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3. Políticas Públicas para Juventude

3.1. Contextualização do tema Juventude no Brasil

Segundo Abramo (2003), até meados dos anos 1960, a visibilidade do tema juventude no Brasil ficou restrita aos jovens estudantes de classe média, tidos como politizados. O debate sobre o tema juventude girava em torno do papel que os jovens engajados – leia-se movimentos estudantis, jovens da contracultura e jovens militantes de partidos políticos de esquerda – exerciam na continuidade ou enfrentamento do sistema capitalista.

Após a década de 1980, o foco da preocupação, para uma parcela da sociedade civil, centrou-se na questão das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. A defesa destes segmentos mostrava-se na luta pela institucionalização dos direitos, que culminou no Estatuto da Criança e Adolescente em 1990. Esta preocupação com os direitos

sociais das crianças e adolescentes concentrou esforços dos atores em detrimento ao tema da juventude, fazendo com que este termo por muito tempo se referisse ao período da adolescência, isto é, até os 18 anos. Os jovens, como categoria que conhecemos hoje, ficaram de fora do escopo das ações e do debate sobre direitos e cidadania (ABRAMO, 2003).

A visão de que a palavra juventude poderia ir além da adolescência em risco e além dos setores de classe média é mais recente. Esse movimento iniciou na década de 1990. Em certa medida, com a ampliação da preocupação vigente com a adolescência em risco iniciou- se uma inquietação com os jovens após eles passarem da idade formal da adolescência, isto é, dos 18 anos. Sposito e Carrano (2003) e Abramo (2003) defendem a hipótese de que o debate acerca da juventude ganhou maior peso e visibilidade pública na medida em que se destacou do campo específico da luta pelos direitos da criança e adolescente.

O conjunto de movimentos sociais, pesquisadores, ativistas, ONGs e militantes que lutaram pela implantação do ECA era de uma tradição de luta por ampliação dos direitos sociais, de reivindicação por novas institucionalidades. Na medida em que surgiu a necessidade de se ampliar o debate acerca de um segmento vulnerável, com suas próprias especificidades, suas próprias demandas e que incluía maiores de 18 anos, abriu-se caminho para discutir a(s) juventude(s) fora do eixo do debate da criança e adolescente.

A descoberta de novos atores juvenis por grande parte dos setores populares que vieram a público, sobretudo por meios ligados a um estilo cultural próprio, passou a pautar temas inéditos (ABRAMO, 2010). Segundo Abramo19, o movimento Hip Hop contribuiu fortemente na medida em que colocou assuntos até então “invisíveis” na ordem do debate do dia20.

Sposito e Carrano (2003) expõem as questões e problemáticas inseridas no campo da juventude, nos discursos e práticas dos atores sociais. A juventude era vista por certos grupos da sociedade como caso de polícia, em que o problema da “delinquência juvenil” era o elemento central da defesa de uma agenda de programas para a juventude. Ademais, havia

19 Helena Abramo concedeu entrevista a este pesquisador no dia 12 de novembro de 2010.

20 O caso mais exemplar foi o grupo Racionais MCs na década de 1990. Um grupo de Rap comandado por Mano Brow que expunha as mazelas sociais, bem como a exploração que os pobres sofriam nas periferias das grandes cidades, denunciando a situação da juventude pobre e negra. Helena Abramo, expôs isto de forma clara na entrevista a este pesquisador, da importância dos grupos de Hip Hop para “visibilizar” o tema juventude. Ainda segundo ela, em 1998, na eleição presidencial, houve um encontro entre vários grupos e lideranças do Hip Hop com o então candidato Lula e seus assessores José Genoíno e Zé Dirceu para pautar os temas que consideravam relevante no programa de governo. Apesar deste pesquisador não possuir atas ou registros de tal momento, optou-se por expor isto para mostrar como os grupos já se movimentavam no campo discursivo, segundo Fuks, para sensibilizar outros atores para a importância da sua reivindicação.

também a visão de que os jovens deveriam ser qualificados para o mercado de trabalho, dada sua crescente participação proporcional na sociedade brasileira. Existia uma clara disputa de direcionamento no campo da sociedade civil sobre a forma como o tema da juventude deveria ser pautado.

