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9| Serventes em diferentes configurações de revestimento de argamassa

No documento Trabalho e tecnologia no programa MCMV (páginas 98-101)

Fonte: Souza, 2006: 85

Ubiraci de Souza agrupa os serventes de obra como uma “equipe de apoio”, que trabalha “em atividades-meio (por exemplo, transportando tijolos) ” e é composta por “operários que dão apoio à distância com relação ao grupo direto” (Souza, 2006: 34). Já “grupo direto”, por contraste, é a equipe de trabalhadores que executa atividades-fim, composta tanto por oficiais quanto por ajudantes de oficial [84].

Na imagem I-9, a situação identificada pela letra “a” (no canto superior esquerdo) mostra que, mesmo no grau menos industrializado da produção de argamassa, a “equipe de apoio” já está organizada em função de uma máquina: a betoneira. Ainda que seja uma máquina inadequada para produção de argamassa (como abordado no capítulo 2), ela fixa um operador (o “betoneiro”) e demanda de forma “exclusiva” ser alimentada por dois serventes de obra, que movimentam e manuseiam aglomerantes ensacados e agregados soltos.

Na situação “c” (canto superior direito), a argamassa é industrializada como insumo ensacado e a máquina que vai prepará-la é o misturador de eixo horizontal, equipamento leve, móvel e mecanicamente adequado ao preparo de argamassa. Com a máquina próxima à frente de trabalho, um servente pode dedicar uma jornada “parcial” para movimentar os sacos de argamassa industrializada entre o local de estocagem e o de preparo. A máquina misturadora (que opera com dosador mecânico de água) é acionada apenas por um comando liga/desliga e, assim, é operada pelo ajudante ou mesmo pelo próprio oficial que executa o revestimento.

Na situação “e” (canto inferior esquerdo), a argamassa industrializada não é estocada em sacos, mas num silo mecânico. Como o misturador está acoplado ao

84 Uma variação na proporção entre oficiais e ajudantes de oficial em função da “logística de obra” está

silo, um servente deve se ocupar com exclusividade em acionar o equipamento, encher a girica e transportá-la até o elevador de carga. Na situação “f” (canto inferior direito), silo, misturador e projetora de argamassa estão ligados por mangueiras pressurizadas. A movimentação de argamassa, da estocagem ao lançamento na parede, elimina integralmente o servente de obra.

Manuais como o de Ubiraci de Souza, de qualquer forma, exploram alternativas de racionalização e mecanização nas argamassas que já aconteceram em larga escala no fornecimento de concreto dosado em usina e lançado por bombeamento. O caso que mais altera o trabalho em canteiro de obras é o do concreto auto-adensável (CAA), uma tecnologia construtiva (mais que um simples insumo) que só pode ser compreendida quando colocada contra o pano de fundo que é a generalização do uso de concreto usinado nas grandes cidades brasileiras. Na região metropolitana de São Paulo, a distribuição territorial das usinas de concreto torna questionável a produção de concreto em canteiro de obra até mesmo quando é necessário pouco volume ou baixa resistência, percepção confirmada no seguinte depoimento de Hugo Marques da Rosa, diretor-presidente da construtora Método Engenharia:

Algumas coisas se tornam irreversíveis. Na década de 1970, por exemplo, grande parte das obras em São Paulo fazia concreto na betoneira na própria obra. Até recentemente, em algumas capitais do Nordeste fazia-se concreto em betoneira porque era mais barato que o usinado. Mas o fato é que os prazos de construção também estão cada vez mais apertados. Para atender a estes cronogramas, é preciso usar sistemas construtivos mais industrializados. Hoje é impensável em São Paulo fazer concreto em betoneira. Antigamente se fazia esta conta, hoje ninguém faz. (Tamaki, 2011b: 28) [85].

Que conta é essa, que tornava até recentemente a fabricação do concreto em canteiro de obra mais barata “em algumas capitais do Nordeste” do que em São Paulo? Certamente não é a que considera o custo unitário dos insumos do concreto, todos mais elevados nas capitais nordestinas Salvador, Recife e São Luís do que na capital de São Paulo, como mostra a tabela T-13, com preços levantados pelo IBGE para as tabelas Sinapi de Outubro de 2013.

T-13|Insumos de concreto em São Paulo, Salvador, Recife, São Luís

Insumo na tabela Sinapi cód. un. São Paulo Salvador Recife São Luís

Cimento CPII-32 10511 saco R$ 20,80 R$ 24,00 R$ 25,00 R$ 27,00

Areia média - sem frete 370 m³ R$ 53,00 R$ 55,00 R$ 70,00 R$ 60,00

Pedra britada n.1 - sem frete 4721 m³ R$ 51,25 R$ 51,25 R$ 67,29 R$ 93,18

Pedra britada n.2 - sem frete 4718 m³ R$ 49,50 R$ 49,50 R$ 65,00 R$ 90,00

Fonte: Sinapi/IBGE - Outubro 2013

Apenas o custo da força de trabalho dos serventes pode favorecer o uso em canteiro de obras de uma central de produção de concreto com betoneira, pois

85 O adjetivo “irreversível” também é usado pelo diretor técnico da Tecnum Construtora a respeito da

adoção de armaduras pré-fabricadas para peças convencionais da estrutura de concreto: "comprar as barras e fazer corte e dobra dentro do canteiro sai mais caro do que comprar pronto (...) é uma tendência irreversível" (Faria, 2007: 12). Na metrópole de São Paulo, apenas custos de transporte precisam ser levados em conta para a encomenda da armadura pré-fabricada e não é incomum encontra-las mesmo em obras de autoconstrução informal em favelas e loteamentos clandestinos.

são eles os responsáveis por descarregar, peneirar e dosar em caixotes os agregados, descarregar e movimentar a sacaria de cimento, carregar e deslocar giricas com concreto, além de realizar a limpeza e manutenção de ferramentas, caçambas, eixos, rodas e tambores.

