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Os agentes participantes na cadeia de produção de bioquerosene devem trabalhar para reduzir seus custos e tornar seu produto mais competitivo, independente da oscilação de preços relativa ao mercado de combustível fóssil, seja através de melhorias na produtividade da matéria-prima, no processo de extração de óleo ou açúcar, ou na conversão em combustível. ATAG (2011) elenca seis passos para a viabilização da cadeia de biocombustível de aviação: (1) Fomentar a pesquisa em novas possibilidades de matéria-prima e de processos de produção; (2) Diminuir o risco do investimento, tanto público como privado, no setor; (3) Incentivar o uso de biocombustíveis pelas companhias aéreas, mesmo em seu estágio inicial; (4) Encorajar

stakeholders a comprometerem-se com critérios internacionais robustos de sustentabilidade; (5)

Compreender oportunidades locais de crescimento “verde” e (6) Estabelecer coalisões que envolvam todas as etapas da cadeia de suprimento. Observando os seis itens, é possível materializar a função de cada hub do Agropolo Campinas como facilitador da viabilização da cadeia, uma vez que, conforme descrito no capítulo 04, deverá ter a função de articulador da realização de pesquisa, desenvolvimento e inovação. O fomento da pesquisa se dá estreitando o caminho entre oferta de pesquisadores e trabalhos e demanda de soluções. A diminuição do risco se dá através da participação no hub em si, pois permite que diversos atores que compartilhem de um mesmo interesse possam pulverizar o risco entre eles. No item (3), novamente, o papel de facilitador proposto pelo hub leva a proposta de uso do combustível desenvolvido até seus potenciais consumidores. O item (4) será consequência de eventos e

própria missão do Agropolo Campinas-Brasil, “promover o desenvolvimento sustentável da região de Campinas através da Bioeconomia”. O item (6) descreve a forma de trabalho do hub, com base nas experiências observadas e descritas no capítulo 02. De agricultores a ICTs, de companhias aéreas a investidores-anjo, governo, ONGs ambientais, todos ganham em fazer parte da associação.

Segundo Hari et al. (2015), o negócio do bioquerosene pode ser bastante vantajoso, especialmente para países em desenvolvimento, que possuam terra disponível para o cultivo dos insumos sem que haja competição com produção de alimentos. A controvérsia da competição entre biocombustíveis e alimentos (food x fuel) é apontada por Cortez et al (2014) como ponto de avaliação da sustentabilidade da operação. O Brasil tem a seu favor a disponibilidade de terras, vinda da ampla ocorrência de pastagens degradadas e gado criado de forma extensiva, que permitiria uma readequação do uso da terra sem pressão sobre a Floresta Amazônica, a maior preocupação quando se fala em expansão da fronteira agrícola. De qualquer forma, apesar de, em comparação ao fóssil, a utilização de recursos renováveis para a fabricação de combustíveis apresentar-se mais sustentável, não se pode perder de vista impactos ambientais locais e questões para a saúde humana, como utilização de fertilizantes e pesticidas nas culturas, uso e poluição da água, dentre outras preocupações pertinentes à agricultura (HARI et al, 2015). No caso do cultivo da cana-de-açúcar, o problema do uso da água é mitigado, tanto pela pouca utilização de irrigação, dadas as condições climáticas, quanto pela fertirrigação das áreas cultivadas utlizando a vinhaça, subproduto do processo de produção das usinas de cana-de-açúcar, rica em potássio (CREMONEZ et al, 2015).

