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Sendo o fulcro deste capítulo a discussão em torno dos Objetivos das Plataformas Abertas de Ensino a Distância, é necessário, pelo menos, delinear qual a natureza das mudanças provocadas pelo seu advento, haja vista que estas não foram incrementais, mas sim, radicais, ou disruptivas (CHRISTENSEN; HORN, 2011).

4.1.1 Aulas versus Experiências de aprendizagem

Todo aprendiz que frequentou os bancos escolares, virtualmente em qualquer parte do mundo, há pelo menos vinte anos, pode se reportar a uma memória quase universal do modelo pelo qual as aulas, em sua maioria, eram desenvolvidas.

Os alunos conviviam em espaços físicos com carteiras organizadas de modo linear ou matricial, onde havia à disposição, lousa e giz, pelo menos. O seu agrupamento se dava a partir de algum critério tido como relevante (em geral, faixa etária). Todos deveriam seguir algumas orientações e regras básicas de comportamento no tocante a: vestuário, horário, etiqueta e especialmente de interação, para que então pudessem ser submetidos a explanações verbais, feitas por docentes, sobre os mais variados assuntos componentes da chamada grade curricular, adequados ao período equivalente na progressão educacional à qual estavam atrelados.

O ritmo ou velocidade destas explanações dependia muito mais do estilo docente adotado e da obrigatoriedade de cumprir os programas do que da necessidade ou perfil dos próprios alunos. As chamadas aulas podiam ser entendidas como períodos específicos de tempo (por exemplo, cinquenta minutos), nos quais os alunos deveriam ser expostos a um grupo de conceitos ou a um objetivo de aprendizagem, que deveria ser cumprido integral ou parcialmente, e sua completude seria depois avaliada mediante mecanismos padronizados, como: provas, chamadas orais, seminários e outros. Eram estanques, então, o conteúdo, o espaço físico, o método de ensino, a forma de avaliação etc. Até porque, em termos práticos, um professor com trinta alunos em uma classe, em uma escola formal e fiscalizada por algum órgão governamental, com a obrigação de ensinar conteúdos específicos ao longo de um ano,

não teria fisicamente como atender às demandas ou necessidades individuais e, portanto, diferentes.

Na realidade, ainda que perdure, dificilmente este paradigma de aulas mudaria sem o auxílio dos avanços tecnológicos que, entre outras vantagens, permitem aos alunos evoluir em seu próprio ritmo e de acordo com seu método preferencial de aprendizagem.

Atualmente, as aulas tradicionais começam a ser substituídas, ou pelo menos confrontadas, pelo que se pode chamar de Experiências de Aprendizagem. Tendo em vista a possibilidade de interagir com os alunos por meio da mediação tecnológica, uma “aula” não fica mais restrita ao tempo/espaço da sala paradigmática e tradicional. Uma Experiência de Aprendizagem não está limitada por distância, sincronicidade, estilo preferencial de aprendizagem, língua, ou qualquer outro fator debilitante neste escopo do antigo paradigma. Obviamente, supõe-se que aprendizes e professores ou tutores, ou orientadores, tenham acesso a algum recurso tecnológico.

No limite, inclusive, uma Experiência de Aprendizagem pode até prescindir de professores, como demonstram os experimentos conduzidos por Sugata Mitra (s.d.)2, sob o acrônimo de SOLE, que significa Self Organizing Learning Environments, e sob o sugestivo nome de “Buraco na Parede”.

Sugata Mitra foi o vencedor do prêmio TED 2013, com a proposta de construir uma “Escola na Nuvem”, para que as crianças pudessem explorar e aprender com as outras.

O projeto “Buraco na Parede” foi conduzido, primeiramente, em Nova Delhi, em 1999. Nele, e nas outras vezes em que foi replicado, demonstrou-se que crianças, na ausência de supervisão formal ou de professores, podem ensinar a si mesmas se estiverem motivadas por curiosidade e interesse entre os pares.

