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Contextualização histórica do empreendedorismo

Na busca pelo entendimento de um determinado fenômeno, muitos são os caminhos que podem ser percorridos até chegarmos a um conceito, e não foi diferente com a origem do termo ‘empreendedor’. Buscamos a raiz da palavra ‘empreendedor’, que vem do latim imprendere e significa “decidir realizar tarefa difícil e laboriosa”. No francês, a partir da mesma raiz denominou-se entrependre (empreender), com o mesmo sentido, na língua inglesa, da palavra entrepreneur (empreendedor) e entrepreneurship (empreendedorismo), que surgiu na língua portuguesa no século XV (MELO NETO; FRÓES, 2002; HISRICH; PETERS, 2004).

Nas ciências econômicas, o conceito de empreendedorismo vem de uma corrente de economistas que, ao refletirem sobre os ciclos do desenvolvimento econômico, trouxeram valiosas contribuições para entendermos as características do empreendedorismo nos negócios (CANTILLON, 1996; SAY, 1983; SCHUMPETER, 1982; DRUCKER, 2003).

Foi o estudioso econômico Richard Cantillon quem utilizou pela primeira vez na teoria econômica o termo francês entreprendre, isso ocorreu na França do século XVIII, na obra ‘Ensayo sobre la naturaleza del comercio em general’. O termo fazia referência a pessoas que

compravam matérias-primas e as vendiam a terceiros, criando oportunidades de negócios e assumindo riscos (CANTILLON, 1996; HÉRBERT; LINK, 1989).

Para Cantillon (1996, p. 41),

Estos empresários son lós comerciantes, al por mayor, de Lana y cereales, lós panaderos, carniceros, artesanos y mercaderes de toda espécie que compram artículos alimentícios y matérias primas del campo, para elaborarlos y revenderlos graduamente, a medida que lós habitantes lós necessitan. Ao estudar como as riquezas se formam, distribuem-se e são consumidas, Say (1983) assume que o desenvolvimento econômico é resultado da criação de novos empreendimentos e da capacidade de gerenciamento. Considera que a indústria, para obter qualquer produto, realiza três operações a partir do trabalho sistematizado: os cientistas seriam responsáveis em estudar o curso e as leis da natureza; os agricultores, também denominados comerciantes que conheciam a técnica, deveriam criar produtos que fossem úteis à sociedade; e os operários realizariam as atividades definidas pelos cientistas e comerciantes.

A ideia que Say (1983) tem do empreendedor designa que o empresário, ao inovar, estabelece mudanças, desenvolve os meios para colocar as ideias e os conhecimentos em prática e reúne os capitais e as pessoas necessárias para execução das operações, a quem atribui funções. Nesse sentido, ele faz uma distinção entre o empresário e o capitalista.

A maior importância atribuida ao empresário evidencia-se ao reiterar a facilidade de difusão do conhecimento, “o que não acontece com a arte de aplicar os conhecimentos do homem a suas necessidades, nem com o talento da execução. Essas qualidades só beneficiam aos que as possuem” (SAY, 1983, p. 87) ao suceder o talento para inovar uma marca do empreendedorismo, que foi destacada pelos economistas Richard Cantillon e Jean-Baptiste Say, influenciando toda a teoria sobre o empreendedor e o empreendedorismo a que se tem acesso hoje (DAVID, 2004; COSTA; BARROS; CARVALHO, 2011).

No século XX, Schumpeter (1982) tornou-se a maior referência moderna ao estudo do empreendedorismo, ao afirmar na sua obra ‘A teoria do desenvolvimento econômico’ que o principal aspecto do desenvolvimento econômico é o “empreendimento dado à condição de realizar combinações novas”, (p. 54), decorrente da sua capacidade de inovação, que na prática só é possível quando evidenciamos que “o comando sobre os meios de produção é necessário para a realização de novas combinações” (p. 50), num processo que denominou destruição criativa (DRUCKER, 2003; DORNELAS, 2007).

Diante da afirmação da necessidade de comando, Schumpeter (1982) afirma que existem indivíduos ou grupos denominados empresários envolvidos no processo que desencadeia as novas combinações e a quem compete, no exercício da função, torná-las reais.

