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2.6 Os Pensées: obra-prima da experiência religiosa de Pascal

2.6.1 A contextualização dos Pensées

1664 CTX Grande perseguição ao Jansenismo até a 3DL[GHO¶(JOLVHde 1668.

1670 CTX Primeira publicação dos Pensées de M.Pascal sur la religion et sur quelques autres sujets, pelo editor Guillaume Desprez, organizada

pelos amigos de Port-5R\DO GDt VHU FRQKHFLGD FRPR ³HGLomR GH Port-5R\DO´ FRPRSUHIiFLRGRVREULQKRGH3DVFDO(WLHQQHPérier.

Pensées é uma obra referencial, considerada desde sua publicação

sob a ótica de filosofia, religião, prosa etc. 1709 CTX Destruição total de Port- Royal.

No quadro acima, a obra os Pensées foi mencionada de modo sintético. Entretanto, devido a sua importância histórica e a sua contribuição a diversos campos do saber, se faz necessário um olhar mais específico sobre ela. Será feita uma breve incursão sobre as diversas facetas presentes na elaboração deste livro, com o intuito de mergulhar um pouco no contexto no qual emergiram seja as idéias que deram origem aos Pensées, seja as variadas versões ao longo dos anos.

2.6 Os Pensées: obra-prima da experiência religiosa de Pascal

Pensées de M. Pascal sur la religion et sur quelques autres sujets é uma obra referencial por apresentar áreas de intersecção com a religião, a filosofia, a matemática, a ciência de um modo geral e até mesmo com a literatura. Nos Pensées, Pascal segundo sua concepção, estabelece uma hierarquia: ciência, matemática e as coisas do espírito, sendo estas últimas, segundo ele, de uma esfera superior. É uma apologia da vida cristã apresentada em forma de aforismos. Toca em pontos como a fé, a justiça, a filosofia, a moral, a doutrina, as profecias, os milagres etc.

2.6.1 A contextualização dos Pensées

Em 1654, durante a segunda conversão, Pascal elaborou as primeiras reflexões e nasceu nele o desejo de escrever uma apologia da religião cristã. Era seu objetivo dar uma resposta, por meio dessa obra às pessoas com as quais tivera grande aproximação no

período mundano. Era uma gente que valorizava as questões científicas e portanto o Pascal sábio e cientista, muito embora fosse refratária às coisas da religião.

De 1657 a 1658 ele trabalhou na Apologie e em outubro-novembro de 1658, atendendo a pedidos de alguns amigos de Port-Royal, ministrou uma conferência de mais de duas horas, na qual expõe seu plano, recolhendo e ordenando cerca de um terço do material.

A avaliação da grandeza do projeto de Pascal é apresentado por Aulletta em Pascal (2000, p.5) com muita ênfase:

Seria absurdo fazer conjecturas sobre a acolhida e o valor apologético- literário que poderia ter após sua conclusão o projeto da Apologie. Detendo-VHQDQDUUDWLYDGH)LOOHDXGH/D&KDLVHVHWUDWDYDµGDPDLRU REUD TXH XP KRPHP SRGHULD VHU FDSD]¶ TXHULD VHU XPD UHYROXomR QR antigo campo da apologética, ligada há muito tempo a esquemas HVFROiVWLFRV D UDFLRFtQLRV ³JHRPpWULFRV´ QRV TXDLV R ³FRUDomR´ QR sentido agostiniano e pascalino) teria chegado ao fim com o ser esmagado pela prepotente razão, e o homem reduzido e tratado como VHQGR QHP PDLV QHP PHQRV GR TXH XPD ³SURSRVLomR´ HXFOLGLDQD XP teorema, uma geometria, não mais um ser vivo. Pascal que odiava todo tipo de intelectualismo, mesmo estando a serviço da razão, entendia portanto não somente recolocar sobre o pedestal toda a realidade humana considerada na sua concretização existencial, mas mostrar também como o problema fundamental do homem é de caráter religioso; queria fazer sentir, sobretudo ao incrédulo moderno, que a religião cristã não é uma ³GLYDJDomR´LQWHOHFWXDODOJXPDFRLVDGHHVWUDQKRRXGHVREUHSRVWRjVXD humanidade concreta, mas uma comprometida participação ao surpreendente fato, tão decisivo na história, que é a encarnação, a qual ocorreu na totalidade da natureza humana, tudo assumindo e transfigurando para um destino sobrenatural.