Um sinal de que o chamado “concreto convencional” se tornou o concreto pré- fabricado em usina é que uma variante desta pré-fabricação, o concreto auto- adensável (CAA), agora se apresenta como inovação tecnológica que sofre resistência para substituir as práticas da construção formadas em torno do fornecimento de concreto usinado [86].

O custo do CAA, sempre em torno de 10% mais elevado em relação a outros concretos de mesma resistência, é a barreira contra a qual os estudos de Gestão de Produção alegam nova economia compensatória na eliminação de mão-de- obra, pois a fluidez e plasticidade deste concreto pressupõem não apenas a sua produção em usina como também o seu enrijecimento em fôrmas metálicas ou em PVC, onde não há brechas e descontinuidades que são comuns em fôrmas em chapas vinílicas produzidas por manufatura. O trabalhador que produz estas fôrmas não é, portanto, o carpinteiro e seus ajudantes, mas o “montador de fôrma”, inexistente na construção civil antes da introdução da tecnologia do CAA e que, em 2010, provocava uma polêmica que apareceu na seguinte nota da mais antiga revista do mercado brasileiro voltada para a construção civil:

A formação de montadores de fôrma para execução de paredes de concerto tem provocado impasses trabalhistas entre construtoras e sindicatos. Em algumas obras, como a função desses operários é, de acordo com as empresas, muito simples e sem necessidade de qualificação especializada - como a exigida de um carpinteiro, por exemplo - eles são registrados como serventes. Os sindicatos reivindicam o registro em cargos com maiores desembolsos salariais, como pedreiros (Construção e Mercado, 2010: 80).

O título da nota continha uma pergunta - “Servente ou montador? ” - que desde então foi respondida pelas empresas construtoras pela segunda opção, como fica claro numa notícia, esta mais recente, sobre o emprego de fôrmas de alumínio nos empreendimentos de uma empresa média de Minas Gerais, a Passos Construções e Empreendimentos:

Para a mão de obra, a construtora montou uma equipe própria com salário em torno de 15% acima do que se paga no mercado, por ser um serviço mais especializado. Os trabalhadores, no início, são treinados no próprio canteiro pela empresa fornecedora das fôrmas, e até um consultor em paredes de concreto foi contratado para acompanhar os operários (Guia da Construção, 2013).

A interdependência entre o CAA e a fôrma produzida com peças e materiais próprios para a completa selagem dos espaços cria de fato uma nova profissão de montagem, pois não se trata de uma única e simplificada montagem de painéis

86 Segundo a NBR 15.823-1: 2010, o CAA deve ter propriedade de autoadensabilidade apenas em função

da sua constituição e deve preencher os espaços de fôrma e armadura sem auxílio de vibradores ou compactação externa, criando uma superfície superior autonivelada. Só é possível obter estas propriedades pela completa automação do preparo, dosagem e mistura em usina, que não deixa ser apenas a replicação da automação de produção do próprio clínquer/cimento. O único complemento da indústria mecânica é o transporte e lançamento por caminhão betoneira-bomba, máquina especializada que necessita de seu próprio operador-motorista.

metálicos ou plásticos, mas de um permanente ciclo de desmontagem, limpeza, movimentação, marcação, nivelamento e montagem sem o qual a tecnologia e, consequentemente, o capital embutido na fôrma deixa de ser reaproveitado. No entanto, as implicações do CAA para o trabalho em canteiro não estão apenas no tipo de fôrma que exige, mas no seu próprio lançamento até esta fôrma: ele só pode ocorrer por bombeamento mecânico, sendo inútil seu descarregamento numa masseira ou numa “bica” de onde serventes tivessem que carregar as giricas com pá e enxadas.

Assim, por ser vendido apenas “posto em fôrma”, este concreto torna indistinta a industrialização da fabricação e do canteiro de obras, pois não é possível separar a produção do insumo do seu processamento final e, não por acaso, o lançamento do concreto é executado por profissionais vinculados diretamente ou por terceirização à usina e não à empresa construtora. Estes profissionais são o operador de mangote (“mangoteiro”), que monta os dutos de borracha, conduz o bico de lançamento e faz a limpeza e manutenção do conjunto, geralmente com ajudante próprio, e o operador de bomba de pistões hidráulicos, equipamento que é montado em caminhão próprio (em que ele é o condutor) quando complementado pela “lança” ou mastro de distribuição [87].

No documento Trabalho e tecnologia no programa MCMV (páginas 98-101)