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estado, dos legisladores e dos oficiais) para um regime absoluto no qual as atribuições dos oficiais e das cortes eram transferidas para o corpo de comissários do rei.

Os iniciadores do Movimento Jansenista na França pertenciam à nobreza e, em particular, a um grupo desses nobres que almejavam passar à condição de emissários do rei Luis XIII. Dentre eles destacavam-se: Saint-&\UDQ$UQDXGG¶$QGLOO\H$QWRLQH/H0DLWUH

Antes do início desse Movimento os mais importantes integrantes do grupo de Port-Royal eram amigos e companheiros do cardeal Richelieu, embora dele discordassem quanto a pontos como a aliança com a Espanha católica ou a luta mortal contra os huguenotes21 que estivessem dentro ou fora do país.

Até 1637 a oposição entre este grupo e Richelieu não se referia à incompatibilidade entre a vida cristã e a política. Eles questionavam qual era a política cristã.

A vitória de Richelieu desencadeou a ruptura com o grupo, tendo inclusive um de seus membros, Saint-Cyran, sido preso por dez anos no castelo de Vincennes. A partir de então nasce de fato o Jansenisno, com a convicção de que é impossível para o verdadeiro cristão e para o verdadeiro eclesiástico participar da vida política e social.

De fato, a vanguarda jansenista era constituída por advogados e suas famílias que se incompatibilizaram com a política de Richelieu. O movimento tinha entre os simpatizantes oficiais, advogados e membros das cortes supremas desgostosos com o poder dos comissários do rei que passaram a exercer as antigas funções dos oficiais e das cortes. Não podemos esquecer que o pai de Pascal era membro da corte suprema de Clermont-Ferrand. A posição política dos jansenistas era apenas uma das modalidades de oposição que se fazia à monarquia naquela época e que, depois do famoso levante contra o ministro Mazarin, contou com muito maior número de adeptos.

2.3 A primeira conversão

O período da experiência religiosa de Pascal denominado por Brun (1992) e Sorveral (1995), dentre outros, de primeira conversão (1646-1651), está relacionado com sua adesão ao Jansenismo. A sua aproximação a este movimento deu-se em janeiro de 1646

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pela influência dos irmãos Deschamps, dois cirurgiões improvisados que freqüentaram por três messes a casa de Pascal, para auxiliar na cura do seu pai que quebrara uma perna. Pascal nesse período lê as obras de Saint-Cyran e provavelmente também a Comunhão freqüente GH $UQDXOG LQLFLDQGR D H[SHULrQFLD GH ³VDERUHDU 'HXV´ (QYROYH QHVWD espiritualidade seu pai e sua irmã Jacqueline.

O termo conversão é analisado de modo especial por Sorveral (1995, p.88):

Não se trata de conversão em sentido corrente. Blaise nunca perdeu a fé nem se entregou nunca a uma vida dissoluta que o tivesse afastado da Igreja [...]. O que houve nele foi um progressivo aperfeiçoamento cristão, impulsionado, em grande parte, por três experiências religiosas particularmente intensas que marcaram a sua vida e que, por circunstâncias de fato, mas também por disposição de caráter e formação familiar, se orientou no sentido da espiritualidade e das concepções teológicas de Port-Royal.

O período da primeira conversão foi caracterizado por uma postura apologética, pela qual, segundo Brun (1992) ele deu provas de um zelo teológico completamente novo, embora não possamos reduzir sua conduta apologética apenas a este período. Alguns episódios dessa fase refletem sua adesão ao jansenismo. Um exemplo disso deu-se quando Pascal com dois amigos denunciaram ao arcebispo de Rouen um ex-capuchinho de tendência racionalista, conhecido como Saint-Ange, personagem muito singular e de espírito aventureiro. Este senhor foi constrangido a retratar-se sobre 12 proposições consideradas contrárias à ortodoxia eclesial da época, apresentadas por ele numa conferência em Rouen. Antes da retratação, Pascal e os amigos entraram em contato com ele, mas diante de sua objeção, eles apelaram ao coadjutor, Jean-Pierre Camus. Em seguida, por considerá-lo pouco severo, submeteram o caso ao arcebispo, que avaliando a gravidade das denúncias optou pela retratação.

Em julho de 1648, quando seu pai volta a morar em Paris, encontra Blaise e Jacqueline já em contato com o grupo espiritual de Port-Royal, onde vão escutar os sermões de M. Singlin e conversar com Antoine de Rebours.

A morte de Etienne Pascal em 24 de setembro de 1651 gera uma situação nova: Jacqueline manifesta a decisão de entrar em Port-Royal como religiosa e entra em

divergência com Pascal; discórdia só superada em 1653 quando entram em acordo sobre a divisão dos bens e sobre a parte que Jacqueline doaria a Port-Royal.

Correndo o risco de ser impreciso, mas para efeito de sistematização, podemos delimitar o final do período da primeira conversão em 1651.

2.3.1 Um olhar sobre a vida, a obra e o contexto no período da primeira conversão

A produção de Pascal relativa à religião encontrada nas Oeuvres complètes (PASCAL, 1954) no período da primeira conversão (1646-1651) são de caráter epistolar. Dentre as cinco cartas apresentadas, quatro são de conteúdo religioso. Entre elas merece destaque uma datada de 17 de outubro de 1651, intitulada Lettre de Pascal a M. et Mme. 3pULHU D &OHUPRQW DO¶RFFDVLRQ GH OD PRUt de M. Pascal le père, décédé a Paris le 24 septembre 1651. (PASCAL, 1954). É uma solene meditação sobre a morte, de grande densidade espiritual.