São novas combinações:

1) Introdução de um novo bem, ou seja, um bem com que os consumidores ainda não estejam familiarizados – ou de uma nova qualidade de um bem. 2) Introdução de um novo método de produção, ou seja, um método que ainda não tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria de transformação, que de modo algum precisa ser baseado numa descoberta cientificamente nova, e pode consistir também em nova maneira de manejar comercialmente uma mercadoria. 3) Abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o ramo particular da indústria de transformação do país em questão não tenha ainda entrado, quer esse mercado tenha existido antes ou não. 4) Conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, mais uma vez independente do fato de que essas fontes já existiam ou tiveram que ser criadas. 5) Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de uma posição de monopólio ou a fragmentação de uma posição de monopólio (SCHUMPETER, 1982, p. 48 e 49).

Salienta, ainda, que “as novas combinações, via de regra, estão corporificadas, por assim dizer, em empresas novas que geralmente não surgem das antigas” (SCHUMPETER, 1982, p. 50). Portanto, as condições históricas podem determinar o surgimento de novos empreendimentos e, por consequência, novos empresários, sendo o idealizador das combinações denominado empresário. Para Say, (1983, p. 85) “A língua italiana, sob esse aspecto, muito mais rica do que a inglesa, possui quatro palavras para designar o que entendemos por empresário [...] imprenditores, impresario, intraprenditore, intraprensore”.

[...] chamamos ‘empresários’ não apenas aos homens de negócios ‘independentes’ em uma economia de troca, que de modo geral são assim designados, mas todos que de fato preencham a função pela qual definimos o conceito, mesmo que sejam, como está se tornando regra, empregados ‘dependentes’ de uma companhia, como gerentes, membros da diretoria [...] Como a realização de combinações novas é o que constitui o empresário, não é necessário que ele esteja permanentemente vinculado a uma empresa individual (SCHUMPETER, 1982, p. 54).

Para Filion (1999, p. 19)

O empreendedor é uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos e que mantém alto nível de consciência do ambiente em que vive, usando-a para detectar oportunidades de negócios. Um empreendedor que continua a aprender a respeito de possíveis oportunidades de negócios e a tomar decisões moderadamente arriscadas que objetivam a inovação continuará a desempenhar um papel empreendedor.

Mesmo ao ter registrado como alicerce as obras de Say (1983), Schumpeter (1982) é quem de fato estabeleceu a ideia de inovação como marca no processo empreendedor. Pela força inovadora, o empreendedorismo trouxe algo ‘novo’, com atribuição de valor e de criatividade dada a sua utilidade à sociedade e, mesmo em um ambiente de riscos relacionados aos aspectos financeiros, psicológicos e sociais, ele é ainda capaz de gerar riqueza. Diante do exposto, sabemos que esse é indicativo de sucesso do empreendedor (DRUCKER, 2003; DORNELAS, 2007).

Hisrich e Peters (2004, p. 29) ainda afirmam que:

De fato, a inovação, o ato de lançar algo novo, é uma das mais difíceis tarefas do empreendedor. Exige não só a capacidade de criar e conceitualizar, mas também a capacidade de entender todas as forças em funcionamento no ambiente. A novidade pode ser desde um novo produto e um novo sistema de distribuição, até um método para desenvolver uma nova estrutura organizacional.

Em complemento, Pinchott III (1989, p. 9) reitera que:

Inovação não quer dizer invenção. Invenção é o ato de gênio ao criar um novo conceito para um novo dispositivo ou serviço potencialmente útil. Em inovação, isso é apenas o começo. Quando a invenção é feita, a segunda metade da inovação começa: transformar a nova ideia em um sucesso comercial. Este segundo passo pode ser chamado de implementação, desenvolvimento comercial, criação de novo empreendimento, ou qualquer um de outros nomes; ele é essencial à inovação, tanto quanto pensar na ideia em primeiro lugar.

