• Nenhum resultado encontrado

2. A CONTRARREFORMA DO ESTADO E AS POLÍTICAS DE

2.1. Contextualizando o município de Chapecó∕SC

A despolitização do processo de abertura do Estado para a sociedade, presente no cenário descrito, é um dos elementos que ainda possui grande implicância no atual panorama das políticas sociais. Seus reflexos incisivos, por exemplo, podem ser observados e analisados no âmbito da gestão da seguridade social brasileira em que as políticas de previdência, saúde e assistência social seguem geridas por ministérios e orçamentos específicos, sem a necessária articulação. Na esfera da previdência, de acordo com Behring e Boschetti (2008, p. 163), um dos principais paradoxos é a exclusão quase total dos trabalhadores (principais “financiadores”) da gestão da política mediante a alegação de que a seguridade social é matéria de natureza técnica. Na área da saúde, o principal paradoxo é que o SUS, fundado nos princípios da universalidade, equidade, integralidade das ações, regionalização, hierarquização, descentralização, participação dos cidadãos e complementaridade do setor privado, vem sendo minado pela péssima qualidade dos serviços, pela falta de recursos, pela ampliação dos esquemas privados que sugam os recursos públicos e pela instabilidade no financiamento. Quanto à área da assistência social, apesar dos avanços inerentes a sua defesa e ao aumento dos “incluídos”, vale ressaltar que o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) ainda não está presente em todos os municípios brasileiros e também é afetado pelos efeitos da “publicização”, ou seja, o repasse de serviços para a esfera pública não-estatal.

Diante de tal contexto, cabe enfatizar a demanda pelo fortalecimento do debate a partir da pesquisa em realidades específicas que, embora particulares, possibilitam a visualização da contrarreforma do Estado na gestão e execução das políticas sociais no contexto atual. Entende-se neste trabalho, conforme define Barbosa (2004, p. 67), que a gestão se refere tanto à questão técnica de controle do trabalho – sua organização, recursos materiais e trabalho vivo – “tendo em vista produtividade e eficiência”, assim como a “materialização das relações entre os agentes diferenciados do processo produtivo do serviço e da área mais abrangente em que está inserido”. Ou seja, a gestão do trabalho se realiza por meio de dispositivos de disputa e convencimento,

utilizando-se de recursos de poder atravessadores do conjunto das práticas sociais e ações disciplinadoras no trabalho; é um processo “tanto de produção material de coisas como de relações sociais e experiências sobre elas”, envolvendo não somente dimensões técnicas e econômicas, mas modos políticos e ideológicos de organização do trabalho, de relações entre os trabalhadores, destes com os gestores e com a população usuária. No entanto, no projeto de “reforma” do Estado, considerando a intensificação e legitimação do repasse de serviços do Estado para a esfera pública não-estatal e iniciativa privada, a gestão assume uma perspectiva fragmentada, haja vista que a execução das políticas não ocorre do mesmo lugar em que estas são pensadas, existindo uma esfera do planejamento das ações e das disputas inerentes e outra de execução dos serviços, autônoma, quase que isenta da interferência do Estado – legítimo gestor dos serviços. Desta forma, quando se utiliza, neste trabalho, o termo execução junto ao termo gestão, tem-se a intencionalidade de retratar a fragmentação existente neste processo.

Frente à aproximação à realidade do município de Chapecó – localizado na região Oeste de SC, em especial no âmbito da saúde e assistência social, pode-se perceber as incidências da realidade macrossocial na forma de gestão e execução de tais políticas.

O município catarinense de Chapecó foi criado em 1917 e, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possuía no ano de 2009 uma população de 174.187 habitantes, sendo 93% na área urbana e 7% na área rural. Com extensão territorial de 624 Km² e localizado a 569 km de distância da capital do estado (Florianópolis), o município de Chapecó configura-se como importante polo econômico da região Oeste de SC, haja vista que exerce influência sobre cerca de 200 municípios e uma população de mais de um milhão de habitantes e concentra a sede das principais empresas processadoras e exportadoras de suínos, aves e derivados do Brasil. Também possuem presença marcante ramos industriais como metal-mecânico, móveis, plásticos, bebidas, alimentos e confecções. Atualmente, as agroindústrias são a base da economia do oeste do estado, juntamente com o turismo rural.