Com relação à produção científica deste período esta esteve concentrada em 1646- 1647 na reprodução da experiência de Torricelli, na publicação das Expériences nouvelles touchant le vide, incluindo o célebre prefácio. Em 1648 publicou a Récit de la grande H[SpULHQFH GH O¶pTXLOLEUH Ges liquers. No campo da matemática escreveu nesse período (1648) o Generation des sections coniques.

O quadro-síntese elaborado a partir das Oeuvres complètes (PASCAL, 1954) permite um olhar concentrado com relação à vida, obra e contexto em que Pascal viveu no período da primeira conversão. Neste quadro os códigos representam respectivamente ER= experiência religiosa, AR= atividade religiosa, PC= produção científica, PG= produção geral, PR= produção religiosa, HV= história de vida, CR= cartas e CTX= contexto no qual Pascal viveu.

Quadro-1. Primeira conversão: síntese da vida, obra e contexto.

Fonte: Elaboração do autor tendo por base as cronologias apresentadas nas referências.

PERÍODO DESTAQUE DESCRIÇÃO

1646 (jan.) ER Primeiro encontro de Pascal com a espiritualidade jansenista. 1646 (ago-nov.) PC Com o matemático Pierre Petit, Pascal em Rouen repete a

PERÍODO DESTAQUE DESCRIÇÃO

1647 (fev.) ER Pascal com dois amigos denunciam ao arcebispo de Rouen, Jacques Forton, que foi constrangido a retratar-se sobre 12 proposições consideradas heréticas.

1647 (maio) HV Pascal doente fica em Paris junto com sua irmã Jacqueline. 1647 (23 e 24 set.) PC Pascal doente tem dois encontros com Descartes. Não encontrou

com ele campo de entendimento e polemiza sobre o vácuo. 1647 (out.) PC Pascal publica Expériences nouvelles touchant le vide . Inicia um

Traité du vide, do qual restam o prefácio e alguns fragmentos.

Envolve-se numa polêmica com o jesuíta P. Noel, um dos primeiros professores de Descartes, defensor de uma física aristotélico-cartesiana.

1647 (15 nov.) PC Carta ao cunhado Périer onde o convida a participar em Puy-de- Dôme de uma experiência para verificar as hipóteses de Toricelli sobre o vácuo. A experiência foi feita em 19 de setembro de 1648 e será repetida por Pascal em Paris, sobre a Torre de Saint-Jacques GH OD %RXFKHULH SHUPLWLQGR FRQFOXLU TXH D ³D QDWXUH]D QmR WHP QHQKXPDUHSXJQkQFLDSHORYiFXR´

1648 (26 jan.) CR Carta à irmã M. Perier na qual aborda questões pessoais como seu encontro com M. Rebours. Não comenta sobre religião.

1648 (fev.) PC Pascal escreve a Lettre à Le Pailleur contra Pe. Noel.

1648 (março) PC Completa o tratado Generatio conisectionum, perdido e salvo, em algumas partes organizadas por Leibniz.

1648 (1 abril) CR Carta de Pascal e de sua Irmã Jacqueline a Mme. Périer sobre discórdias familiares, percepções espirituais e questões gerais. Aborda tanto o sincero desejo da irmã de consagrar-se como religiosa quanto sua própria visão sobre a religião.

1648 (julho) HV Etiènne Pascal volta a morar em Paris.

1648 (out.) PC Publica 5HFLWGHODJUDQGHH[SpULHQFHGHO¶HTXLOLEUHGHVOLTXHUV

1648 (5 nov.) CR Carta de Pascal e de sua Irmã Jacqueline a Mme. Périer esclarecendo as discórdias familiares. Destaca-se de concepções religiosas.

1649 (maio) HV Obtém a patente da máquina de calcular. A família retorna a Clermont, onde Jacqueline vive retirada, enquanto Pascal continua a aperfeiçoar sua máquina.

CTX. Paris torna-se palco da Fronda, sublevação contra Mazarin (1602- 1661) comandada pelo partido homônimo durante a menoridade de Luiz XIV (1638-1715) e que precipitou a guerra civil (1648- 1653).

1650 (11 fev.) CTX. Morte de Descartes.

1650 (nov.) HV Etienne Pascal volta a se estabelecer em Paris com toda a família. 1651 (jul-ago). PC Pascal escreve duas lettres à M. de Ribeyre, para defender seus

direitos de prioridade na pesquisa sobre o vácuo, colocada em discussão. Redige ao mesmo tempo, sem concluir, o Traité du

vide, cujos fragmentos apareceram depois de sua morte.

1651 (24 set.) HV Morte de Etienne Pascal. Jacqueline cede sua parte da herança ao irmão que se compromete a dar-lhe a renda. Depois manifesta sua decisão de entrar em Port-Royal, fato que desagrada Pascal. Houve uma divergência entre eles sobre a constituição do dote. 1651 (17 out.) CR. Lettre de Pascal a Monsieur et Madame Périer a Clermont sobre a

morte de seu pai, na qual procura consolar a irmã, dando a visão cristã da morte, É uma meditação de grande densidade teológica.