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3. A TRANSFORMAÇÃO DO PROBLEMA

3.1 Contextualizando Preços e Planos no Pensamento Econômico

Quantos quilates vale a liberdade dos homens, ó vítimas da fome?

(Hertz Dias) O início da ciência econômica está transpassado grandemente por uma investigação acerca da substância do valor. O valor foi identificado dentre as diversas categorias econômicas como sendo a mais fundamental do processo econômico, fator determinante na coordenação da dinâmica econômica e regulação das demais categorias. Muito antes de Adam Smith, Nicolas de Oresme, eminente economista, filósofo e cientista da baixa Idade Média, já discorria sobre a origem do valor e as funções do dinheiro, sendo que seu artigo sobre a

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falsificação da moeda é considerado o primeiro tratado propriamente monetário da história, datado de meados do século XIV31 (CUSTÓDIO; CUSTÓDIO, 2015).

Os precursores da economia política procuravam compreender a origem e natureza do valor, aquilo que conferia aos produtos sua importância e como esta poderia ser quantificada, comparada entre diversos produtos e relacionada com outros elementos e categorias econômicas que, então, entre os séculos XVI e XVIII começavam a despontar de maneira cada vez mais sistemática e ordenada32: o salário, o lucro, os juros (então “usura”), a renda da terra, preços, etc.

Uma obra particularmente ilustrativa deste esforço teórico e científico inicial é o “Ensaio sobre a natureza do comércio” de Richard Cantillon (2002), no qual se percebe explicitamente o dilema do valor ser originado pela terra ou trabalho. Cantillon (2002, p. 35) adia a problemática dizendo que “a terra é a matéria e o trabalho é a forma de todos os gêneros e mercadorias”. Essa “solução” também é encontrada em William Petty (1988) ao afirmar que “o trabalho é o pai da riqueza e a terra, sua mãe”, sendo quase contemporâneos Cantillon (2002, p. 40) destaca que “Petty, num pequeno manuscrito de 1685, considera esta paridade – a equação terra-trabalho – como a questão mais importante da aritmética política33”.

O desenvolvimento da economia enquanto ciência própria, que se inicia de maneira mais sólida na segunda metade do século XVIII, é grandemente baseado nas necessidades de organização tributária do Estado nacional, como pode ser visto nas obras de Petty34 e posteriormente Ricardo35. Adam Smith (1983, p. 357), por sua vez, também se refere a esse aspecto no primeiro parágrafo do Livro IV d’A Riqueza das Nações, considerado marco inicial da economia clássica:

A economia política, considerada um ramo da ciência do estadista ou legislador, propõe dois objetos distintos: primeiro, prover uma renda ou manutenção farta para a população ou, mais adequadamente, dar-lhe a possibilidade de conseguir ela mesma tal renda ou manutenção; segundo, prover o Estado ou a comunidade de uma renda suficiente para os serviços públicos. Portanto, a Economia Política visa a enriquecer tanto o povo quanto o soberano.

Essa linha de análise estrutural e sistêmica da economia aprofunda-se de maneira que se começa a identificar conflitos e contradições no funcionamento do nascente capitalismo industrial britânico. O salário e o lucro são identificados como preços-chave dessa economia,

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Mais precisamente: 1355 d.C.

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Em substituição aos antigos esquemas feudais não monetários ou suas limitadas expressões monetárias restritas ao comércio inter-feudos.

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Perceba que nesta época sequer se utilizava o termo economia para definir o campo de estudo a que se dedicavam tais pensadores!

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Em especial o Tratado sobre Impostos e Contribuições, Petty (1988).