Seguindo na cadeia produtiva, na etapa de produção, sete são as principais rotas tecnológicas descritas na literatura: BTL (biomassa para líquido), que utiliza o processo de Fischer-Tropsch, HDCJ (hidroprocessamento celulósico despolimerizado), ATJ (alcohol to jet), FTJ (fermentação para jet), APR (aqueous phase reforming), LTJ (lignina para jet) e HEFA (ésteres e ácidos graxos hidroprocessados), a rota considerada em estágio mais avançado (MAHWOOD et al., 2014). O método de Fischer-Tropsch faz referência aos nomes de seus criadores, que patentearam a síntese de hidrocarbonetos lineares a partir de uma mistura de hidrogênio e monóxido de carbono chamada de syngas (synthetic gas) (CHIODINI et al., 2017). Este, por sua vez, é obtido pelo processo de gaseificação. De acordo com a apresentação do GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) no Seminário de Desenvolvimento Sustentável e Descarbonização, realizado em 2017 por, dentre outros, UBRABIO (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene), o horizonte de se ter uma planta

piloto técnica (menos de 1m3 ao dia de produção e contínua por alguns períodos) nessa tecnologia é 2020. Uma planta piloto comercial (de até 10m3 ao dia e operação contínua) deve surgir antes de 2030, mas depende de encontrar um “nicho comercial”. Uma planta comercial, de até 100m3 ao dia e operação contínua, ainda não se tem expectativa de realização (GIZ, 2017). A HEFA, por sua vez, consiste em saturar as ligações duplas de uma molécula (do óleo vegetal utilizado como insumo) com hidrogênio, em um reator, sob determinadas pressão e temperatura, através de um processo conhecido como “hidrogenação” (VÁSQUEZ et al., 2017). Atualmente, no Brasil, o uso de bioquerosene de aviação está regulamentado pela Resolução ANP (Agência Nacional do Petróleo) n. 63 de 05/12/2014, em linha com a determinação da ASTM. Pode ser misturado em até 50% do volume o SPK (synthesized paraffinic kerosene), seja através do processo de Fischer-Tropsch, seja obtido via HEFA ou em até 10% do volume o SIP (synthesized iso paraffinic). Não é permitida a adição de mais de um tipo de biocombustível, ainda que respeitado o limite de porcentagem (ANP, 2014). Em fevereiro deste ano (2018), a ANP realizou um evento para debater alterações na legislação brasileira a respeito do combustível de aviação. O objetivo é alinhar as especificações brasileiras à internacional e incentivar o uso de biocombustíveis, de forma a colocar o Brasil concretamente no caminho da meta de redução de emissões pelo setor aéreo. A ação, além de seguidora das diretrizes propostas pelo ICAO, está alinhada ao RenovaBio, política do Ministério de Minas e Energia em construção, que incentiva o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris7, mas também tem como proposta a expansão dos biocombustíveis na matriz brasileira, aumentando a regularidade do abastecimento e a previsibilidade do mercado de combustíveis.

O estudo de caso explorado neste trabalho tem base em Klein e colaboradores (2018) e utiliza as mesmas premissas consideradas para suas plantas. O artigo, publicado na revista “Applied Energy”, trata-se de publicação das mais recentes sobre bioquerosene no Brasil. Os autores avaliam três rotas tecnológicas para a produção de bioquerosene de aviação, em um contexto de biorrefinaria integrada à usina de cana-de-açúcar: HEFA, Fischer-Tropsch e ATJ (alcohol-to-jet). Para HEFA, são avaliados os cenários com utilização de óleo de palma, macaúba e soja, como insumo. Para Fischer-Tropsch, são considerados os cenários para gaseificação da lignocelulose da cana somente e também um para cana e eucalipto, que seria

7 Acordo entre países estabelecido durante a COP 21 para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, no sentido

de manter o aumento da temperatura média global inferior a 2º C acima dos níveis pré-industriais (MMA – Ministério do Meio Ambiente, 2018; UNITED NATIONS, 2015).

utilizado durante a entressafra da cana. ATJ converte isobutanol ou etanol em combustível para aviação. Cada cenário tem seu aspecto técnico, econômico e ambiental avaliado, incluindo necessidade de insumos adicionais, como eletricidade e hidrogênio, ao processo. Dos oito cenários descritos em Klein et al. (2018), o que obteve melhores resultados foi o de Fischer- Tropsch com a utilização de cana apenas: melhor redução de emissões, em comparação ao combustível fóssil, e menor custo (KLEIN et al. 2018).