Viver-se a simultaneidade de tempos no debate sobre a juventude, o que faz a convivência, muitas vezes dentro de um mesmo aparelho de Estado, de orientações tais como as dirigidas ao controle social do tempo juvenil, à formação de mão-de- obra e também as que aspiram à realização dos jovens como sujeitos de direitos. No que pese o maior ou o menor predomínio de determinada tendência ao longo da história, algumas formulações em torno dos segmentos juvenis e da juventude têm sido mais fortemente reiteradas nos últimos anos. Os jovens ora são vistos como problemas ou como setores que precisam ser objeto de atenção. Manter a paz social ou preservar a juventude? Controlar a ameaça que os segmentos juvenis oferecem ou considerá-los como seres em formação ameaçados pela sociedade e seus problemas? (ibidem, p. 19).

Ainda na década de 1990, em paralelo aos discursos proferidos e disputados no campo da sociedade civil, o tema da juventude começou a ganhar espaços nos governos. Problemas reais, identificados sobretudo na área de segurança pública, saúde, trabalho e emprego e educação, conferem materialidade ao tema para formular políticas públicas. Sposito e Carrano (2003) 21 afirmam que as formulações das políticas continham nas estratégias elementos de enfrentamento dos “problemas da juventude”, por exemplo, nos programas esportivos, culturais e de trabalho orientados para o controle social do tempo livre dos jovens, direcionados aos jovens moradores das periferias dos grandes centros urbanos.

No período do primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995- 1999) foram criados seis programas voltados para a juventude, entre 1999 e 2002 ocorreram 18 programas. Isto significa que o tema cresceu muito em importância para o governo, ainda que tenha ocorrido de forma muito fragmentada setorialmente, não havendo uma articulação institucional e pouca consistência conceitual e programática (SPOSITO e CARRANO, 2003).

Nos municípios iniciaram-se o surgimento de órgãos governamentais – coordenadorias ou secretarias – incumbidos de articular ações e estabelecer parcerias com a sociedade civil, tendo em vista a implantação de programas e projetos para os jovens, alguns financiados pela

21 Sposito, Marilia Pontes; Carrano, Paulo Cézar R. Juventude políticas públicas no Brasil. In: LEÓN, Oscar D. (Ed). Políticas Públicas de juventude na América Latina: políticas nacionais. CIDPA, 2003. Este artigo faz um balanço das políticas públicas, programas e/ou ações para juventude nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso.

esfera federal. Conforme aponta Fuks (2000), a criação de órgãos governamentais retroalimenta a atenção pública concedida a um determinado tema, haja vista que já há um canal institucional direcionado ao problema e pronto para receber as demandas.

Frequentemente, a criação de novos órgãos estatais antecede a atenção pública em relação a certos assuntos sendo, inclusive, responsável pelo fomento de novas demandas sociais. Ou seja, a existência de agências governamentais dedicadas à solução de um determinado problema social incentiva a formulação e o encaminhamento de demandas sociais difusas em termos adequados ao perfil do problema tal como definido institucionalmente (FUKS, 1996 apud FUKS, 2000). O debate sobre juventude acentuou-se na sociedade no início da década de 2000, envolvendo uma miríade de atores, de âmbitos distintos, em diferentes arenas públicas: gestores locais buscaram se articular e aumentar sua força política e orçamentária; entidades da sociedade civil aumentaram seu escopo sobre a visão de juventude; fundações empresariais e agências de cooperação internacional passaram a financiar projetos de apoio aos jovens; proliferaram-se núcleos acadêmicos e instituições de pesquisa ligadas à ONU com o tema