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pois, ao mesmo tempo em que representam componentes da distribuição do valor entre classes sociais diversas, também se referem ao preço e custo dos próprios elementos fundamentais da produção capitalista. Ainda que Smith possuísse uma visão incompleta da origem e papel do lucro, ele já constatava diferenças nas dinâmicas entre salário e lucro, afirmando que as mesmas causas “afetam um e outro de maneira muito diferente” (SMITH, 1983, p. 109). Igualmente, identifica de maneira rudimentar, e sem maiores desenvolvimentos, uma relação conflituosa entre ambos:

Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas próprias cláusulas. Os patrões, por serem menos numerosos, podem associar-se com maior facilidade; além disso, a lei autoriza ou pelo menos não os proíbe, ao passo que para os trabalhadores ela proíbe. Não há leis do Parlamento que proíbam os patrões de combinar uma redução dos salários; muitas são, porém, as leis do parlamento que proíbem associações para aumentar os salários. Em todas essas disputas, o empresário tem capacidade para aguentar por muito mais tempo. (...) Ao contrário, muitos trabalhadores não conseguiriam subsistir uma semana, poucos conseguiriam subsistir um mês e dificilmente algum conseguiria subsistir um ano, sem emprego. (SMITH, 1983, p. 92-93)

Esse mesmo conflito seria desenvolvido com muito mais refino por Ricardo, eminente financista e economista britânico posterior a Smith, que explicitou a existência de uma oposição entre salário e lucro. Com uma compreensão de valor que era muito mais relativa e dinâmica, e ao mesmo tempo mais rigorosa e completa do que aquela teorizada por Smith (1983), Ricardo (1983) consegue observar os movimentos dos salários e lucros a partir de uma economia britânica cuja industrialização já havia superado em muito a pequena fábrica de alfinetes smithiana:

Em todo o curso desta obra, procurei provar que a taxa dos lucros não pode jamais elevar-se senão em virtude da baixa dos salários, e que essa baixa só pode ser permanente quando houver diminuição no preço dos gêneros que o operário compra com seus salários. (RICARDO, 1983, cap. VII)

Afiançado na lógica do trabalho como origem do valor, o lucro não poderia ser visto como uma simples remuneração componente dos preços das mercadorias. Ainda assim, essa oposição explicitamente identificada por Ricardo não tem seu mecanismo de funcionamento desenvolvido, coisa que só viria a ocorrer a partir da teoria da mais-valia de Marx (2014a), que explicaria então os mecanismos de apropriação de valor dos detentores de capital em relação aos trabalhadores. Ricardo (1983), ao dar centralidade ao aspecto de oposição entre salários e lucros tinha por objetivo não defender a classe trabalhadora, mas entender os processos de acumulação do capital que garantiriam o sucesso econômico e político da classe industrial na Inglaterra, em oposição à classe rentista dos proprietários de terra.

É muitíssimo interessante observar que nesses dois principais autores da Economia Clássica também se observam teorizações a respeito de uma tendência à queda da taxa de

lucro. Em Smith (1983 p. 114), essa tendência decorreria da saturação dos mercados através da concorrência, o que levaria os capitalistas a reduzirem seus lucros a um determinado mínimo. Já em Ricardo (1983, cap. VI), o mecanismo determinante é outro: a renda da terra; com o progresso da sociedade e o aumento da população, a necessidade de utilizar as terras menos férteis e que requereriam maior trabalho aumentaria o custo dos alimentos e, portanto, a proporção dos salários em relação aos lucros e consequente redução da acumulação capitalista. Portanto, o prognóstico de Smith seria otimista, por revelar um futuro de relativa abundância e preços mais baixos, enquanto Ricardo observava uma tendência à estagnação e carestia.

A despeito de terem sido refutadas na prática como tendências superáveis em suas causas apontadas, o que há de importante nessas teorizações é a presença de uma intencionalidade em investigar as possibilidades, tendências e contradições também no longo prazo. A de Smith seria contraposta pelo fenômeno da concentração e centralização do capital que impede uma concorrência crescente em todos os setores. E Ricardo pelo desenvolvimento das tecnologias agrícolas, da indústria alimentícia e dos mercados globalizados dessas mercadorias. Além disso, a abordagem utilizada, ainda que sem um método formalizado plenamente desenvolvido, procurava revelar o funcionamento estrutural da economia, não como um sistema caótico ou modelizado idealmente, mas como uma organização social que possuía classes e interesses específicos, cujas relações entre si gerariam grandes consequências se não fossem corretamente compreendidas e lidadas ativamente36.