Mitra e seus colegas fizeram literalmente um buraco em uma parede numa favela urbana indiana, onde instalaram um computador conectado com a internet e o deixaram lá, com uma câmera escondida, filmando o que ocorreria. Foram documentadas crianças brincando com o computador e, no processo, aprendendo como usá-lo, como ficar on-line, e ensinando umas às outras, desde inglês até matemática.

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Pesquisador e inovador educacional indiano, e atualmente professor de Tecnologia Educacional na Universidade de Newcastle, no Reino Unido

O projeto “Buraco na Parede” demonstrou que, mesmo na ausência de um professor formal, um ambiente que estimule a curiosidade pode ocasionar o aprendizado pela autoinstrução e o compartilhamento, desde que esteja disponível o recurso tecnológico conectado a um repositório quase infinito, como a internet.

Esse fenômeno pode ser comprovado com a observação do aprendizado que ocorre nas diversas comunidades formadas em torno de temas como: programação de computadores, videogames, moda, apreciação de quadrinhos etc., nos quais, a troca de conhecimentos e experiências dos seus afiliados permite que eles aprendam o que consideram necessário e significativo. As experiências de aprendizagem, tudo indica, tendem a substituir a aula tradicional. A discussão relevante neste caso não é sobre se isto vai acontecer, mas em quanto tempo.

4.1.2 Design instrucional

A despeito da possibilidade de um ambiente de aprendizagem se “auto-organizar”, a naturezadeumaexperiênciade aprendizagem em geral é codificada com a prática do chamado

Design Instrucional, sobre a qual Romiszowski A. e Romiszowski L. (2005, p. 9) afirmam:

Em primeiro lugar, não podemos negar que as pesquisas científicas sobre o processo de aprendizagem, conduzidas nos laboratórios do Professor Skinner e outros behavioristas eram, cientificamente, válidas e bem conduzidas. Podemos concordar que a transferência dos resultados das pesquisas com animais no laboratório, para ensino do ser humano na escola, nem sempre foram tão válidas ou apropriadas. Mas, não podemos negar que, apesar dos fracassos, também houve sucessos, seja por meio de materiais instrucionais na forma de instrução programada, seja na aplicação dos princípios de condicionamento comportamental na formação de hábitos e atitudes. Também, o movimento que surgiu para por em prática as pesquisas de Skinner, criou outras técnicas e metodologias de planejamento sistemático do processo de ensino-aprendizagem, que sobrevivem até hoje. Foi naquela época que nasceu a área disciplinar de ‘tecnologia de educação’ e, portanto, a abordagem científica ao processo de planejamento de ensino, ou seja, o ‘design instrucional’. Embora, em sua origem, a expressão Design Instrucional (Instructional Design) estivesse fortemente associada à abordagem behaviorista, portanto, talvez, limitada a uma forma específica e limitante de entender os processos de ensino e aprendizagem, depois de algumas décadas, ela ganhou um corpo com muito mais relevância e substância, como se pode observar nas afirmações subsequentes dos mesmos autores:

Preferimos esclarecer ‘o que estamos falando’, usando termos diferentes para diversos ‘níveis’ ou subdivisões do processo geral de design. No nível ‘micro’, costumamos distinguir entre o design instrucional, entendido rigorosamente como ‘planejamento pedagógico do processo de ensino-aprendizagem’, e outras fases de planejamento tais como design visual / gráfico, design das mensagens em diversas mídias, design de interfaces, Web design, e assim adiante. No nível ‘macro’,

costumamos falar em design de sistemas educacionais/ instrucionais/ de treinamento / de desempenho, que se desdobram em projetos (tarefas de design) de subsistemas: de seleção, admissão, acompanhamento, suporte pedagógico, suporte técnico, avaliação, produção e revisão de materiais, e assim adiante. (ROMISZOWSKI A.; ROMISZOWSKI L., 2005, p. 36)

O Design Instrucional engloba, pois, diversas atividades e tarefas e tem lugar de destaque na concepção, desenvolvimento e operação das Plataformas Abertas de Ensino a Distância e, portanto, das Experiências de Aprendizagem nestas plataformas. O locus físico e conceitual da aula tradicional, incrementado pelo novo espaço virtual/cibernético das Plataformas Educacionais ainda está no início do seu processo de fusão e transformação, mas algumas características deste processo já estão bastante aparentes.

