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1. Nos contratos individuais

Quanto aos contratos individuais, não há qualquer dificuldade em se identificar a presença de relação de consumo, restando muito claras as figuras de consumidor e fornecedor definidas nos artigos 2º e 3º do CDC. Com efeito, sendo considerado consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire serviço como destinatário final, o contratante do plano de saúde, assim como seus dependentes, são claramente consumidores.

2. Nos contratos coletivos

Sobre a existência de relação de consumo nos contratos coletivos de planos de saúde, já houve muita discussão a respeito, tendo em vista a intermediação feita pela pessoa jurídica que contrata diretamente com a operadora, questão que está praticamente pacificada, inclusive pela jurisprudência, no sentido de que há.

Contudo, ainda existe quem alegue não haver, nestas situações, relação de consumo, sob o argumento de que a contratação teria ocorrido entre duas pessoas jurídicas, sendo que a contratante, a intermediária entre a operadora contratada e o usuário, não seria destinatário final dos serviços médico-hospitalares, de modo a restar descaracterizado o conceito de

consumidor previsto no artigo 2.º, caput, do CDC48, ou sob o argumento de

que a pessoa que adquire o plano de saúde através da pessoa jurídica intermediária não seria consumidor, porque sua condição de empregado, filiado, ou associado da mencionada pessoa jurídica intermediária, o excluiria desta condição.

Tais argumentos, contudo, não se sustentam. Com efeito, a pessoa jurídica intermediária contrata com a operadora de planos de saúde como destinatário final no sentido e alcance que deve ser dado a tal expressão, copiada pelo legislador brasileiro da Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Usuários espanhola, de 1984, que, no artigo 1º, inciso 2º, prescreve que “a los efectos de esta ley son consumidores y usuarios las personas físicas o jurídicas que adquiren, utilizen o disfrutan como destinatarios finales, bienes, productos, servicios, actividades o funciones, cua les quiera que sea la natureleza pública o privada, individual o coletiva de quienes la producen, facilitan, distribuen o expenden.”49

A expressão “destinatário final” restringe-se à pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza um produto ou serviço, normalmente por força de um contrato, com uma finalidade não profissional, não-empresarial, ou seja, para a satisfação de necessidades pessoais, familiares ou de terceiros, sem qualquer relação com atividade de produção, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços.

48Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final”

49in. ZANELLATO, Marco Antonio. Considerações sobre o conceito jurídico de consumidor.

É o que se dá na hipótese em exame, em que o a pessoa jurídica intermediária contrata com a operadora de planos de saúde no interesse de terceiros, os seus empregados, associados ou afiliados, sem qualquer cunho profissional ou empresarial, estando presente, pois, o elemento teleológico do conceito de consumidor, consistente na destinação final dos serviços médico-hospitalares a que a operadora se obriga a prestar aos empregados, associados ou afiliados da pessoa jurídica intermediária que, assim, devem ser tidos como consumidores.

São esses que, em última instância, se beneficiam dos serviços contratados por seu empregador, por sua associação ou por seu sindicato sendo, portanto, consumidores, devendo ser protegidos pelo CDC.

Para que se configure a relação de consumo, é necessário que estejam presentes os seguintes elementos: os sujeitos da relação (fornecedor e consumidor); o objeto e o elemento teleológico, isto é, a destinação final do produto. Nos contratos de planos de saúde coletivos, todos estes elementos estão presentes: o fornecedor é a operadora do plano de saúde; o consumidor é o terceiro beneficiário do serviço adquirido pela pessoa jurídica intermediária; o objeto são os serviços prestados pela operadora e o elemento teleológico, consistente na destinação final daqueles serviços que são, no final da cadeia, destinados aos que são vinculados à pessoa jurídica contratante pelas relações de emprego, de filiação ou associativa.

Portanto, a relação de consumo não se configura apenas nos contratos de planos de saúde celebrados diretamente pela operadora com as pessoas físicas, como destinatárias finais, mas também nos contratos coletivos, concluídos com associações, sindicatos e empresas, no interesse de seus associados, sindicalizados ou empregados, respectivamente, porque estes são os destinatários finais dos serviços prestados pelas empresas (fornecedoras) que operam planos ou seguros de assistência à saúde e, portanto, são consumidores de acordo com a definição do art. 2.º, caput, do CDC.

Não se pode, assim, excluir os beneficiários desses planos coletivos da proteção do Código de Defesa do Consumidor, principalmente se for levado em conta que são tão vulneráveis diante da operadora de plano de saúde quanto se tivessem contratado diretamente com elas, pois, na maioria das vezes, pequeno – ou quase nulo – é o poder de negociação da pessoa jurídica intermediária quanto à definição do conteúdo do contrato, já que suas cláusulas são normalmente previa e unilateralmente elaboradas pela operadora de planos de saúde, limitando-se a pessoa jurídica intermediária a aderir ao contrato de adesão integrado pelas referidas cláusulas.

Como assevera Fábio Konder, Comparato, lembrado por José Geraldo Brito Filomeno50, os consumidores são aqueles “que não dispõem de controle sobre bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes”.

50FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código brasileiro de defesa do consumidor, comentado

Assim, a relação jurídica existente entre a operadora e o usuário do plano ou seguro saúde será sempre uma relação de consumo, não importando se o contrato é coletivo ou individual.

A questão referente à existência de relação de consumo nos contratos coletivos de planos de saúde já foi analisada e decidida várias vezes pelos tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, como no Recurso Especial nº 602397, que decidiu ser abusiva cláusula que permite à operadora, após simples notificação prévia, a rescisão unilateral de plano de saúde em grupo e que a tais contratos, aplicam-se as disposições do Código de Defesa Do Consumidor. O mesmo entendimento foi externado diversas vezes pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.51

III. O MINISTÉRIO PÚBLICO FRENTE AOS PLANOS DE SAÚDE