Apesar do crescimento econômico evidenciado, de acordo com o mapa de pobreza e desigualdade dos municípios brasileiros (2003) do IBGE, a incidência da pobreza no município de Chapecó é de 33,77%, estando num patamar elevado em relação ao conjunto dos municípios catarinenses – elemento este que indica a existência de desigualdades sociais locais. A gestão do município está a cargo de coligação liderada

pelo Partido dos Democratas (DEM) desde o ano de 2005, sendo que nos dois mandatos anteriores – no período de 1997 a 2004, o município contou, historicamente, com a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) que, até então, nunca havia ascendido ao poder. Neste sentido, apesar das importantes mudanças empreendidas no âmbito da participação democrática, deu-se o retorno dos partidos de direita – sob influência dos interesses de grupos na liderança das elites econômicas locais.

Para desvendar o objeto em estudo, far-se-á, primeiramente, uma abordagem da gestão e execução das políticas de saúde e assistência social no período de 1997 a 2004, quando a direção política e administrativa do município esteve a cargo do PT, para, na sequência, evidenciar elementos da contrarreforma do Estado brasileiro presentes no desenvolvimento de tais políticas nas gestões seguintes, dadas no período de 2005 a 2010, no que concerne ao desenho institucional e parceria com a sociedade civil, reduzida às organizações públicas não- estatais e privadas (conforme definido no projeto de “reforma” do Estado brasileiro de Bresser Pereira), ou seja, no que se refere à participação direta desta esfera no desenvolvimento de programas e serviços inerentes às políticas sociais em análise.

A pesquisa desenvolvida e ora apresentada possui caráter qualitativo e compreendeu duas fontes de coleta de dados: documental e de campo. A pesquisa documental foi realizada por meio da consulta a documentos diversos que integraram os dois períodos em questão (1997- 2004 e 2005-2010) e a pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas. Para uma melhor compreensão, os quadros abaixo mostram a organização da pesquisa de campo e os documentos consultados.

Política Período Entrevistado Designação no texto

Saúde

1997-2004 Ex-gestor Entrevistado I – Período 1997-2004

1997-2004 Ex-gestor Entrevistado II – Período 1997-2004

2005-2010 Gestor Gestor – Saúde 2005-2010 Técnico Técnico – Saúde 2005-2010 Parceiro Parceiro A – Política de

Saúde

2005-2010 Parceiro Parceiro B – Política de Saúde 2005-2010 Parceiro Parceiro C – Política de Saúde

Assistência

Social 1997-2004 Ex-gestor

Entrevistado III – Período 1997-2004

1997-2004 Ex-gestor Entrevistado VI – Período 1997-2004

2005-2010 Gestor Gestor – Assistência Social 2005-2010 Técnico Técnico – Assistência Social 2005-2010 Parceiro Parceiro A – Política de

Assistência Social 2005-2010 Parceiro Parceiro B – Política de

Assistência Social 2005-2010 Parceiro Parceiro C – Política de

Assistência Social

Quadro 1 – Organização da pesquisa de campo: entrevistas realizadas. Chapecó. 2010.

Fonte: Construção da autora (2011).

Política Período Documentos consultados

Saúde

1997-2004

PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ.

Saúde Chapecó: construindo o SUS no

município, Chapecó: PMC, 1998.

1997-2004

PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECO.

Saúde Chapecó: construindo o SUS no

município, 3 ed., Chapecó: PMC, 2004. 2005-2010 Organograma (2010).

2005-2010 Relação dos prestadores privados com os respectivos contratos (2010).

2005-2010

Relação de empresas e profissionais disponibilizados por meio do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Associação dos municípios do Oeste de Santa Catarina (CIS- AMOSC) (2010).

2005-2010

CHAPECÓ. Lei Complementar nº 339∕2009 – Dispõe sobre a organização do Poder

Executivo Municipal (Art. 38 – Art. 55).

Assistência Social

1997-2004

PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ.

Política de Assistência Social e Habitação:

desigualdade se combate com direitos, Chapecó: PMC, 2003.

1997-2004

PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ.

Política de Assistência Social e Habitação:

garantindo direitos e autonomia, Chapecó: PMC, [2004].

2005-2010 Organograma (2010).

2005-2010

CHAPECÓ. Lei Complementar nº 339∕2009 – Dispõe sobre a organização do Poder

Executivo Municipal (Art. 80).

2005-2010

CHAPECÓ. Lei Complementar nº 229∕2005 – Cria a Fundação de Ação Social de Chapecó (FASC), e dá outras providências.

Quadro 2 – Demonstrativo da pesquisa documental: documentos consultados. Chapecó. 2010.

Fonte: Construção da autora (2011).

Mediante tais procedimentos metodológicos, buscou-se identificar os principais elementos constitutivos da contrarreforma do Estado brasileiro no âmbito das políticas de saúde e assistência social na esfera municipal, com base num lócus específico, o município de Chapecó.

2.2. Gestão e execução das políticas de saúde e de assistência social