Nesse sentido, “[...] a inovação é o instrumento específico do espírito empreendedor” (DRUCKER, 2003, p. 39), que legitima muitas das características dos empreendedores no mapeamento realizado no Quadro 3 (SAY, 1983; SCHUMPETER, 1982; DRUCKER, 2003; FILION, 1999; MELO NETO; FRÓES, 2002; BERNARDI, 2012):

Quadro 3 – Mapeamento das características dos empreendedores

Filion (1999) Say (1983) Bernardi

(2012) Schumpeter (1982) Melo Neto e Fróes (2002) Drucker (1996)

Apresentam tenacidade Tino Senso de

oportunidade Perspicácia É individual

Capacidade de criar novo mercado e um novo consumidor Possuem capacidade de tolerar ambiguidade e incerteza Talentos naturais ou adquiridos, à sua atividade

Dominância Energia Fala na 1

a pessoa do singular (eu) Criam uma nova satisfação para o consumidor

Filion (1999) Say (1983) Bernardi (2012) Schumpeter (1982) Melo Neto e Fróes (2002) Drucker (1996)

Fazem bom uso de recursos Espírito de organização e economia Agressividade Capacidade de agarrar a chance Criatividade para geração de riqueza Mudam ou transformam valores Correm riscos moderados Capacidade de aplicar conhecimentos adquiridos na criação de um produto para nosso uso Energia para realizar Liderança Têm ideias ao identificarem oportunidades Capacidade de inovar São imaginativos Capacidade de conseguir o uso dos capitais que não possui por si

mesma Autoconfiança Capacidade de captar recursos financeiros Suas ideias, conceitos e metodologias são objeto de apropriação individual Busca a mudança, reage a ela e a transforma em oportunidade Voltam-se para resultado Qualidades morais Otimismo Capacidade de convencimento Trabalha para garantir o registro de propriedade material e intelectual, objeto de patentes e marcas para fins

econômicos Valores e cultura de

empreendedorismo adquiridos por meio de

contato com, pelo menos, um modelo empreendedor durante

a juventude

Conhecimento dos homens e das

coisas Dinamismo Conhecimento de especialista Busca do lucro, o aumento das vendas, a maior participação no mercado e o retorno do investimento Experiência em negócios Competência para avaliar a importância de determinado produto Independência Capacidade de Inovar

Diferenciação Comprar e fazer

compras Persistência Intuição Reunir operários Flexibilidade Envolvimento Procurar consumidores Resistência a frustrações Trabalhadores incansáveis Cabeça acostumada a cálculo Criatividade Sonhadores realistas (visionários) Capacidade de superar obstáculos Propensão ao risco Líderes Inquietudes Liderança

carismática Trabalham em rede com moderação Expedientes a inventar Habilidade de equilibrar sonho e realização Têm o seu próprio sistema de relações com os empregados Talento para Administrar Controladores do comportamento das pessoas ao seu redor Aprendizagem dos seus

próprios padrões

Podemos inferir, então, que os empreendedores buscam transformar negócios em oportunidades, dada a possibilidade de inovar; agregam pessoas em torno de objetivos comuns pela capacidade de atuar em conjunto; conseguem financiamento fruto da sua capacidade de construir redes de relacionamentos e buscam alcançar resultados econômicos, indispensável ao empreendedorismo.

Say (1983) declara que o sucesso das organizações depende de pessoas capazes de empreender e inovar; e da necessidade do desenvolvimento das características empreendedoras em pessoas, teoricamente comuns, como sendo a solução para criar e manter os negócios, promover o desenvolvimento econômico resultante do aumento de empregos e da capacidade de criarem empreendimentos que gerem riqueza.

Surge, assim, a necessidade de pensar a formação do empreendedor com o propósito de minimizar os riscos da criação de novos negócios e, consequentemente, as perdas financeiras do Estado. Para que isso aconteça, as características do empreendedor devem ser sistematizadas e, concomitantemente, transformadas em conteúdos. Nessa sequência, esses conteúdos organizados podem ser ensinados e retificados pelo papel da escola (FILION, 2000; HISRICH apud HISRICH; PETERS, 2004; BOMBARDIER apud FILION, 2003).

