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CAPÍTULO 1 – O CONTRADITÓRIO

1.4 Concretização do contraditório

1.4.6 Contraditório na fase recursal

Como o objeto principal da pesquisa é investigar de que forma o contraditório é exercido no julgamento de recursos especiais repetitivos, mostra-se imprescindível identificar quais são os comportamentos necessários e exigidos para que, na fase recursal, seja aplicado o princípio do contraditório.

Mais uma vez, na tentativa de diminuir a vagueza do princípio, serão examinados julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que, de certa forma, contribuem para dar concretude ao contraditório.

Na fase recursal, a princípio, o contraditório é exercido da seguinte forma: o recorrente apresenta suas razões na peça recursal, o recorrido é intimado para responder o recurso e, quando houver julgamento colegiado, os advogados das partes, quando cabível, realizam sustentação oral. Ao final, é prolatado acórdão ou, quando permitido

61 Entre outros: ARE 830811 AgR, Min. Roberto Barroso, pub. 14.08.2017 e RCL 22759, Min. Luiz Fux, pub. 09.08.2016.

62 Entre outros: AgInt no AResp 1297507, Min. Francisco Falcão, pub. 26.02.2019 e Resp 1775557, Min. Herman Benjamin, pub. 04.02.2019.

pelo ordenamento jurídico, decisão monocrática, que deve examinar todas as questões suscitadas pelo recorrente e recorrido.

No Código de Processo Civil de 1973, não havia regra prevendo a intimação da parte contrária para apresentar impugnação aos embargos de declaração. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal63 e o Superior Tribunal de Justiça64 entendiam que, quando opostos embargos de declaração, o embargado deveria ser intimado para apresentar impugnação se houvesse possibilidade de concessão de efeitos modificativos.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, passou a existir dispositivo legal expresso (art. 1.023, §º 2º) que determina a intimação do embargado para apresentar impugnação, caso o eventual acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada. A lei, na verdade, só concretizou o que a jurisprudência já vinha reconhecendo.

De fato, havendo possibilidade de, no julgamento dos embargos de declaração, se alterar o que foi decidido, impõe-se a intimação do embargado para que possa exercer o contraditório, apresentando impugnação aos embargos. Por outro lado, inexistindo risco de modificação da decisão embargada, não há possibilidade de o julgamento dos embargos de declaração prejudicar o embargado, não sendo, pois, exigível sua intimação para se manifestar.

Quando se trata de agravo interno, contudo, o risco de alteração do que foi decidido é inerente ao recurso. Enquanto os embargos de declaração servem, ordinariamente, apenas para aclarar a decisão, sem que haja modificação do que fora decidido, o agravo interno busca justamente a reforma da decisão agravada. Por essa razão, o Código de Processo Civil de 2015 incluiu regra não prevista no Diploma anterior que determina a intimação do agravado para, se quiser, apresentar impugnação ao agravo interno. Este novo dispositivo legal (art. 1.021, § 2º) está em perfeita consonância com o núcleo essencial do contraditório.

63Entre outros: AC 2639, rel. Min. Celso de Mello, pub. em 22.03.2011 e HC 92484, rel. Min. Joaquim

Barbosa, pub. em 19.06.2012.

64 EAresp 285745, Ministra Laurita Vaz, DJ de 02.02.2016 (“Diante da possibilidade de concessão de efeitos infringentes aos embargos declaratórios, os princípios do contraditório e da ampla defesa pressupõem a viabilidade de a Parte Embargada participar da construção comunicativa da decisão judicial, de modo a agregar aos autos suas contrarrazões antes do pronunciamento da Corte”) e EAG 778452, rel. Min. Ari Pargendler, pub. 23.08.2010 (“A atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração supõe a prévia intimação da contraparte; sem o contraditório, o respectivo julgamento é nulo”).

Ainda quanto à necessidade de o recorrido ser intimado para apresentar contrarrazões, relevante mencionar o acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 908.623, do qual foi relator o Ministro Massami Uyeda.

No caso examinado, alegou-se, perante o Tribunal de origem, nulidade no julgamento da apelação, em razão de irregularidade da intimação do patrono do apelado para apresentar contrarrazões ao apelo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, contudo, afastou a alegação de nulidade, ao fundamento de que a ausência das contrarrazões “em nada modificaria a decisão”. A questão foi submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça que, diferentemente, concluiu pela existência de nulidade. Confira-se trecho do acórdão:

Deve-se deixar assente, inclusive, que a argumentação no sentido de que a apresentação de contra-razões seria despicienda, na medida em que não teria capacidade de demover a conclusão adotada pelo acórdão que julgou (prematuramente) os recursos de apelação, além de não observar os princípios do contraditório e do devido processo legal, basilares do Direito Processual, consubstancia indevido prejulgamento da causa, acoimando, assim, o julgado de nulidade insanável.

