemos que seria importante ampliar o grupo para aprofundar as discussões e tornar mais democrática a construção desse documento, tendo em vista a importância de esse trabalho ser construido pelos próprios sujeitos, buscando estabelecer uma relação com os princípios da educação no/do MST.

Nessa dinâmica, a equipe de trabalho das Diretrizes juntamente com o Setor de Educação discutiu a necessidade de envolver os demais protagonistas nesse diálogo. Após questionamentos, o coletivo do Setor de Educaçãos MST/ES

apresentou como encaminhamentos: o envolvimento dos

coordenadores/coordenadoras e Setor de Educação na referida equipe de trabalho, estudo do texto inicial nas equipes de educadores/educadoras para que os sujeitos Sem Terra pudessem fortalecer o debate e o processo de sistematização das Diretrizes, na perspectiva de provocar uma reflexão frente aos limites, avanços e desafios de nossa prática político-pedagógica, bem como mergulhar no texto e fazer análises – que possibilitem a esses sujeitos se reconhecerem ou não – fazer alterações, contribuindo, assim, com a reconstrução desse documento.

Outra proposta discutida e definida como meta do Setor de Educação foi a realização do I Seminário do Setor de Educação – MST/ES, com o tema: Diretrizes das Escolas de Assentamentos e Acampamentos – MST/ES, com o objetivo de ampliar o debate sobre o Projeto de Educação desenvolvido em Escolas de Assentamentos/Acampamentos coordenadas pelo MST/ES e, após discussão, análise e aprovação do referido documento, foi encaminhado ao Conselho Estadual de Educação para aprovação.

O Seminário foi realizado no dia 25 de maio de 2013, das 09h30min às 15h40min, no Assentamento Zumbi dos Palmares, em São Mateus – ES. Contamos com a participação de pais/mães, educadores/educadoras, Setor de Educação MST/ES, coordenadores/ coordenadoras de escolas de Assentamentos, dirigentes estaduais e regionais, educandos/educandas, representantes de Conselhos de escolas de Assentamentos, Comitê Estadual de Educação do Campo - SEDU/Subsecretaria de Educação Básica – Gerência de Educação, Juventude e Diversidade, representante do Comitê Municipal de Educação do Campo de São Mateus – integrante da Secretaria Municipal de Educação, do respectivo município e convidados como Maria Zelinda Gusson – militante fundadora do Setor de Educação MST/ES, Eldebrando – assentado e Secretário da Agricultura do município de Pedro Canário, totalizando 54 participantes.

EMEIF “Zumbi dos Palmares” – São Mateus/ES

Figura 06 - I Seminário do Setor de Educação – MST/ES Foto: Dalva Mendes de França, maio de 2013

Nesse Seminário, Zelinda (uma das pioneiras da educação no/do MST no ES), resgata o processo de luta do Movimento no âmbito educacional. Orienta, ainda, os próximos passos para a aprovação das Diretrizes das Escolas de Assentamentos e Acampamentos do MST/ES.

Quando eu estava trabalhando no Assentamento Jundiá [há mais de 20 anos], só tinha alfabetização [...] O Movimento... , é a gente tinha muita produção a partir do que a gente fez: das assembleias, da formação. Havia professores que não tinham nem Ensino Médio, que tinha a 4ª série e estava trabalhando, com as crianças da 4ª série [...]. Então a gente tinha

tudo espalhado [documentos produzidos com os

trabalhadores/trabalhadoras, relatórios de assembleias, reuniões com a SEDU e Conselho Estadual de Educação] [...]. Com muita luta, passaram 10 anos, e a gente começou a escrever essa experiência no papel, então eu e

Magnólia, e mais umas quatro pessoas fomos ao Conselho Estadual de Educação, de novo, [...] então, eles deram dez anos de prazo, acredito que eles devem ter pensado: “coitados vou dar dez anos de sofrimento e daqui dez anos já acabou tudo [...] então retornamos para a base e fizemos mais assembleias, reuniões. Nós chegamos então aqui vivos, e, com garra para continuar lutando, [...]. Eu queria agradecer pelo convite e dizer que estou muito contente de ver que o [a educação no MST cresceu] vocês [os educadores/educadoras] cresceram muito, muito mesmo. Agora, não venham dizer que os meninos que estudam em Assentamento não sabem nada. Minha filha estuda em uma escola na cidade, e, é uma difereça muito grande, eu não conseguia entender, não consiguia acompanhar a educação de minha filha. Estudar em uma escola oficial tem uma diferença muito grande. Eu acho que o trabalho de vocês está muito bonito, fico muito feliz em ver como vocês cresceram muito, o processo foi muito lento nos dez primeiros anos. Vocês cresceram muito através da formação, do estudo. Outra coisa, esse documento não vai ser assim fácil de ser aprovado no Conselho não, teria que ir lá e discutir [...] temos que marcar e ir lá discutir com eles, com a equipe deles como a gente fazia, porque senão, vão engavetar! (Maria Zelinda Gusson, maio de 2013).

Em depoimento, Ireneu encerra o Seminário destacando a importância do processo de consolidação coletiva das Diretrizes para a educação no Espírito Santo:

Neste momento, estamos aprovando as Diretrizes, então, elas foram construídas e é preciso agora que elas de fato cheguem nas bases dos Assentamentos. E que os educadores e as educadoras se apropriem de toda essa construção extremamente coletiva. E para nós, de certa forma, extremamente avançada também. Eu acredito que ela vai trazer propostas inovadoras para o Espírito Santo, e é algo que temos que acreditar e trabalhar para que de fato ela seja concretizada nas escolas (Ireneu Gonçalves Pereira, maio de 2013).

Nesse processo de construção das Diretrizes, a Educação no/do MST/ES vivenciou um momento importante de re-elaboração do Projeto de Educação das Escolas de Assentamentos/Acampamentos. Compreendemos que mesmo diante de muitos desafios, o MST prossegue a caminhada, ousando quebrar o monopólio da palavra que os dominadores detêm. Ousamos expressar a nossa palavra – os anseios e desafios dos sujeitos Sem Terra – pois, “nessa situação, os dominados, para dizerem a sua palavra, têm que lutar para tomá-la dos que a detêm e a recusam aos demais é um difícil, mas imprescindível aprendizado – é a pedagogia do oprimido” (FREIRE, 2005, p. 22).

4.2 MARCOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO E A LUTA DO MST: