• Nenhum resultado encontrado

20| Contramarcos pré-fabricados da Cury Construtora S/A

No documento Trabalho e tecnologia no programa MCMV (páginas 189-191)

À esquerda, projeto de fôrma de contramarco de argamassa armada e, no centro, cura controlada no empreendimento Judiapeba, para Faixa 1 do programa MCMV (Nonno, 2011: 56); à direita, peças estocadas e instaladas no empreendimento Viva Mais Itaquá , para Faixa 2 do programa MCMV.

A transferência tecnológica dos empreendimentos de baixa renda para os de renda média não é uma iniciativa isolada de empresários ou governantes, mas um movimento do mercado da construção habitacional que é dos mais racionais, pois é uma transição de capital de um ambiente de negócios de remuneração previsível e estável para outro mais arriscado, mas onde o ciclo de retorno inclui a venda de localizações urbanas para a crescente classe de consumo “C” e “D”. O risco inerente à implantação de uma nova tecnologia, seja ela uma barreira de entrada como os sistemas de gestão de qualidade ou experiências subsidiárias em pré-fabricação ou equipamentos de alto custo, é equilibrado pela segurança

do “preço máximo de aquisição” da Faixa 1. Uma vez dominada e amortizada

esta tecnologia, ela vai ser replicada como diferencial produtivo no ambiente competitivo das demais faixas de renda, onde verdadeiramente se acumula e se concentra o capital da construção habitacional.

O resultado final é uma continuidade da tecnologia construtiva entre diferentes faixas de renda, mas que ratifica o mercado de localizações e, portanto, reforça a característica final do programa MCMV como promotor da segregação urbana da população de baixa renda.

A segregação aperfeiçoada

Uma característica da segregação urbana abordada no subcapítulo anterior é que ela nunca acontece em descumprimento ou afrontando o aparato legal e institucional que gere o programa MCMV. Leis, Resoluções e Portarias se sucedem e são todas cumpridas pelos empreendimentos que, entre 2011 e 2013, usaram a tecnologia gerencial e organizacional do PBQP-H e ISO 9001:2008 para acrescentar um milhão de moradias para baixa renda unicamente nas áreas urbanas em que se concentra a população de baixa renda.

Como a segregação urbana prossegue indiferente à regulação institucional do programa MCMV, ela se naturaliza aos olhos de seus gestores de governo e empresariais. Para estes, vai contra a natureza desta segregação transferir uma família pobre para localizações cuja qualidade urbana está precificada para cima

pelo mercado imobiliário, sendo admissível apenas que ela seja transferida para uma unidade habitacional de produção padronizada e posse formal. Esta dissociação entre moradia e localização se orienta materialmente pelo mercado de terra urbana, mas acredita que os processos de melhoria estão conectados, de forma que a melhoria da moradia provoque a melhoria da localização.

No entanto, a própria melhoria da moradia é limitada, pois o avanço da tecnologia organizacional dos sistemas de gestão de qualidade e sua disseminação como ação de governo transformam o processo produtivo mais do que o produto. Este, por sua vez, perdeu qualquer intencionalidade nas relações entre espaços que lhe são internos e externos. Estas são as relações essenciais da arquitetura e, no programa MCMV, estão ausentes da mesma forma como Lúcia Shimbo descreve em sua tese de doutorado sobre o mercado da “habitação social”:

Inicialmente, no meu projeto de doutorado, procurei tratar sobre a produção da arquitetura desde o canteiro de obras, a partir das relações entre os trabalhadores ali presentes e os arquitetos. Ao entrar no canteiro, que foi o ponto de partida da minha pesquisa de campo, percebi que não havia ali arquitetos, tampouco a arquitetura strictu sensu. Não havia, naquela edificação em construção, alguns dos pressupostos básicos do

ofício como, por exemplo, a busca pela orientação solar mais adequada; pela implantação em conformidade com o perfil do terreno; pela otimização da circulação interna; pela relação equilibrada entre forma, função e materialidade; e pela análise da inserção urbana do edifício (Shimbo, 2010: 329).

Na presente pesquisa de doutorado, a avaliação é a mesma: não há arquitetos e tampouco arquitetura nos empreendimentos para baixa renda no programa MCMV. Assim como o déficit habitacional legitima o ordenamento economicista do programa (como discutido no capítulo 5), a precariedade da moradia autoconstruída no Brasil legitima a construção de uma unidade habitacional conforme um projeto que é exclusivamente Projeto de Produção.

A definição mais direta deste Projeto de Produção aparece em “O canteiro e o desenho”, no capítulo em que Sérgio Ferro trata do “desenho separado” como “desenho de representação do objeto a construir, ordem de serviço” (Ferro, 2006 [1976]: 174). Quando este exercício de poder quer justificar sua separação em relação ao canteiro de obras, ele apela à autonomia da arquitetura e à sua busca exclusiva por noções como “equilíbrio” e “harmonia”. Pois bem, no programa MCMV, o Projeto de Produção dispensa este pudor ideológico e mantém o nome “Projeto de Arquitetura” apenas por convenção contratual, pois os únicos valores que carrega são diretamente oriundos da produção empresarial: “construtibilidade” à frente de todos, mas também “redução de operações”, “controle de procedimentos”, “logística de obra” e, por que não, “qualidade”.

A única demanda externa à produção que este projeto precisa seguir são as “especificações mínimas” para empreendimentos financiados pelo FAR, editadas pelo Ministério das Cidades na condição de agente gestor do programa MCMV. Trata-se de uma especificação realmente “mínima”: duas tabelas hospedadas no site “www.cidades.gov.br”, uma para “casa” (entendida como “edificação residencial unifamiliar de um pavimento”) e outra para as tipologias residenciais multifamiliares (ou unifamiliar com mais de um pavimento), que são

“apartamento, casa sobreposta, village, sobrado”. Uma reprodução da parte superior desta última tabela aparece na imagem I-21 [178]:

No documento Trabalho e tecnologia no programa MCMV (páginas 189-191)