Com a morte de Pascal em 1662, não foi difícil reconhecer nas notas deixadas por ele o material da Apologie, então enviado a Port-Royal para ser decifrado por alguém que conhecia bem sua letra. Entretanto, até 1669 nada havia sido publicado por dificuldades, sobretudo com relação às opções a serem feitas: imprimir com fidelidade absoluta sem modificação ou cortar? Reconstruir o plano exposto por Pascal na célebre conferência, preenchendo apenas as lacunas quanto à argumentação e à redação? Optar por um meio termo, oferecendo ao público apenas os termos definitivamente revistos pelo autor, com seleção discreta e prudentemente corrigida dos pensamentos inacabados?

Senhor De Treville, o Senhor Du Bois, o Senhor Filleau de la Chaise e o Senhor De Brienne. Eles optaram pela proposta de Roannez, ou seja, a reconstituição do plano exposto na conferência.

Esta opção foi rejeitada por Gilberte Périer, irmã de Pascal, que mesmo sem lograr êxito para imprimir com exatidão todo o manuscrito, deve-se ao seu empenho a publicação de 1670 conhecida até hoje como edição de Port-Royal. O prefácio desta edição é de Etienne Périer, filho de Gilberte onde ele expõe com clareza o plano da apologia. Esse plano não foi respeitado na própria concepção do texto intitulado de Pensées de M. Pascal sur la religion et sur quelques autres sujets. Madame Périer havia preparado La vie de monsieur Pascal a ser anexada nesta edição, porém tal biografia foi publicada somente em 1684 na Holanda e, portanto, só a partir da 5ª edição de 1687 é que compunha a obra como um todo.

Figura 22 . Primeira página dos Pensées. Fonte: Google Imagens.

Um outro aspecto relevante ligado à primeira publicação dos Pensées é que em 1668 a Igreja pusera fim às polêmicas teológicas entre jansenistas e jesuítas, e a publicação de La vie de monsieur Pascal como parte dos Pensées, relembrando suas relações com Port-Royal poderiam comprometer o sucesso da publicação. Tudo deveria ser estruturado de modo que o Pascal das Provinciales QmRUHYHODVVHQHQKXPVLQDOGH³-DQVHQLVPR´)RL esta a postura dos primeiros editores ao atenuar, suprimir e corrigir o texto de modo que a

obra pudesse ser avaliada como compatível com a ortodoxia católica.

Figura 23. Primeira página dos Pensées. Fonte: Béguin, (1953, p. 40).

A respeito desta série de adaptações a opinião de Bunschvicg (PASCAL, 1988, p.4) é que:

Os amigos de Pascal acreditaram de boa fé trabalhar pela sua memória adaptando os Pensées à nova situação de Port-Royal, fazendo de um livro escrito no ardor da luta contra o partido dos jesuítas uma obra de edificação, inspiradora de calma e recolhimento, digna de servir de profissão e como de centro à Igreja reconciliada e unificada.

Isto evidencia o poder exercido pela Igreja Católica na época de Pascal e sua influência nas relações sociais, interferindo inclusive na liberdade de pensamento dos homens da ciência.

Trecho contra os ateus.

As marcas da verdadeira religião. O pecado original.

A regra da aposta.

A corrupção dos homens.

Trechos sobre os judeus, Moisés, Jesus...

Do título XXI ao XXVII a grandeza e fraqueza do homem. Pensamentos sobre milagres.

Pensamentos cristãos, morais e diversos, uma parte do que os editores não puderam introduzir nos títulos precedentes.

A estruturação definitiva da edição de 1670 é criticada por Granges em Pascal (1988) que considera não se tratar de um plano; no máximo uma classificação de pensamentos análogos, sem nenhuma linha de encadeamento lógico.

A edição de 1670 foi utilizada pelos leitores de Pascal até 1776, quando aparece uma nova edição publicada por Condorcet, na qual embora declare seu respeito por Pascal, alterava o espírito dos Pensées. Se a edição de 1670 havia maquiado a dimensão jansenista, DSURSRVWDGH&RQGRUFHWSXQKDHPUHOHYRXP3DVFDO³FpWLFR´JUDoDVDDUJXPHQWRVDFHUFD da impotência da razão, da incerteza necessária da religião, das dificuldades da interpretação das profecias e milagres, etc.

Em 1779 foi publicada e edição do Abade Bossut, cuja preocupação era a de oferecer ao público todas as obras de Pascal, não tendo distribuído os Pensées na ordem proposta por Etienne Périer. Decidiu apresentar duas seções:

Pensamentos relacionados com a filosofia, a moral e as letras.

Pensamentos imediatamente relativos à religião (com capítulo de Pensamentos diversos).

Tal ordem é a que se impôs desde então, com algumas exceções aos editores. Em 1844, foi publicada a edição de Prosper Faugère, conseqüência da indignação manifestada por Vitor Cousin numa comunicação à Academia Francesa em 1842, na qual ele protestava contra tantas alterações a ponto de transfigurar o texto original. Portanto, esta edição recorre ao que os historiadores chamam de fonte primária, ou seja, os manuscritos originais.

A partir desta publicação verificamos melhorias devidas às leituras mais atentas, em particular: E. Havet (1851), Molinier (1877-79) e G. Michaut (1896). Uma outra organização consistiu em apresentar os Pensées numa perspectiva apologética; e a edição de Rocher (1873) é a mais interessante tentativa anterior a L. Brunschvicg.

A edição de L. Brunschvicg (1897), reeditada varias vezes e em edições maiores (três volumes em 1904), tornou-se a versão clássica pela sua sistematicidade, resolvendo por muito tempo a questão do texto, do plano e do comentário.

Brunschvicg distribuiu em catorze seções os fragmentos deixados por Pascal, justificando tal procedimento da seguinte forma:

É necessário considerar que a Apologie de Pascal devia compreender três momentos que ele sem dúvida teria reunido e fundido: primeiramente VHJXLQGRRPpWRGRTXHGHQRPLQDYDGH³DUWG¶DJUpHU´HTXHVHDGDSWDj perversão da vontade, apela para o interesse do homem e pretende convencê-lo de que a religião é agradável; a seguir, volta-se para a inteligência e, confrontando as explicações parciais do filósofo com a verdade total que só o cristianismo detém, demonstra que a religião é razoável; enfim, para penetrar o ser inteiro da verdade do cristianismo, mostra-lhe a realidade manifestando-se desde a origem do mundo pela lei dos judeus, pelas profecias, pela encarnação, pelos milagres, realidade perpétua, permanente, atual, pois, e que vem atestar de novo o milagre do santo espinho, o relâmpago, que evidencia subitamente a presença muito próxima do Deus oculto (PASCAL, 1988, p.7).

Como conclusão, faz-se necessário um contraponto que lance luzes sobre a questão até agora apresentada, relativa à fragmentação e à organização dos Pensées. De fato, um outro ponto de vista é apresentado por Auleta (PASCAL, 2000, p.6). Ele considera que a unidade da obra é dada pela sua inspiração:

A fragmentação dos Pensées não deve nos fazer crer em uma falta de XQLGDGHµ3DUDXPOLYURFRPRSDUDXPDVRFLHGDGHSDUDXPDIDPtOLDSDUD o mundo e para arte, existem dois tipos de unidade: unidade orgânica e XQLGDGH PHFkQLFD¶ HVFUHYH (UQHVW +HOOR $ XQLGDGH RUJkQLFD p WRGD interior e leva à mesma meta mesmo se por estradas muito diversas, que é constituída sobretudo das inspirações dos Pensées e da finalidade para a qual tendem. Quem esquece esta unidade interior que liga idealmente todos os fragmentos entre si e é o pressuposto absoluto da sua compreensão, pode também abandonar-se ao jogo erudito e divagante. E por isso incapaz de profundidade, de compreensão espiritual de um Pascal douto, diferente do homem Pascal, ou de um Pascal crente, diferente se não separado do douto e do homem; mas não poderá nunca dizer que

conheceu o verdadeiro Pascal. Porque um dos principais dotes do gênio de Pascal foi o de não adotar compartimentos estanques na sua alma; o físico, o matemático, o inventor, o homem, o crente e o místico vivem nele numa tão admirável harmonia que ainda hoje ele consegue estar próximo ao nosso coração de carne, sem nada perder da sua grandeza.

Parece-nos importante a inserção do pensamento de Auleta, no sentido de acrescentar à discussão algo novo a partir do conceito de unidade orgânica, elemento aparentemente subjetivo e no entanto capaz de propiciar a descoberta de pontos de contato em contextos aparentemente dicotômicos.