• Nenhum resultado encontrado

2. SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA E O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS

2.3 A CIÊNCIA PÓS-EMPIRISTA E O ENSINO DE CIÊNCIAS

2.3.2 Contribuições de Bachelard à compreensão da ciência

"A própria essência da reflexão é compreender que não se tinha compreendido"

(BACHELARD, 1971, p. 125)

Gaston Bachelard, poeta, filósofo e cientista francês, teve uma vasta publicação de poesias e, também, no campo da epistemologia, com destaque para uma obra que ganhou grande repercussão entre a comunidade científica, “O Novo Espírito Científico”, publicado em 1934. Nesta obra, Bachelard traz elementos para o surgimento do que chamou de uma nova ciência, defendendo um novo olhar para a dinâmica da produção do conhecimento científico, a partir da superação dos obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996).

Na referida obra, Bachelard classificou em três grandes momentos a história do pensamento científico: “pré-científico”, “estado científico” e “novo espírito científico”. O primeiro começa na Antiguidade Clássica, seguindo a Idade Média e cobrindo os séculos XVI, XVII e XVIII. O segundo, no final do século XVIII, se estendendo até início do século XX. O terceiro e último período, inicia no século XX, com a Teoria Relatividade de Einstein em 1905, que problematiza conceitos, até então tidos como fixos, “[...] A partir dessa data, a razão multiplica suas objeções, dissocia e religa as noções fundamentais, propõe as abstrações mais audaciosas [...]” (BACHELARD, 1996, p. 9).

Para Bachelard, o conhecimento construído é amparado em subsídios teóricos, ele nunca parte do nada, pois, “[...] busca-se reconstruir o que já se sabe, se faz a reconstrução da história de um conceito particular, ou seja, se faz a recorrência histórica de um saber” (SILVA, 2007, p. 45). Isto é, o conhecimento é uma construção cultural, que ocorre no meio social e por conta disso, exige critérios de cientificidade para sua validação.

61 O autor destaca que “temos que demostrar que aquilo que o homem faz numa técnica [...] não existe na natureza e não é se quer uma continuação natural dos fenômenos naturais” (BACHELARD, 1971, p. 19). Contudo, é possível afirmar que a construção do conhecimento científico não é uma continuação natural ou até mesmo um processo refinado do conhecimento do senso comum, mas, sim, o desenvolvimento do conhecimento ocorre a partir de circunstâncias históricas promovendo atos de rupturas e retificações dos erros. No entanto, não existe verdades, o que existes são superações de erros e atos de rupturas com o conhecimento aceito provisoriamente perante a comunidade científica.

Amparada nessa perspectiva bachelardiana, a ciência não evolui de forma contínua ou ininterrupta, ela precisa superar entraves que impossibilitam a sua evolução, os denominados “obstáculos epistemológicos”. Estes, trazem resquícios dos conhecimentos historicamente compartilhados e acumulados pelo senso comum, havendo a necessidade de atos de rupturas com o conhecimento anterior, a partir de uma nova reestruturação epistemológica (ALVETTI; BORGES, 2007).

Os obstáculos epistemológicos são problemas de natureza científica, ou, como definiu Bachelard (1996), um contra-pensamento, isto é, um pensamento que se opõe ao surgimento de uma nova ciência e por consequência vai impedido o progresso do conhecimento científico:

E não se trata de considerar obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. É aí que mostraremos causas de estagnação e até de regressão, detectaremos causas de inércia às quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos [...] (BACHELARD,1996b, p. 17).

Para a superação dos obstáculos epistemológicos faz-se necessário uma vigilância do espírito científico, ao “[...] estabelecer uma ruptura com o conhecimento comum ou experiência básica, pois esse é seguramente o principal obstáculo à construção do saber científico” (SILVA, 2007, p. 63). É a partir desse espírito científico que será possível “[...] desobstaculizar os pensamentos que se atrofiam ou que ficam entorpecidos por verdades tidas como fixas, imutáveis” (SILVA, 2007, p. 63). Bachelard defende que é por meio da psicanálise que se propicia o desenvolvimento do espírito científico, ao tomar ciência da origem dos obstáculos que dificultam o progresso científico.

Conforme Silva (2007), o filósofo organiza os obstáculos epistemológicos em dois grupos: obstáculos gerais (“experiência primeira” e “generalização prematura”) e obstáculos particulares (“verbalismo”, “substancialismo” e o “animismo”).

62 O obstáculo da “experiência primeira” é tido para Bachelard (1996, p. 29) como “[...] a experiência situada antes e acima da crítica, que é necessariamente um elemento integrante do espírito científico’’. Em outras palavras, é a experiência inicial, que antecede o espírito científico, que está exposto a um conhecimento que ainda não provém de uma consistência teórica frente a elaboração do conhecimento científico.

O obstáculo da “generalização prematura” é concebido como uma espécie de “A base empírica do conhecimento pré-científico faz com que repetidas experiências mal interpretadas levem a conclusões gerais. Tudo é compreendido, tudo é explicado, assim como tudo é generalizado” (COSTA, 2003, p. 89). É possível depreender que esse obstáculo ainda está muito atrelado ao primeiro obstáculo da “experiência primeira” que precisa despir-se de alguns conceitos imediatos.

O “verbalismo” está relacionado ao uso da linguagem com termos que dificultam o desenvolvimento do espírito científico. Partindo do princípio que a ciência ocorre de forma descontínua com algumas rupturas, assim também se torna necessário a retificação do uso da linguagem, para que esta tenha maior aproximação com a ciência contemporânea (SILVA, 2007).

O obstáculo “substancialismo” busca se ocupar das explicações mais profundas das coisas, isto é, da essência das coisas. Esse obstáculo é difícil de ultrapassar, por estar

[...] arraigado no inconsciente das pessoas. [...] somente a partir de um longo esforço no sentido de buscar compreender as relações dos fenômenos, reconhecendo que as propriedades das coisas se reduzem às relações delas com o homem, em vez de procurar as qualidades numa substância, é que se consegue superar o obstáculo substancialista (SILVA, 2007, p.70).

Já o obstáculo “animismo” está atrelado ao conceito de vida. Nesta direção Costa (2003), destaca que os fenômenos biológicos auxiliam na compreensão dos fenômenos físicos e dos organismos vivos. Bachelard (1996) busca relações desse obstáculo junto aos três reinos da natureza: animal, vegetal e mineral. Para o autor, no reino mineral há uma depreciação em relação ao demais, “Não é apenas um jogo de analogias, mas a real necessidade de pensar de acordo com o que imaginam ser o plano natural. Sem essa referência aos reinos animal e vegetal, os estudiosos teriam a impressão de trabalhar sobre abstrações” (BACHELARD, 1996, p. 188).

Para Bachelard a superação dos diferentes obstáculos epistemológicos identificados é de suma importância para o desenvolvimento do espírito científico. O desenvolvimento do espírito científico é muito caro para a comunidade de cientistas, pois é, onde reside a pesquisa

63 científica em constante processo de retificações e rupturas, em busca de uma verdade que está no por vir.

É a partir dessa vigilância epistemológica bachelardiana que progride o conhecimento científico em uma perspectiva dialética entre erro e verdade. Em constante processo de retificações dos erros primeiros e com verdades provisórias a partir de recorrências histórica do saber em constante processo de construção.