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Contextualização e relevância do bioquerosene no controle de emissões de gases de

A cada dois anos, a OECD publica seu “Science, Technology and Innovation Outlook”. Em sua última edição, de 2016, um capítulo dedica-se às grandes tendências que afetam a

ciência, a tecnologia e a inovação. Essas são separadas em oito grandes áreas, dentre elas, recursos naturais e energia. A preocupação gira em torno de uma situação de população em crescimento combinada ao crescimento econômico que, dentre outros desafios, pressiona a um aumento de consumo de energia e de pressão sobre os recursos. Prevê-se um aumento de 37% do consumo mundial de energia entre 2012 e 2040. O consumo de biocombustíveis deve representar cerca de 27% do total de combustível utilizado em transporte em 2050. Em 2011, a proporção de uso do biocombustível em relação ao total de combustíveis foi de 2%. Novos mercados para energia renovável dependem de tecnologias disruptivas, incentivados por investimento em P&D e parcerias público-privadas estratégicas (OECD, 2016). De acordo com Wright et al (2009), tecnologias disruptivas são “descobertas científicas que causam um rápido avanço na capacidade de um produto ou tecnologia e fornecem a base para um novo modelo competitivo”, como a geração distribuída de eletricidade, descrita pelos autores.

No Brasil, de acordo com o Balanço Energético Nacional 2017, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no ano de 2016 foram consumidos, pelo setor de aviação, 4.019 103 m3 de querosene. Nos últimos dez anos, o consumo de querosene de aviação aumentou em

26%. Somente entre 2007 e 2012, o crescimento foi de 43% (EPE, 2017). Com o crescimento da utilização do querosene, faz-se necessário compreender seu impacto em termos do crescimento das emissões de CO2.

Em 1999, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC – sigla em Inglês) realizou, a pedido da ICAO (International Civil Aviation Organization) e das partes do Protocolo de Montreal6, um relatório para entender a contribuição do setor de aviação na destruição da camada de ozônio e os impactos de diferentes medidas de mitigação. O documento aponta que as principais emissões são de dióxido de carbono (CO2), óxido nítrico e

dióxido de nitrogênio (NOx) e óxidos sulfúricos (SOX). A peculiaridade de um estudo desse

tema, no entanto, está em investigar emissões lançadas diretamente na parte alta da troposfera e baixa da estratosfera, impactando a composição da atmosfera de forma diferente de emissões produzidas em solo. As emissões de NOx no alto da troposfera são mais efetivas para produzir

ozônio que aquelas realizadas na superfície terrestre, e tendem, portanto, a colaborar mais para o aquecimento global (IPCC, 1999). Em 1992, as emissões do setor de aviação eram

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Tratado assinado no final em 1987, em que países signatários se comprometiam a tomar ações de controle, redução e conscientização a respeito da emissão de substâncias destruidoras da camada de ozônio, como o CFC. (UNITED NATIONS, 1989)

responsáveis por 2% do total de emissões antropogênicas de dióxido de carbono, e 13% do total do setor de transportes, somente. IPCC (1999) projetava, ainda, que no período compreendido entre os anos de 1990 e 2015, o indicador utilizado em aviação civil, passageiros-quilômetro, cresceria 5% ao ano, enquanto a aviação total, que inclui também carga e militar, cresceria 3%. Para mitigar esse impacto, o relatório enxerga como opção melhorias mecânicas, em práticas operacionais e em combustíveis. À época da elaboração do documento, entretanto, combustíveis alternativos não tinham níveis de desenvolvimento tecnológico suficientes para serem considerados em um dos cenários estudados, nem pareciam que teriam em um horizonte de décadas:

“There would not appear to be any practical alternatives to kerosene-based fuels for commercial jet aircraft for the next several decades” (IPCC 1999)

Menos de dez anos depois, em fevereiro de 2008, a BBC (British Broadcasting Corporation) noticiava a primeira aeronave a decolar utilizando biocombustível, da Virgin Atlantic, que voou entre Londres e Amsterdam, utilizando biocombustível derivado de babaçu e óleo de coco para alimentar uma de suas quatro turbinas. Em junho de 2011, a KLM realizava o primeiro voo comercial, com 171 passageiros a bordo, de Amsterdam a Paris, utilizando uma mistura de 50%-50% de biocombustível e combustível fóssil. Atualmente, são diversos voos ao dia.

A ICAO, ou International Civil Aviation Organization, é uma agência especializada da Organização da Nações Unidas. Atualmente com 192 países membros e corporações, foi estabelecida em 1944, com o propósito de gerenciar a administração e a governança da Convenção da Aviação Civil Internacional. Em 2013, em sua 38ª Sessão de Assembleia, adotaram a resolução A-38-18, que dispõe que seus membros trabalhariam juntos para alcançar, em 2020, o crescimento zero de emissões de carbono, independente do crescimento anual do setor. Para alcançar esta meta, o ICAO definiu uma série de medidas, como melhorias no mecanismo da aeronave, performance, peso de aeronave, melhorias operacionais (como orientações de tráfego aéreo), medidas de mercado (MBMs, ou “Market based measurements”, ferramentas políticas desenhadas para incentivar o alcance de metas ambientais, mais flexíveis que medidas regulatórias tradicionais, como o mercado de emissões de carbono) e adoção de combustíveis alternativos sustentáveis (ICAO, 2018).