4.1.3 Escrituras expandidas

A transição do modelo de Aulas para Experiências de Aprendizagem, a partir de um esforço de Design Instrucional, assemelha-se ao conceito de Escrituras Expandidas, especialmente por ser a passagem de um modelo estanque e de menos variabilidade para um modelo aberto e de infinitas possibilidades.

A aula “analógica”, primordialmente verbal, linear em termos temporais e pouco interativa, substituída pelas novas possibilidades do mundo digital/tecnológico aplicado à educação, se enquadra numa concepção de expansão da escritura tradicional para um novo universo, no qual alternativas inovadoras começam a se desenhar velozmente.

Para Azevedo W. (2009, p. 7/9):

Nada no ambiente digital se manifesta de forma separada, não há reintrodução de elementos caógenos ou redundantes, tudo é fruto de uma escritura programada, uma escritura expandida. [...]

A poesia como objeto de uma cultura impressa e escrita do ponto-de-vista estético sempre nos pareceu algo pronto, encadernado, com capa dura, número de páginas definido, ou seja, todo um processo de editoração por trás deste objeto que possui gênero, estilo e significado e cuja resposta muitas vezes não se acha apenas lendo-o. O novo leitor da poesia digital tem de incorporar a desordem que se faz em seu próprio dispositivo, as sucessivas mudanças que envolvem uma rapidez cognitiva, mudando a hierarquia de sua sintaxe. Isso mobilizou os estudos da poética para formular categorias. Nem do lado do autor, nem do leitor – sem se questionar se estes dois elementos ainda existem neste ambiente – há significados prontos, que mesmo determinados por uma programação, deixam escapar em suas relações hipertextuais todo o sentido de credibilidade e registro para que possa ser validado. Analogamente à comparação feita por Azevedo W. entre a poesia impressa e a poesia digital, a aula “falada e analógica”, se comparada à experiência da aprendizagem digital, enseja a mesma discussão sobre a não existência de significados prontos. Neste novo

paradigma expandido, o aprendiz é, na verdade, cocriador da aprendizagem, no mínimo, e talvez um coprofessor.

A ideia de uma linguagem evolutiva em expansão pode ser notada pela articulação das escrituras adotadas pelo software da cultura digital e de como, a cada dia, podemos elucidar que uma reformulação cultural do fazer poético e da produção do conhecimento não passa apenas pela escrita verbal, e sim pela composição de uma escritura que abarca signos imagéticos e sonoros que se encontram em um estágio de expansão. É inevitável considerar o avanço tecnológico como um dado para a escritura expandida, pois esta coloca em xeque a própria produção artística e o fazer poético dos últimos cem anos. (AZEVEDO W., 2009, p. 12)

Além de colocar em xeque o fazer poético, o avanço tecnológico também coloca em xeque o fazer pedagógico, pelos mesmos motivos. A escritura expandida, que engloba tanto signos imagéticos como sonoros em expansão, influencia todos os processos de produção, comunicação, recepção, interpretação e assimilação de informações ou de conhecimento, quer seja na poesia, quer seja na educação.

Com isso, passamos a entender melhor que todo produto de uma operação hipermidiática tem sua origem nos processos de construção literária, bem como na sua característica de escritura, uma vez que seu modelo matemático no processo de simulação vai se expandindo – tanto na literatura como na hipermídia – tentando ocupar, cada vez mais, nos ambientes virtuais, uma escritura em movimento, sem começo, meio e fim, sem emissor e receptor predeterminado, sendo esta uma escritura de síntese digital, portadora de uma quase inteligência artificial. (AZEVEDO W., 2009, p. 42)

Nesta última afirmação, Azevedo W. adianta aquilo que talvez esteja na base da construção da chamada inteligência coletiva, ou seja, uma inteligência fluida, que não explicita começo, meio ou fim, pois se constitui da soma mais do que aritmética das inteligências de todos os seus cocriadores conectados em rede e se utilizando de uma escritura expandida para se comunicar ou significar sua participação.

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