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Contextualização histórica: o passado e presente da “revolução das mulheres” no Brasil de uma perspectiva de longa duração

No documento nathaliereisitaborai (páginas 107-153)

Nesta seção faz-se uma breve análise histórica sobre os antecedentes na longa duração e a contextualização da “revolução das mulheres” no Brasil. Pretende-se aqui indagar, inicialmente, o que foi o “patriarcado brasileiro” e como as desigualdades de gênero variaram entre as classes sociais, de forma a contextualizar as mudanças analisadas. Por outro lado, constata-se que a partir do século XIX se desenham processos que favoreceram a maior inclusão feminina na vida pública e colaboraram para a ampliação das oportunidades femininas. Por fim, destaca-se a importância do período enfatizado nesta pesquisa (1976- 2012), um período de modernização no qual se intensificam também as mudanças na condição feminina.

A observação da história permite levantar duas ordens de questões importantes para a análise das relações de poder que se tecem na vida familiar. Por um lado, realça-se que a estratificação de gênero e suas mudanças (o patriarcalismo contrastado aos ganhos de autonomia femininos) eram experimentadas de formas variáveis pelas mulheres, conforme sua condição socioeconômica (prefere-se este termo genérico, já que não é possível falar estritamente de classes no passado colonial, onde a estratificação incluía a noção de nobreza) e étnica. Por outro lado, realça-se que a desigualdade entre homens e mulheres é estrutural, mas não absoluta, pois, como sugere a visão relacional do poder que Giddens chamou de

“dialética do controle”, ser um agente humano é ter poder, no sentido de "ser capaz de 'fazer uma diferença' no mundo" (1982, p. 197). Neste sentido, observa-se que as mulheres sempre buscaram brechas para sua autonomia, ainda que estas possibilidades variassem por condição socioeconômica e etnia. Senhoras proprietárias, em especial viúvas, podiam gozar de relativa autonomia, ainda que nos limites do patriarcalismo101. Importa entender porque as mudanças na condição feminina se ampliam e se difundem no contexto recente102.

As mudanças na condição feminina e nas relações familiares, ainda que sejam beneficiadas por lentos e cumulativos processos históricos, tenderam a se acelerar diante dos processos de modernização. Um conjunto complexo de fatores subjaz as transformações na condição das mulheres nas famílias e na sociedade, mudanças mais evidentes quando contrastadas ao passado, quando, além das oportunidades de trabalho restritas para as mulheres, não havia condições de controle da fecundidade e costumes, leis e expectativas tradicionais restringiam os espaços femininos.

Se no passado a chefia feminina decorria de eventos como viuvez, abandono ou mobilidade da população masculina, hoje este e outros arranjos são entendidos mais como autonomia de decisão das mulheres. Observa-se que houve, na longa duração, uma transição da valorização de um modelo de reclusão feminina para outro de profissionalização feminina, sendo a valorização do trabalho das mulheres de classe média como professoras um dos primeiros marcos nesta mudança (NOGUEIRA, 1962).

A autonomização das mulheres constrói-se na longa duração junto com a modernização da sociedade, mantendo-se a centralidade das desigualdades entre mulheres, como no caso do trabalho que era obrigação para umas e vai adquirindo o sentido de “projeto pessoal” para outras. As mudanças nas famílias e na condição das mulheres é uma dimensão do processo de modernização da sociedade que, além de desigual, pode avançar mais em

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Um exemplo literário ilustrativo é o romance Dona Guidinha do Poço, que tem por personagem principal uma senhora proprietária, que usufrui de muito poder, mas que vê seu poder e reputação minados por seu enquadramento moral diante de um relacionamento extraconjugal. O romance realista de Manuel de Oliveira Paiva baseia-se na história real da fazendeira Marica Lessa, que, em Quixeramobim, foi processada e condenada pelo assassinato de seu marido o Cel. Domingos d´Abreu e Vasconcelos por volta de 1853, crime por ela encomendado em virtude de seu amasiamento com um sobrinho do marido, Senhorinho Pereira. Ao ser solta, estaria semienlouquecida e pobre, perambulava pelas ruas de Fortaleza.