A conjunção desses dois fatores possibilitou a primeira experiência em se sistematizar um curso de empreendedorismo, em 1973, quando a EUA Small Business Administration começou a financiar as universidades, objetivando a parceria para o desenvolvimento de pequenas empresas. Isso estimulou alunos e pesquisadores a desenvolverem suas pesquisas concentradas nos seguintes eixos: características dos empreendedores, novos fundos de risco e o intraempreendedorismo, que se reverteram em novos cursos de empreendedorismo. Os resultados das pesquisas passaram a ser apresentados anualmente no Instituto Pequenas Empresas (SBI) com a participação de diversas pessoas e universidades parceiras interessadas na temática (HISRICH,1992).

Hisrich apud Hisrich e Peters (2004) afirmam que pela formação do empreendedor, mantém-se o princípio de que ele cria algo novo, gera recompensas vinculadas à satisfação e à independência econômica e pessoal. Por outro lado, reformula-se o pensamento de assumir riscos pelo simples fato de utilizar o próprio dinheiro (CANTILLON, 1996; SAY, 1983), já que o risco pode ser minimizado também pela aquisição de conhecimentos estruturados na educação formal.

No diagnóstico de Filion (2000) o desenvolvimento de uma cultura de liderança, progressão individual, desenvolvimento do cérebro, com ênfase no lado direito, desenvolvimento de padrões

com aplicações específicas e concretas, desenvolvimento do autoconhecimento, baseado na perseverança e aquisição de know-how direcionado ao mercado são primordiais na formação do empreendedor.

Bombardier (apud Filion, 2003) declara que os conceitos de empreendedorismo, se formatados pedagogicamente, podem ser ensinados em diferentes estágios escolares e sugerem algumas formas para transmissão do conhecimento, tais como: transmissão de valores e contato com um empreendedor de sucesso que permita a troca de saberes.

Hisrich (apud Hisrich e Peters, 2004) e Bombardier (apud Filion, 2003) reiteram que o conjunto de habilidades necessárias ao empreendedor deve ser sistematizado e replicado, sendo a escola o espaço de formação para desenvolver o potencial do futuro empreendedor.

Nesse sentido, habilidades referem-se à capacidade de transformar conhecimentos em ações que sejam tanto eficientes como eficazes na busca de determinados objetivos. Existem as habilidades técnicas que estão relacionadas ao domínio de certo conhecimento específico ou método para execução de determinada atividade, as habilidades humanas que se referem à capacidade de liderar, motivar, envolver as pessoas ao alcance de objetivos comuns resultante da soma de esforços, e as habilidades conceituais que integra a capacidade de pensar e atuar estrategicamente ao alcance de objetivos organizacionais (KATZ apud SILVA, 2001).Sendo, conforme Hisrich apud Hisrich; Peters, 2004, apresentadas as habilidades necessárias ao empreendedor (Quadro 4).

Quadro 4 – Habilidades do empreendedor

Habilidades técnicas Habilidades administrativas Habilidades empreendedoras pessoais

 Redação  Expressão oral  Monitoramento do ambiente  Administração comercial técnica  Tecnologia  Interpessoal  Capacidade de ouvir  Capacidade de organizar  Construção de rede de relacionamentos  Estilo administrativo  Treinamento  Capacidade de trabalho em equipe  Planejamento e estabelecimento de metas  Capacidade de tomar decisões  Relações humanas  Marketing  Finanças  Contabilidade  Administração  Controle  Negociação  Lançamento de empreendimento  Administração do crescimento

 Controle interno e de disciplina

 Capacidade de correr riscos

 Inovação

 Orientação para mudança

 Persistência

 Liderança visionária

 Habilidade para administrar mudanças

Podemos observar que as habilidades técnicas e administrativas referem-se a conhecimentos que, se organizados sistematicamente, podem, por si só, ser aprendidos, razões essas diretamente relacionadas a um conjunto de habilidades conceituais e técnicas. As habilidades pessoais estão diretamente relacionadas às habilidades humanas, que podem ser desenvolvidas durante a formação do futuro empreendedor. Portanto, quanto mais eficiente no uso de suas habilidades, mais eficaz será o empreendedor na obtenção dos resultados.