• Nenhum resultado encontrado

Os limites da interferência do Estado na execução não-estatal dos

2. A CONTRARREFORMA DO ESTADO E AS POLÍTICAS DE

2.3. As políticas de saúde e de assistência social em Chapecó no

2.3.3. Os limites da interferência do Estado na execução não-estatal dos

Faz-se necessário discorrer também acerca dos limites da interferência do Estado na execução não-estatal das políticas de saúde e de assistência social, tendo como base pressupostos já elencados anteriormente neste trabalho a partir de Silva, Jaccoud e Beghin (2005).

Neste sentido, ressalte-se que o financiamento inerente à execução não-estatal da política de saúde, ou seja, o repasse de recursos e subsídios, ocorre, quase em sua totalidade, sem planejamento conjunto de objetivos. De acordo com o Gestor municipal da área da saúde, o planejamento conjunto de objetivos é mais recorrente no caso de parcerias com organizações não-estatais e com órgãos do próprio governo:

[...] quando se trata de órgãos filantrópicos ou não-governamentais, não privados, a gente acaba também participando. Com a Universidade, nós também acabamos interferindo, porque é uma relação mútua, então nós também interferimos no planejamento deles; a rede, na medida em que ela participa diretamente no acolhimento desse acadêmicos, ela também força a Universidade a redimensionar várias coisas. Assim como, também com outras instituições, a instituição lá de parceria com a FASC lá no Centro de Convivência dos Idosos, esse planejamento é feito de forma conjunta com a FASC. Na Cidade do Idoso, da mesma forma. O SASE, que nós temos, que é o

Serviço de Atenção à Saúde Escolar, é uma parceria com a educação. Então existe um planejamento conjunto. Então depende quem é o parceiro, mas quando é privado, nós não interferimos, nós compramos serviços (Gestor – Saúde).

Tais pressupostos foram reforçados em entrevistas realizadas com Parceiros da política de saúde, ao enfatizarem a existência de padrões e protocolos internos que não recebem interferência do poder municipal, sem isentar-se, todavia, dos processos fiscalizatórios determinados. Segundo um dos Parceiros da política de saúde entrevistado:

A interferência que tem é positiva. A interferência de quando nós precisamos de alguma coisa que algumas vezes o sistema não tem ou é um pouco mais difícil e que nós conseguimos argumentar e justificar que é uma situação especial, tem todo o apoio deles. Então, uma relação... ótima! (Parceiro B – Política de Saúde).

O financiamento inerente à execução não-estatal da política de assistência social, assim como no caso da política de saúde, também ocorre, em sua maioria, sem o planejamento conjunto de objetivos. Conforme Gestor da assistência social, as organizações possuem autonomia, contudo, são submetidas a um processo de monitoramento e avaliação, sobre o qual deixou transparecer aspectos que “deveriam ser”, mas com poucos elementos que certificam esta prática:

A entidade tem autonomia. Obviamente, nós temos na FASC o monitoramento e avaliação, que é perante o Conselho da Assistência. A FASC tem na sua equipe de trabalho que é o processo de trabalho que precisa ainda de muito investimento. Hoje nós estamos aí no advento de um Sistema Único da Assistência, que é muito precoce ainda. E, por parte do governo federal, ainda está a sofrer as devidas regulações. Então, nós também estamos aí acompanhando este processo. E é muito claro, isso é muito real para a gente que é preciso que o monitoramento e avaliação realmente seja um processo permanente, dinâmico, bem abrangente (Gestor – Assistência Social).

Com relação à autonomia das organizações parceiras do Estado, destacada pelo entrevistado acima, vale indicar que esta tem

relação com a preocupação de tais organizações em continuarem atuando em prol de seus interesses e objetivos. Estes, apesar de, às vezes, confluírem com interesses e funções do Estado e serem por ele financiados, não permitem sua interferência.

A autonomia das organizações frente aos serviços prestados com a utilização de recursos públicos no lócus da pesquisa foi reforçada pelos parceiros da política de assistência social entrevistados. Segundo Parceiro B entrevistado no âmbito da política supracitada, cuja mantenedora é a Igreja Católica, existe uma regra posta acerca da não interferência na filosofia e linha de trabalho da organização:

[...] o bispo disse: „A filosofia é nossa‟. O trabalho é nosso e não tem essa questão; até está aberto para fiscalização, porque a FASC, que faz isso, tem a equipe de avaliação e monitoramento; eles vêm aqui, fiscalizam. Nós fizemos todo o ano a renovação da inscrição no Conselho de Assistência e para isso lá é exigido relatório. Então essa parte sim. A gente até é convidado para participar de alguns encontros de formação, reuniões, mas eles sabem que, mesmo eu sendo cedida da Prefeitura, tem essa questão, que eles deixam, até porque o bispo deixou bem claro: „A linha de trabalho é nossa‟. Eu sinto assim, enquanto profissional, eu tenho muito essa postura de profissional, aqui é Serviço Social, mesmo que é da Igreja; tem alguns momentos nós temos missas, tem alguns momentos celebrativos para celebrar a fé; no tratamento, é importante a espiritualidade, mas o restante é um trabalho social (Parceiro B – Política de Assistência Social).