102 A análise histórica representa também uma oportunidade de rever os estereótipos sobre a modernização das famílias, vislumbrando sua complexidade e heterogeneidade. Desta forma, é possível rever o mito que se construiu em torno da noção de “família moderna”, mostrando que há diversidade no mundo pré-moderno e no moderno e não só na pós-modernidade, a despeito da noção difundida da família pós-moderna que teria descoberto só recentemente a diversidade familiar. Ao rever as teses sobre as mudanças históricas nas famílias e desconstruir visões simplistas como as da suposta passagem da família extensa a nuclear na transição de uma sociedade pré-capitalista para a capitalista (também assumidas como tipos monolíticos e universais), Gittins realça que “to ask what effect industrialisation had on ‘the family’ is to ignore the variability of both industrialization and families” (GITTINS, 1993, p. 21).

alguns aspectos do que em outros. Pode, portanto, conter paradoxos ou contradições em relação às expectativas dos atores sociais (em particular, de atores engajados como o movimento de mulheres), além de conter significados distintos para arranjos semelhantes.

O objetivo deste capítulo é problematizar a relação entre vida familiar e as estratificações de gênero e classe no Brasil na longa duração, da qual se pode recolher algumas hipóteses para entender as tendências de redução de diferenciais, queda de rótulos e ampliação das oportunidades femininas de individuação103. Pode-se, portanto, indagar sobre mudanças na distribuição do poder em pelo menos três dimensões, considerando em que medida reduzem-se as desigualdades entre classes no comportamento familiar, em que medida perdem força os estigmas em torno de determinados formatos familiares (de classe e também de gênero), e em que medida ampliam-se as oportunidades de autonomia das mulheres.

Mudanças na estratificação de classe, na estratificação de gênero e nos modelos de família compõem três faces de um mesmo processo, que incluiu a difusão de comportamentos familiares entre as classes (alterando os diferenciais de classe), a legitimação social de comportamentos familiares antes estigmatizados (favorecendo a aceitação e revalorização da diversidade familiar) e a ampliação dos espaços de individuação e autonomia das mulheres nas relações familiares (levando a um novo equilíbrio nas relações de gênero).

É preciso fazer a ressalva de que a informação histórica aqui apresentada busca contextualizar e ampliar a compreensão do objeto, mas não pretende ser exaustiva. Nota-se que os dados são parciais especialmente do ponto de vista da diversidade de classe, diante da tendência das sociedades e, logo, dos dados históricos, de melhor registrar informações dos estratos superiores que tem mais acesso às formas escritas104. Não obstante, uma breve leitura sociológica dos dados históricos evidencia múltiplas relações entre os comportamentos familiares e os sistemas de estratificação, marcadas pela convivência entre modelos de família diferentemente valorizados, pela heterogeneidade social da condição das mulheres, por paulatinas mudanças sociais na estratificação de gênero que favorecem a autonomia feminina e alteram o lugar das mulheres nas estratégias familiares, além de dinâmicas de difusão e de conflito entre classes.

103 Hipóteses, portanto, em torno de processos de democratização (o que Elias chama de “democratização funcional”, que diz respeito à distribuição de poder, inclusive poder simbólico) observáveis na longa duração. 104

Como lembra Rizzini: “o que de substancial ficou registrado é a história “contada” por quem tinha acesso aos estudos, à imprensa e às gráficas, i.e., pelos representantes da elite. Os que escreviam tinham uma atuação na esfera pública – os mesmos que intervinham sobre a vida dos pobres, os que faziam as leis, reformavam as instituições e as pessoas, de acordo com seus valores.” (1997, p. 52)

1.3.1 O patriarcalismo no passado colonial brasileiro

Muito tem sido escrito sobre as origens patriarcais da família brasileira. Em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre apresenta a conhecida descrição da família patriarcal no período colonial brasileiro, uma família chefiada por um patriarca que detinha poder sobre seus filhos e esposa e também sobre agregados e escravos, constituindo uma família extensa. Antônio Cândido (1951) mostrou que existia um núcleo central, formado pela família legítima e de um núcleo periférico que incluía escravos e agregados, dentre os quais concubinas e filhos ilegítimos. O núcleo central se formava através do casamento contratado, privilegiando alianças políticas e econômicas, visíveis na metáfora “misturar sangues bons”105

