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Capítulo 2. Identidade e suas relações com o lugar

2.3.2. Continuidade

O princípio de continuidade refere-se ao desejo de se preservar uma continuidade do auto-conceito ao longo do tempo e de mudanças situacionais (Bernardo & Palma, 2005; Twigger-Ross & Uzzell, 1996). Esse pode ser entendido como uma continuidade subjetiva, auto-percebida, a qual envolve uma conexão entre referências do passado, presente e expectativas de futuro e não uma completa ausência de mudanças (Speller et al, 2002). Dentre os quatro princípios guias evidenciados pela TPI, ele pode ser considerado um dos mais importantes motivadores para a ação (Twigger-Ross & Uzzell, 1996), especialmente no caso de possíveis ameaças à estrutura de identidade. Uma das possibilidades desse princípio guiar os processos psicológicos que regulam os conteúdos da identidade pode ser entendida pela proposição de Timotijevic e Breakwell (2000) de que novas informações são assimiladas à estrutura de identidade com base em um sistema de referência dos elementos anteriormente postos.

Muitos autores concordam que o desenvolvimento da identidade requer, necessariamente, um longo período de interação da pessoa com o ambiente, referindo-se aos mais diversos aspectos da identidade como pessoais, sociais e de lugar, por exemplo (e.g., Dixon & Durrhein, 2004; Hernández et al, 2007; Lewicka, 2008; Mourão & Cavalcante, 2011; Proshansky et al, 1983; Vidal & Pol, 2005). A interação contínua ao longo de um período prolongado possibilita os processos de identificação da pessoa (com algo, alguém ou algum lugar), essenciais ao desenvolvimento do mecanismo de apropriação, anteriormente destacado como condição sine qua non à formação da

identidade. Ao mesmo tempo, esses processos de identificação e apropriação permitem a continuidade e estabilidade do self (Vidal & Pol, 2005).

Considerando-se a relação entre identidade e lugar, Valera e Pol (1994) afirmam que o senso de continuidade é derivado das relações simbólicas com o espaço. O princípio de continuidade permite que a pessoa reconheça as novas propriedades do ambiente, em constante mudança, sempre as relacionando a seu passado ambiental, o que lhe possibilita perceber o ambiente como estável e lhe confere um sentido de familiaridade com o lugar (Proshansky et al, 1983; Valera & Pol, 1994). A familiaridade com o ambiente, a qual se desenvolve como resultado à adaptação do indivíduo a seus entornos físicos, é destacada na literatura acerca da relação entre identidade e lugar como um dos núcleos mais importantes para os processos formativos da identidade (Dixon & Durrheim, 2004).

O modelo proposto por Proshansky e colaboradores (1983) para explicar as funções específicas da identidade de lugar para os pensamentos, comportamentos e experiências do indivíduo ressalta, segundo Twigger-Ross e co-autores (2003), a continuidade como o princípio chave para a integração da identidade pessoal. A importância da continuidade de lugar para se manter a continuidade do self e integração da identidade pessoal é evidenciada na literatura como um aspecto fundamental da identidade (e.g. Lewicka, 2008; Proshansky et al, 1983; Speller et al, 2002; Twigger-Ross & Uzzell, 1996; Valera & Pol, 1994; Vidal & Pol, 2005). Essa afirmativa pode ser considerada o principal foco daquelas funções propostas pela TIL (Twigger-Ross et al, 2003).

Twigger-Ross e Uzzell (1996) mencionam as contribuições teóricas de alguns estudos acerca da importância do lugar como referência para a auto-definição do sujeito e de suas ações e experiências no passado, tanto no nível individual quanto grupal. Segundo os autores, essas considerações implicam que, para algumas pessoas, o vínculo com este lugar específico provê o senso de continuidade para sua identidade. Nesse sentido, o princípio de continuidade pode se referir ao desejo do indivíduo em manter a continuidade do self com base em aspectos do lugar, podendo se expressar de dois modos: a continuidade de lugar referente e a continuidade de lugar congruente (place-referent continuity e place-congruent continuity) (Bernardo & Palma, 2005; Speller et al, 2002; Twigger-Ross & Uzzell, 1996).

Os dois modos de continuidade de lugar se diferem pela especificidade, visto que, em um, a manutenção da continuidade refere-se a um lugar específico relacionado a experiências passadas significativas e valorizadas pelo indivíduo, enquanto o outro se refere a características de lugares significativos que sejam transferíveis para outros locais

com características congruentes (Twigger-Ross & Uzzell, 1996). Em outras palavras, na continuidade de lugar referente, a permanência em um lugar específico é uma condição fundamental para o senso de continuidade e estabilidade do self, enquanto que, na continuidade de lugar congruente, apenas algumas características do lugar são relevantes para tal, permitindo a mudança do indivíduo para outros locais com características semelhantes significativas para ele. No caso da continuidade de lugar congruente, Twigger-Ross e Uzzell (1996) afirmam que o indivíduo tende a procurar lugares para morar que lhe pareçam representar seus valores, ou ainda a modificar seus entornos físicos no sentido de representar seu auto-conceito do presente.

Dada a importância do lugar para o senso de continuidade do self, Breakwell (1986, apud Twigger-Ross et al, 2003) elencou possíveis efeitos sobre a identidade em estar em lugares novos e diferentes: a atenuação ou acentuação do significado e saliência que um lugar pode representar para a identidade, a ameaça à estrutura de identidade, ou ainda o deslocamento, tornando o lugar do passado irrelevante e atribuindo significados a novos lugares.

Alguns estudos que se utilizaram do modelo estrutural proposto pela TPI evidenciam a possibilidade de ameaças à estrutura de identidade caso haja uma ruptura indesejada com lugares emocionalmente relevantes (Twigger-Ross & Uzzell, 1996), podendo desencadear diversas estratégias de enfrentamento (Timotijevic & Breakwell, 2000). Portanto, esses analisaram as possíveis relações entre mudanças de contexto, como migrações e realocações forçadas por exemplo, e os processos de identidade (e.g., Bernardo & Palma, 2005; Speller et al, 2002; Timotijevic & Breakwell, 2000; Twigger- Ross & Uzzell, 1996).