No fragmento da entrevista apresentado acima, pode-se observar o poder que a Igreja ainda possui no âmbito das políticas sociais, sobretudo, na política de assistência social, cujo surgimento deu- se em seu cerne. Porém, é citado o aspecto técnico do trabalho, identificado enquanto “trabalho social”.

Entretanto, em caráter geral, constatou-se que, no tocante à análise de Silva, Jaccoud e Beghin (2005, p. 396) acerca da existência de formatos ou regimes diferentes de participação da sociedade civil na implementação de políticas ou programas sociais, mediante a pesquisa de campo realizada no município de Chapecó, pode-se analisar que se torna formal:

a) O Regime de execução não-estatal com financiamento público direto – na medida em que o Estado, para a gestão e execução das políticas sociais, tem consolidadas parcerias ou termos de convênio com organizações não-governamentais e setor privado mediante, senão a construção conjunta de objetivos, a solicitação de serviços determinados, disponibilizando recursos (financeiros, materiais, organizacionais ou humanos) e exercendo o monitoramento e fiscalização das ações.

b) O Regime de mobilização de recursos privados – ao contar com trabalho voluntário e recursos financeiros oriundos de doações para a implementação de programas e serviços, imprimindo um caráter voluntarista e conservador às políticas sociais.

No que concerne ao Regime de execução não-estatal com financiamento público indireto, que se dá quando o objetivo das ações não é formalizado diretamente entre os interessados e o Estado participa, indiretamente, através de mecanismos como imunidades de impostos e contribuições sociais, isenções e incentivos fiscais, a pesquisa de campo não identificou sua efetivação formal, mas tem-se conhecimento de sua viabilização em diversas esferas de governo.

Em relação à participação da esfera pública não-estatal no desenvolvimento das políticas sociais, Barreto (1999, p. 132) indagou sobre sua contribuição concreta na redução progressiva do divórcio estabelecido entre o Estado e a sociedade brasileira, afirmando que a simples transformação de entidades estatais em organizações sociais não garante mudanças neste sentido. Ainda de acordo com manifestação da autora ao final da década de elaboração do projeto de “reforma”:

A mera transferência de atividades sociais para o setor público não-estatal, embora possa propiciar ganhos de eficiência no plano micro, apresenta o risco de provocar fragmentação e dispersão de esforços. Sem efetiva coordenação e articulação dessas ações, existe grande probabilidade de que ganhos de eficiência, eventualmente alcançados no nível individual das organizações sociais, não resultem na melhoria do resultado do conjunto da ação social. Da mesma forma, a participação social não pode ficar adstrita às entidades executoras de serviços; isso porque as políticas públicas só passarão a expressar as expectativas sociais na medida em que houver espaço para a participação nas instâncias estratégicas de formulação (BARRETO, 1999, p. 136).

A autora já apontava o que se constata hoje na realidade de Chapecó: o risco de transformação prematura de entidades estatais em organizações sociais, sem o prévio desenvolvimento de condições efetivas de gestão e avaliação. Se o governo, por alguma razão, prescindir dessa etapa preliminar, poderá instituir um processo de publicização que tenderá a reproduzir um padrão gerencial baseado no controle formal, sem âncora em referências sólidas.

Nisto, Nogueira (2005) ilustra que as reformas não podem ser pensadas apenas em função dos recursos que os governos deixarão de gastar. Sua consistência está diretamente vinculada à capacidade de concepção de uma nova sociedade e de vinculação desta à defesa dos direitos. Ou seja, a reforma do Estado deve ser o prolongamento de uma reforma democrática e social, na medida em que intenciona reformular as relações entre o Estado e a sociedade civil. O que se percebe, porém, a partir da contrarreforma em vigor, é uma reformulação das relações entre o Estado e a sociedade civil na forma de distanciamento político e de constituição e consolidação de uma sociedade civil coadjuvante, sem embate.

2.3.4. O controle do Estado sobre a participação da sociedade civil nas