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Esta imagem acabou sendo hegemônica quanto à caracterização do que seria a família no período colonial brasileiro. No entanto, diversos estudos posteriores trataram de revisar esta imagem106, mostrando que, para além da realidade consagrada pelo modelo de Freyre (1994) para os engenhos, a vida familiar na colônia comportava cenários muito variados: “muitos maridos ausentes, companheiros ambulantes, mulheres chefiando seus lares e crianças circulando entre outras casas e sendo criadas por comadres, vizinhas e familiares” (PRIORE, 1995, p. 47). Condições difíceis de vida e limitadas oportunidades de trabalho para as mulheres acentuavam a importância do casamento, por suas implicações de proteção à prole, coabitação e indissolubilidade, representando “enorme dose de estabilidade para mulheres que bracejavam nas perigosas marés da sobrevivência” (PRIORE, 1995, p. 50). No entanto, eram frequentes nas camadas inferiores os concubinatos e a matrifocalidade, favorecidos pelo desequilíbrio de sexos causado pela mobilidade dos homens.

Nos quatro primeiros séculos de nossa história, a dinâmica das uniões resultava de três componentes principais: a herança portuguesa, das pouco institucionalizadas “uniões segundo o costume do reino”; as pressões de institucionalização decorrentes do Concílio de Trento e dos interesses populacionais do Estado; e as condições locais, marcadas pelas práticas escravista e colonialista que, pela alta mobilidade da população em busca de riquezas e pela interferência senhorial na vida privada de seus escravos, resultavam em alta incidência

105 Para explicar a existência do núcleo periférico, Cândido recupera o argumento de Gilberto Freyre de que diante da escassez de mulheres, a organização familiar adaptou-se a realidade local pela reprodução com escravos e índios com os quais, todavia, os brancos portugueses não constituíam famílias legítimas. Todavia, em sua análise, Cândido se detém no núcleo legítimo, pouco se atendo ao que ele considera uma massa sem nome dos socialmente degradados, vivendo fora das normas regulares de conduta (1951, p. 304).

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No Brasil, Mariza Corrêa (1982) e Eni Samara (1989) estão entre as primeiras a questionarem teórica, política e empiricamente a noção de família patriarcal e extensa presente no pensamento social brasileiro, à qual se irá contrapor os estudos empíricos que surgem no Brasil, inspirados pelo desenvolvimento da história social na Europa. Para uma revisão das visões sobre o patriarcado no pensamento social brasileiro, ver Aguiar (1997).

de concubinato (SILVA, M. B. N., 1984). Na visão de Vainfas (1997), o concubinato devia-se à precariedade e incerteza que marcavam as condições de vida de amplos segmentos da população, para os quais não fazia sentido casar, como o era para as elites que tinham no casamento um instrumento de transmissão de herança e formação de alianças sociais107.

Também por ser uma prática dispendiosa, o matrimônio na forma tridentina, aliás única então existente108, era, segundo Nizza da Silva (1984), experimentado prioritariamente pela elite. Era a mulher quem era escolhida, priorizando-se a igualdade de idade, condição, fortuna e saúde, na definição do casamento entre iguais, condição regulada não só pelos costumes sociais, mas também em termos legais, pois era justificativa para que a filha que houvesse se casado sem autorização do pai não fosse punida, caso o marido escolhido fosse de condição superior àquela que seus pais teriam sido capazes de lhe conseguir. Pressupunha- se das mulheres casadouras a virgindade, e, para garantia de sua honra, se preciso, as aprisionavam em conventos ou recolhimentos. Depois de casadas, cobrava-se a fidelidade feminina, sendo o adultério passível de ser punido com a morte: seguramente a da esposa adúltera e também a do sedutor, caso esse não fosse de condição social superior a do marido traído109. A violência doméstica era aceita, sendo reconhecido o direito do marido corrigir a esposa, servindo como justificativa para separações apenas os casos considerados excessivos.