Mahwood et al. (2016) compartilham a ideia de que a rota tecnológica de Fischer- Tropsch não está pronta para operação comercial. Os autores utilizam uma análise de “Fuel Readiness Level” (FRL) que, com base na metodologia de “Technology Readiness Level”, da NASA, estabelece nove níveis, com seus respectivos marcos, conforme descrito em Mahwood et al. (2016):

1) Princípios básicos: identificação da matéria-prima e dos processos básicos;

2) Conceito tecnológico formulado: identificação da matéria-prima e do processo completo;

3) Prova do conceito: produção em escala laboratorial, balanço de energia calculado para avaliação ambiental inicial, validação das propriedades básicas do combustível;

4) Avaliação técnica preliminar: estudos de performance e integração de sistema; 5) Validação de processo: a escala passa do laboratório para planta-piloto;

6) Avaliação técnica de escala total: condução de testes para certificação pela ASTM (avaliação de propriedades “fit-for-purpose”, teste de seção quente da turbina);

7) Certificação e aprovação de combustível: listagem completa em padrões internacionais; 8) Comercialização: modelo de negócio validado para produção, acordos de compra por companhias aéreas assegurados, avaliação independente de emissão de gases de efeito estufa de planta específica conduzida de acordo com metodologias internacionalmente aceitas;

9) Estabelecimento de capacidade produtiva: operação de planta em escala total. (Adaptação de tabela em MAHWOOD et al., 2016, p. 465)

Mahwood et al (2016) afirmam que o processo mais desenvolvido em termos de FRL (Fuel Readiness Level) é o HEFA. Em 2016, passou a operar na Califórnia, em escala comercial, uma planta da AltAir, utilizando a rota tecnológica mencionada. Um acordo de fornecimento de aproximadamente 57 milhões de litros de bioquerosene, em três anos, foi firmado entre a fabricante e a United Airlines, para voos saindo do aeroporto de Los Angeles.

A AltAir também fornece contratualmente bioquerosene para a US Navy (LANE, 2016). De acordo com o critério apresentado por Mahwood et al (2016), pode-se, portanto, considerar a rota tecnológica HEFA no mais alto grau de maturidade.

Em termos de perspectiva de mercado para o bioquerosene de aviação, Gegg et al. (2014) entrevistaram 25 empresas do setor, entre companhias aéreas, fabricantes de peças, consultorias e outros. Como resultado, observaram que o principal motivador da adoção do biocombustível de fato é a redução de emissão de carbono. Outros cinco, no entanto, foram detectados nas entrevistas. Segurança energética predomina como motivador, no caso da utilização militar e em companhias brasileiras. Volatilidade de preço do petróleo, legislação (sendo a política de comercialização de emissões da União Europeia, o EU ETS citada por 20 dos 25 entrevistados), falta de alternativas para a “descarbonização” e a criação de novas oportunidades de negócios foram os outros motivadores mais citados. Nesta última, reconhece- se a desvantagem no curto prazo, mas alguns entrevistados revelaram expectativas de ganho substancial para o longo prazo. Por outro lado, em termos de restrições, a mais citada foi o alto custo de produção atual. Os autores comentam, entretanto, que as estimativas são de que até 2030 haverá paridade de preço entre o querosene fóssil e o bioquerosene. Vieram à tona ainda restrições como falta de investimento (devido principalmente à incerteza inerente a uma nova tecnologia e a falta de respaldo governamental para compensar a condição), oferta sustentável de insumos (no sentido de não haver uma cadeia instalada para esse fim), legislação inadequada (já disponível no caso de biocombustíveis para veículos terrestres, mas em falta com aviação), severidade no controle ambiental de biocombustíveis (curiosamente apontado por petroquímicas que participaram da pesquisa) e falta de certificação para a cadeia de produção (específico para o caso do Reino Unido e Europa, em que não é aceito o certificado da ASTM e, como consequência, há necessidade de separação das tubulações de fornecimento) (GEGG et al., 2014).

5.3 Avaliação de investimento e preço mínimo de venda de produto na rota tecnológica