Observa-se, pois, que o mencionado julgado considerou que, para observância do contraditório, era imprescindível a adequada intimação do advogado do recorrido para apresentar contrarrazões.

Na mesma linha foi o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso especial repetitivo.65

O respectivo acórdão examinou a questão sob a ótica do Código de Processo Civil de 1973. Não obstante, o entendimento adotado aplica-se perfeitamente a processos instaurados após a vigência do Código de Processo Civil de 2015. O Diploma em vigor, de igual modo, determina a intimação do agravado para apresentar resposta, dispensando a intimação quando prolatada decisão monocrática pelo relator que não conhece ou nega desde logo provimento ao agravo de instrumento. Nestes dois casos, a decisão proferida

65 “Cinge-se a presente controvérsia à definição acerca da necessidade ou não de intimação do agravado para apresentar a contra-minuta do recurso. Deveras, a intimação da parte agravada para resposta é procedimento natural de preservação do princípio do contraditório (...) Com efeito, a norma processual dispensa essa intimação tão-somente na hipótese prevista no caput do art. 527 do CPC, ou seja, quando o relator liminarmente nega seguimento ao recurso (art. 527, I), uma vez que essa decisão beneficia o agravado, razão pela qual conclui-se que a intimação para a apresentação de contra-razões é condição de validade da decisão que causa prejuízo ao agravado”. (Recurso Especial 1.148.296, relator Ministro Luiz Fux).

é favorável ao agravado, não havendo falar em nulidade, tendo em vista a absoluta falta de prejuízo.

Ainda quanto ao exercício do contraditório na fase recursal, imprescindível abordar algumas questões relevantes acerca da realização da sustentação oral, especialmente aquelas que dizem respeito a julgamentos realizados pelo Superior Tribunal de Justiça, considerando sua estreita pertinência com o objeto da pesquisa.

Em dezembro de 2016, o Superior Tribunal de Justiça editou a Emenda Regimental 25, que alterou a redação do art. 158 do regimento interno do Tribunal, para fixar prazo para a apresentação de pedido de sustentação oral. Estabeleceu que os pedidos devem ser apresentados em até dois dias úteis após a publicação da pauta de julgamento.

Consoante notícia veiculada à época no Conjur,66 a medida buscou “aperfeiçoar a gestão, organização, eficiência e celeridade nas sessões da Corte, diante do imenso número de feitos pautados, cuja realização em única sessão de julgamento tem se mostrado inviável”.

A reação da OAB e do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) foi intensa e motivou a relativização da regra e, um ano depois, sua alteração. Em 2017, aprovou-se a Emenda Regimental 28, que incluiu dispositivo no art. 158 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça para permitir que, mesmo após ultrapassado o prazo estabelecido de dois dias, possa o advogado formular pedido de sustentação oral. Definiu- se que o pedido poderia ser apresentado até o início da sessão e que, nos casos em que formulado dentro do prazo regimental, o processo teria preferência de julgamento.

À época, foi veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça notícia sobre a alteração promovida em dezembro de 2017. Esclareceu-se que o objetivo da medida foi “assegurar que os advogados que atuam no STJ exerçam seu trabalho de forma plena e, por consequência, seja garantido a eles o direito à ampla defesa nos julgamentos”.67

Com efeito, restringir o exercício do direito à realização de sustentação oral implica ofensa ao contraditório. A sustentação oral é o último momento em que as partes, por intermédio de seus advogados, podem apresentar seus argumentos. Não é incomum que, após a realização de sustentação oral, o próprio relator peça vista regimental dos autos para melhor exame. Por vezes, o advogado sustenta da tribuna questão relevante

66 Notícia publicada no site do Conjur em 15.12.2016.

que não tinha sido examinada pelo relator. Na verdade, a sustentação oral está inserida entre os atos processuais assegurados às partes que podem influenciar o julgador, revelando, com isso, uma das facetas do contraditório.

Na mesma linha e pelas mesmas razões, o Superior Tribunal de Justiça, em agosto de 2018, por decisão tomada pela Corte Especial, definiu que ministro que perde sustentação oral não pode participar do julgamento. O tema foi discutido em questão de ordem suscitada durante o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.447.624. Em notícia publicada, à época, no site do Superior Tribunal de Justiça, foi informado que “a tese formulada pelo colegiado levou em consideração princípios como o do juiz natural e da não surpresa nos julgamentos”. O Ministro Raul Araújo, ao se manifestar sobre a decisão, ponderou que permitir que ministro vote sem ter assistido à sustentação oral “seria uma desconsideração com a advocacia e com a possibilidade de o advogado influenciar o resultado dos julgamentos”.

Tanto essa última decisão como a alteração de regra regimental, para permitir a apresentação de pedido de sustentação oral até o início da sessão de julgamento, revelam preocupação do Superior Tribunal de Justiça com o exercício do contraditório e evidenciam que este Tribunal Superior reconhece a relevância da sustentação oral como um instrumento de influência assegurado às partes.