Em fins do século XIX, com a ocorrência da “revolução marginalista” e a consolidação metodológica do pensamento abstrato-dedutivo, com modelização axiomática, descritiva e supostamente neutra, a abordagem da ciência econômica passa por uma profunda transformação. O processo que condensa essa polêmica disputa de métodos ficou conhecido como Methodenstreit der Nationalökonomie, alemão para “disputa de métodos da economia nacional”, e sua consequência foi um deslocamento na ciência econômica das análises agregadas, da economia nacional e de classes sociais, para análises individuais e ideais, com modelos simplificados de comportamento e ambiente mercadológicos (HUNT; LAUTZENHEISER, 2011).

Esse processo, porém, precisa ser entendido em sua gênese vinculada à filosofia utilitarista, pois nele reside o cerne do atual paradigma de entendimento do sistema de preços e da própria ciência econômica mainstream, ainda que atualmente modificada pelo

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Como era defendido por Smith, a título de exemplo, em seu entendimento do papel dos mercados e da atuação Estatal.

desenvolvimento estatístico e de hipóteses ad hoc que procuraram tornar os modelos mais aderentes à real dinâmica econômica sem, contudo, questionar as bases metodológicas que resultam em grandes discrepâncias ou pequeno poder explicativo.

De início, é possível observar na obra de Jevons (1996) muito sintética e explicitamente o que significava a aplicação do utilitarismo de Jeremy Bentham à modelização econômica. Seu foco foi a teorização básica de como seriam efetivamente convertidos os conceitos utilitaristas em termos matemáticos, de maneira que projeta as curvas de prazer e sofrimento no segundo capítulo, “A Teoria do Prazer e do Sofrimento”, de seu livro “A Teoria da Economia Política” (JEVONS, 1996). A seguir, procede para a elaboração de uma complexa série de relações entre a utilidade (identificada com o prazer e bens) e a desutilidade (identificada com a dor e trabalho), de maneira em que constata a existência, por exemplo, de uma utilidade decrescente na margem, ainda que a utilidade total aumente. Esse fenômeno havia sido anteriormente, sem conhecimento de Jevons, sintetizado como a Primeira Lei de Gossen, isto é, a lei da utilidade marginal decrescente (HUNT; LAUTZENHEISER, 2011).

Essa nova abordagem, subjetiva e atomista, em poucas décadas se sistematizaria em uma teoria concorrente do valor, que desloca o critério central de valoração de fatores objetivos relacionados à produção das mercadorias para fatores subjetivos relacionados à sua distribuição no mercado. O preço, portanto, estaria submetido às considerações inescrutáveis dos indivíduos envolvidos, que seriam regidas por algumas leis gerais que relacionavam a oferta e demanda. Esse paradigma passa a ser mais sólido principalmente a partir da noção de equilíbrio geral tal qual definido por Walras (1983, p. 77-81, grifos originais):

O equilíbrio perfeito ou geral do mercado somente ocorre se o preço de duas mercadorias quaisquer, uma na outra, é igual à relação entre os preços de uma e da outra em uma terceira qualquer. É isso que é preciso demonstrar.

(...)

Assim: Quando há equilíbrio de mercado para todas as mercadorias que não sejam

a mercadoria numerário, há igualmente equilíbrio para a mercadoria numerário.

A proposição do equilíbrio geral guiará a argumentação hipotética de um funcionamento perfeito dos mercados, ainda que não se constate aderência total ao efetivo funcionamento dos mercados, principalmente sob condições de concorrência imperfeita e a existência de rigidezes de mercado, principalmente no mercado de trabalho, que impedem o livre funcionamento do processo de tâtonnement, como seria visto melhor após a crise de 1929. Ao mesmo tempo, a existência de um equilíbrio geral poderia justificar o funcionamento totalmente livre dos mercados, que seriam capazes de autorregulação. Mesmo que Walras não conseguisse demonstrar matematicamente de forma totalmente consistente

essa hipótese, tal demonstração ou prova matemática seria realizada por Arrow e Debreu (1954), ainda que também sob condições estritas, ideais e abstratas.

A teoria econômica, então, trata cada vez mais de uma modelização do comportamento humano para justificar o funcionamento do sistema de preços, de maneira que os sentimentos e motivações humanas mais básicas e gerais encontrassem expressão por meio dos mecanismos mercadológicos, que vão ser crescentemente considerados como ideais, a forma de organização econômica definitiva da humanidade.