O pátrio poder, resguardado pelo Estado, e a influência familiar sobre o matrimônio se exerciam desde a necessidade de autorização paterna para se casar, sem a qual se corria o risco de perder direito a herança110, até o costume de avós apadrinharem seus netos. Quanto à autonomia feminina na administração de seus bens, Silva (1997) chama a atenção para o fato da legislação portuguesa ser muito mais protetora em relação às mulheres do que aquela vigente à época nas colônias inglesas da América do Norte. O sistema de dotes – representando estes um adiantamento da herança da filha – e o casamento por meação

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Faria (1994) lembra que a incidência de concubinato, prole ilegítima e chefia feminina varia de acordo com as condições econômicas da região em questão, sendo mais comuns em áreas com intenso fluxo populacional, tais como as de mineração, já as atividades sedentarizadas como a agricultura exigiam unidades familiares estáveis. 108

Os casamentos de pessoas de religiões dissidentes só serão regularizados no Império, em 1861 e o casamento civil será instituído apenas com a República em 1890. No período colonial, do ponto de vista do Estado, a principal fonte de normas jurídicas em relação ao casamento são as Ordenações Filipinas. Já quanto às normas religiosas, havia as determinações do Concílio de Trento e as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. 109 Numa sociedade que atribuía diferentes deveres e direitos conforme o estatuto jurídico das pessoas, os crimes relacionados à moral familiar eram desigualmente punidos, como neste exemplo da legislação portuguesa válida igualmente para o Brasil: “[...] O adultério é punido (a menos de perdão do marido) com execução capital dos dois culpados; mas se o adúltero for de mor condição que o marido, por exemplo, aquele fidalgo e este cavaleiro ou escudeiro, ou aquele cavaleiro e escudeiro e este peão, a sentença não será executada sem confirmação régia [...] ao marido que encontrar a mulher em adultério é lícito matar o adúltero, mas não se este for fidalgo, cavaleiro ou de semelhante qualidade. Estas medidas revelam bem o sentido hierárquico da sociedade e quanto o poder está a serviço da preservação dessa hierarquia.” (GODINHO, 1971, p. 59-61).

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garantia que as mulheres recebessem seu quinhão em caso de viuvez ou separação, podendo então administrar seus bens. Já as solteiras, quando órfãs, podiam requerer sua emancipação, recebendo sua legítima parte da herança, o que substituía o dote e lhes liberava da necessidade de autorização paterna para se casarem. Dotar as filhas não era uma prática só das elites. Cada camada social oferecia dotes segundo suas possibilidades, encontrando-se, inclusive, a dotação das jovens da Roda dos Expostos111 para que essas conseguissem casamento.

No Brasil colonial, as oportunidades de vida das pessoas eram muito dependentes de sua condição familiar, diante de uma individuação muito limitada e de um contexto fortemente familista. A legislação da época punia com o fechamento de oportunidades aqueles que se inserissem em relações familiares ilegítimas. Filhos bastardos e pessoas em concubinato não tinham, por exemplo, acesso a cargos públicos. Portanto, o controle da sexualidade feminina definia as oportunidades sociais das mulheres e também dos filhos que viessem a nascer. A importância do reconhecimento da paternidade (em testamentos e cartas de legitimação) estende-se ao longo de todo o ciclo de vida: na infância, pelo suporte que seria dado pelo pai e pela preservação da honra da mãe; na vida adulta, devido aos assentos necessários para concorrer a cargos públicos, entrada para carreira religiosa, ou contrair matrimônio; e na transmissão de herança, reservada à família legítima.

Desigualdades socioeconômicas e étnicas vulnerabilizavam diferentemente as mulheres às mazelas do patriarcalismo. Entre as mulheres escravas eram usuais o assédio e violência sexual dos senhores, livres dos entraves das normas morais e religiosas que resguardavam o papel procriador das mulheres brancas. Nesse contexto, a exaltação sexual da escrava em nossa cultura teria um papel justificador para a cultura branca e machista, tentando apresentar o homem como seduzido (GIACOMINI, 1988). Embora pesquisas indiquem a existência de famílias escravas relativamente estáveis (SLENES, 1999), a população escrava – cujo direito de casar-se era assegurado – sofria as limitações impostas pelos senhores, os quais não viam vantagem em casá-los. As dificuldades para que os escravos se casassem mostravam-se ainda maiores quando se leva em conta que a burocracia da Igreja não era