De acordo com ATAG – Air Transport Action Group (2011), a maior oportunidade para se atingir os objetivos de redução de carbono é através do uso de combustíveis alternativos ao

fóssil. Para ser viável nas operações, a primeira característica do biocombustível é que ele deveria ser “drop-in”, ou seja, que não exija modificações nas aeronaves (turbinas) e instalações para seu abastecimento. Para tal, diversas são as exigências e especificidades requeridas em relação ao combustível de aviação: alta densidade energética (para minimizar a quantidade a ser carregada), rápida evaporação e atomização, baixo risco de explosão, viscosidade apropriada, estabilidade físico-química e baixo ponto de congelamento (CREMONEZ et al, 2015; MAHWOOD et al., 2014). Em agosto de 2009, a certificadora ASTM (American Society for Testing and Materials) aprovou a norma D7566, “Standard Specification Aviation Turbine Fuel Containing Synthesized Hydrocarbons”, que determina os requisitos mínimos para o bioquerosene e os aditivos aceitáveis. A D7566 permite o uso de biocombustíveis obtidos através dos processos conhecidos por Fischer-Tropsch (FT) e HEFA, os quais voltarão a ser comentados mais adiante, em mistura de até 50% com combustível convencional, o querosene (QAV), dentre outras especificações (ASTM, 2017).

O custo da bioquerosene de aviação, entretanto, ainda não é atraente para as companhias aéreas. Segundo ATAG (2011), a adoção de biocombustível implicaria em dobrar o custo em combustível – e, por conseguinte, o preço das passagens. A aproximação desse custo ao do combustível fóssil pode vir de dois lados: políticas públicas que penalizem financeiramente usuários de combustível fóssil e redução do custo de produção e distribuição de biocombustíveis.

Em 2012, a emissão de CO2 pelo setor aéreo europeu foi incluída no “EU Emission

Trading System”, o primeiro e maior mercado de créditos de carbono do mundo. Qualquer voo que entre ou saia da Europa é considerado na exigência de controle de emissões. Em 2011, a tonelada equivalente do carbono estava cotada em 16 euros – o que impactava em no máximo 3% de aumento no combustível fóssil, mas a previsão de ATAG (2011) é que a tendência ao aumento de emissões em geral impacte em aumento do preço da tonelada de carbono, chegando a dobrar o preço do combustível fóssil por volta de 2050. Em 23/05/2018, o valor da EUAA (European Aviation Allowances – “permissão” de emissão de carbono para aviação na Europa) estava em 15,91 euros por tonelada de carbono, na EEX (European Energy Exchange, plataforma de negociação para energia e commodities) (EEX, 2018). Além da necessidade de compra de créditos para emissão, a própria tendência de reservas cada vez menos acessíveis e escassez de petróleo deve cuidar de encarecer o preço do querosene ao longo do tempo, ou ao menos expô-lo a flutuações indesejáveis (HARI et al 2015), como as demonstradas na Figura 08:

FIGURA 8: OSCILAÇÃO DE PREÇO DO PETRÓLEO ENTRE 1985 E 2017.

Fonte: Bloomberg (2018), acessado em 15/03/2018 e traduzido pela autora.

Na Holanda, foi instalado o BioPort Holland. A partir de uma carta de intenções assinada em 2013 pelos Ministérios holandeses de Relações Exteriores e o de Infraestrutura e Meio Ambiente, a SkyNRG, KLM, Porto of Rotterdam e Neste Oil, o Bioport foi criado, com o objetivo de instalar uma cadeia de produção de bioquerosene para atender o aeroporto de Schipol. Além dos benefícios ambientais, a empresa destaca benefícios socioeconômicos: criação de empregos e desenvolvimento regional, redução da volatilidade de preços, aumento da segurança energética (SkyNRG, 2018).

5.1.1 Cenário para o bioquerosene no Aeroporto de Viracopos

Com o intuito de compreender a possibilidade de atuação regional, construiu-se um cenário de atendimento à demanda potencial de bioquerosene no Aeroporto de Viracopos. Para tal, foi realizada entrevista com o sr. Sérgio Moraes, colaborador do Planejamento Financeiro do Aeroporto. Em contato pessoal, sr. Sérgio informou que o consumo de querosene em Viracopos, em 2017, foi de 292 milhões de litros. Foi informado, também, que a expectativa de crescimento do aeroporto até 2030 é de 4,5% ao ano. 2030 foi escolhido como ano de início de operação da planta em análise por ser o ano em que o Brasil já deverá estar adequado ao

compromisso com o CORSIA. Além disso, proporciona tempo hábil para a prospecção de membros por parte do Agropolo Campinas e construção da infraestrutura necessária e outros elementos da cadeia de bioquerosene. Ao projetar os 292 milhões de litros de 2017 a uma taxa de crescimento anual de 4,5%, encontra-se 517 milhões como expectativa da demanda total de querosene para o Aeroporto de Viracopos em 2030. Para uma mistura inicial, admitiu-se 10% desta demanda total como combustível proveniente de fonte renovável, o que leva a um volume de 51,75 milhões de litros. A especificação da ASTM permite até 50% na mistura, mas nem todos os voos são internacionais – com obrigações perante o CORSIA – e os que o são podem optar por misturar em uma proporção menor para mitigar custos.