A consolidação do valor-utilidade e da análise marginal só se dará com a síntese empreendida pelo Professor Alfred Marshall (1985) em seu livro-texto de 1890, intitulado “Princípios de Economia”. Percebe-se que neste estágio é abandonado completamente o termo “Economia Política” em favor do termo supostamente científico e neutro de Economia. Esse processo não foi apenas determinado pelo próprio Marshall, pois Jevons (1996) também pretendia publicar seu próprio “Principles of Economy”, ainda que tenha morrido antes de completar a tarefa. Da mesma forma, Walras se referia originalmente ao seu compêndio como Economia Política Pura, porém a sua tradução ao inglês referenciava-o como Elements of Pure Economics, sem a referência à política.

A obra de Alfred Marshall (1985), por sua vez, consolida o paradigma neoclássico, sendo considerado seu marco fundamental. Escrita por mais de 8 anos e publicada em 1890, a obra marshalliana representaria um sistema teórico que tratava de todas as categorias postuladas pelos economistas clássicos, então analisadas mediante considerações marginais (de receita e despesa) e a teoria do valor utilidade, com a lei da utilidade decrescente e sua concepção de equilíbrio parcial baseada nas noções de excedente37 do consumidor e do

produtor. Marshall (1985, p. 33) identifica no dinheiro o principal instrumento de medição do cientista econômico a respeito de seu objeto, ao qual se refere metaforicamente da seguinte forma:

Assim como a balança de precisão do químico torna a Química mais exata do que as outras ciências físicas, do mesmo modo a balança do economista, apesar de grosseira e imperfeita, deu à Economia uma exatidão maior do que a de qualquer outro ramo da Ciência Social. Naturalmente a Economia não se pode comparar com as ciências físicas exatas, pois que ela se relaciona com as forças sutis e sempre mutáveis da natureza humana. (MARSHALL, 1985, p. 33)

A supremacia teórica da economia neoclássica em seu estado mais puro e modelizado, porém, duraria pouco. Com a crise de 1929 e a observação de fenômenos econômicos distintos da teoria ortodoxa, elabora-se um ferramental teórico diferenciado, que introduz conceitos estranhos à construção metodológica abstrato-dedutiva anterior. Com a chamada

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revolução keynesiana, agrega-se o entendimento de equilíbrios subótimos e imperfeições de mercado a partir da introdução de noções psicológicas levam à constatação científica38 da necessidade de regulação e intervenção macroeconômica de cunho capitalista para a garantia de maior estabilidade e correção de falhas previsíveis do funcionamento da economia capitalista.

Quando Keynes (2017) publica sua magnum opus A Teoria Geral em 1936, o governo dos EUA já aplicava desde 1933 políticas de reativação da demanda efetiva, sem qualquer teorização completa a respeito desta. O New Deal constitui, portanto, a face prática das necessidades do capitalismo frente a mudanças totalmente imprevistas por uma teoria econômica idealizada, então crescentemente desconectada da realidade altamente complexa do capitalismo em vias de financeirização.

Dessa maneira, a teorização empreendida por Keynes (2017) tem o mérito de lançar as bases teóricas de uma nova forma de gestão macroeconômica, a fim de garantir a estabilidade do capitalismo em seu processo de financeirização, este último que só se estabeleceria determinantemente na década de 1970 e 1980. A teorização de Keynes (2017), ainda que bastante arguta, também é observada por Michal Kalecki na Polônia, de maneira que o conceito de demanda efetiva e um entendimento dos ciclos econômicos se elaboraram também de maneira quase simultânea, porém a partir de bases teóricas distintas.

Esse choque paradigmático, entretanto, não é suficiente para articular uma crítica profunda de todo o construto teórico e filosófico que fundamentava a teoria econômica neoclássica, o próprio Keynes (2017), apesar de rejeitar diversas premissas, continua a operar sobre a lógica do valor-utilidade, ainda que agregando a esta elementos de incerteza e preferência pela liquidez. A negação da Lei de Say e a proposição de equilíbrios subótimos no mercado de trabalho, assim como a constatação de que a teoria neoclássica só era válida em condições específicas, nada disso propiciou o exame das fundações teóricas e filosóficas de ciência econômica. Ao contrário, apenas um ano depois da publicação da Teoria Geral de Keynes (2017) a mesma será rapidamente “integrada” ao pensamento neoclássico através da síntese neoclássica empreendida por Hicks (1937) em artigo intulado “Sr. Keynes e os Clássicos: Uma interpretação sugerida”, que introduziria o Modelo IS/LM.