111 A Roda dos Expostos era “nos asilos e orfanatos, espécie de caixa giratória onde se colocavam as crianças enjeitadas” (RIZZINI, 1997, p. 296). Revelam as contradições do Brasil colonial, seja por encobrir filhos ilegítimos, dentro do prevalecente controle da sexualidade feminina e da moral familiar, seja por revelar a ausência de apoio às famílias pobres. Venâncio (1999) intitulou sua pesquisa a respeito da Roda como “famílias abandonadas”, substituindo o antigo rótulo de crianças abandonadas e denunciando sim o abandono das famílias pobres pelo poder público, pois, por uma perversidade institucional, “desde os séculos XVIII e XIX, a única forma de as famílias pobres conseguirem apoio público para a criação de seus filhos era abandonando-os”(1999, p. 13). Segundo Venâncio, a ausência de apoio às famílias de classe baixa determinava o abandono de crianças por pais ou mães incapazes de sustenta-las. Esperançosos de garantir melhores condições de vida aos seus filhos, muitas famílias pobres os entregavam à Roda dos Expostos, o que, na verdade, acabava por redundar em alta mortalidade infantil.

diferente para os escravos, para quem era ainda mais difícil conseguir as certidões necessárias. Não obstante, estudos mostram a existência não pouco frequente de casamentos entre escravos. Slenes (1994), por exemplo, ao estudar Campinas por volta de 1872-3, mostra que nas plantações com maior número de escravos era alto o índice de escravas casadas e cujos filhos legítimos viviam com ambos os pais. A situação não era a mesma nas pequenas plantações, e para os homens, dada a desproporção entre sexos no tráfico negreiro.

Na historiografia da família no período colonial, a chefia feminina é um tema frequentemente empregado para discutir até que ponto o patriarcalismo cerceava a liberdade feminina. Diante da ampla movimentação de homens que caracterizava a vida colonial era comum as mulheres, apesar de casadas, viverem longo espaço de tempo com os maridos ausentes. Além disso, casos de abandono pelo marido eram frequentes, muitas vezes seguidos de novo matrimônio deste, caracterizando a bigamia. Por tudo isso, era comum encontrar mulheres chefiando fogos de forma temporária ou permanente, o que poderia significar tanto a existência de um certo espaço de autonomia para elas, quanto as uniões precárias em que muitas se inseriam. Em São Paulo, por exemplo, Samara calcula, a partir dos maços de população de 1836, que cerca de um terço dos domicílios eram chefiados por mulheres (1989, p. 36). A exigência de coabitação para a caracterização do crime de concubinato também ajuda a explicar a alta incidência de mulheres solteiras vivendo sozinhas com os filhos, como as mulheres de clérigos e de homens solteiros ou casados que não as quisessem ou pudessem assumir como esposas.

As oportunidades de trabalho remunerado para as mulheres livres eram em geral restritas, incluindo ocupações como costureiras, cozinheiras, lavadeiras e vendeiras. Silva (1997) mostra a constância com que as mulheres chefes trabalhavam. Na ausência dos maridos ou diante da viuvez, no meio urbano e rural, mulheres administravam seus patrimônios, gerindo engenhos e estabelecimentos comerciais. A viuvez conferia mais autonomia às mulheres, em especial se tivessem propriedade para administrar, pois adquiriam a autoridade de chefe de família, o que lhes dava mais flexibilidade num contexto em que as mulheres pouco circulavam pelas ruas, pois o comum era que os mascates fossem às portas das casas para que as senhoras pudessem comprar112.

Maria B. N. Silva realça a importância de pensar mais a noção de autonomia feminina que a categoria “trabalho”, difícil de ser delimitada numa sociedade em que a produção doméstica era economicamente tão relevante e as relações de assalariamento

112 Um repetido provérbio português sugeria que “a mulher virtuosa da classe superior deixava sua casa somente em três ocasiões durante sua vida: para ser batizada, para se casar e para ser enterrada” (HAHNER, 2003, p. 43).

No documento nathaliereisitaborai (páginas 107-153)

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