Na prática, essa fase “regulada” do capitalismo, que se inicia a partir da década de 1930, também revela a aplicação crescente de métodos de planejamento macroeconômico, o

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Ainda que já se constatasse na prática. E neste caso fala-se de uma ciência eminentemente capitalista, a ciência econômica dominante. Os antecedentes desta construção paradigmática seriam os ideólogos/teóricos do bem- estar, com os quais Keynes (2017) também dialoga em sua Teoria Geral.

que foi possibilitado com o desenvolvimento estatístico das contas nacionais e instrumentos de regulação de preços-chave da economia, como é o caso da taxa de juros, taxa cambial e os salários, que passou a ser passível de regulação centralizada com a consolidação dos Bancos Centrais nas economias capitalistas – ao mesmo tempo que o complexo industrial militar associado ao Estado capitalista, em especial nos EUA, ganhava proporções nunca vistas antes, o que possibilitava o gerenciamento de investimentos em setores e tecnologias também consideradas essenciais para o desenvolvimento capitalista (MANDEL, 1982).

Do outro lado do mundo, os métodos estatísticos e matemáticos de planejamento começavam a servir cada vez mais para a sistematização em bases muito mais profundas e amplas para a alocação de recursos, representando as primeiras experiências de planificação econômica, em alternativa ao funcionamento plenamente mercadológico das economias capitalistas centrais. As considerações acerca dos preços e planos, suas relações e perspectivas, representam o principal problema da teoria econômica do século XX, não apenas de um ponto de vista teórico, mas da própria disputa política e ideológica.

Todo esse processo, que veremos em mais detalhe no capítulo 4, compreende de meados do século XIX até o final do século XX, e se fundamenta no desenvolvimento de uma teoria crítica, que possui um método completamente diferente. Do ponto de vista político, não obteve a ampla aceitação nos círculos acadêmicos ocidentais da ciência econômica dominante de sua época39. Essa rejeição era compensada pela sua aderência crescente em movimentos políticos de base, que buscavam reduzir e regular os fenômenos absurdos observados nessa fase do capitalismo liberal monopolista como, por exemplo, o trabalho infantil, jornadas de trabalho de mais de 15 horas, acidentes de trabalho constantes, salários miseráveis e outras situações como aquelas relatadas por Engels (2010) em seu livro de 1845, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra.

Nesse sentido, a crítica empreendida por Karl Marx (2014a) possui um caráter teórico radical40, pois se utilizando das mesmas categorias da Economia Política, aprofunda-se em suas implicações mais abstratas e estruturais, explicitando sem as tradicionais restrições morais da economia política clássica41 a crueza das relações capitalistas de sua época, ao mesmo tempo em que se utiliza para tal dos relatos e dados mais concretos do funcionamento

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Ao menos até meados do século XX, quando seu crescente sucesso nas ciências sociais e humanas também começou a ser perseguida institucionalmente no contexto da Guerra Fria.

40No sentido de ir à raiz dos problemas.

41A qual os economistas políticos anteriores estariam submetidos na medida em que muitas vezes representavam interesses das classes dominantes, das quais participavam e/ou defendiam abertamente.

da economia capitalista mais avançada em sua época, que se tornavam cada vez mais estatisticamente consistentes e completos.

Diferentemente das teorizações anteriores a respeito do valor, Marx (2014a) explicita na oposição entre salários e lucros uma relação de apropriação de excedentes, essa relação é a base quantitativa de sua teoria da exploração, de maneira que suas considerações a respeito desta última não são um ponto de partida moral, mas a conclusão teórica a partir da observação da dinâmica capitalista na produção de mercadorias, especialmente na Inglaterra do século XIX.

A sua teoria a respeito da queda tendencial da taxa de lucro também representa um prognóstico pessimista que, porém, possui elementos muito mais aderentes ao que foi