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A PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISES E REFLEXÕES

3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PNAISP NO ESTADO DA PARAÍBA

3.4.1. Contribuições para a promoção de uma saúde humanizada

A promoção à saúde humanizada corresponde um dos princípios da PNAISP (2014) disposto em seu Art 3º, inciso IV, e assinala a “promoção de iniciativas de ambiência humanizada e saudável com vistas à garantia da proteção dos direitos” das pessoas privadas de liberdade, no ambiente prisional. Nesse sentido, quando questionado aos profissionais de que modo cada qual contribui para, a partir das atribuições de suas respectivas especialidades, promover uma saúde humanizada no interior da instituição, foi revelado que grande parte da equipe possui uma compreensão do que vem a ser “saúde humanizada” e se empenha em viabilizá-la.

Bem, assim... Como eu tenho já experiência de PSF [...] Eu já tenho, assim, essa prática, né? De um atendimento humanizado, de ver o paciente como um todo, de maneira integral. Então, aqui o que eu procuro fazer é ter paciência e calma em atender. Ouvir... Tentar explicar... [...] Eu tento humanizar principalmente tocando um pouco no paciente, olhando no olho, ouvindo, atendendo sem pressa, certo? Tratando ele como pessoa, né? Como pessoa. De uma maneira “totalitária”, sem ver exatamente um furúnculo que ela tem... Um problema na mão... Vendo a paciente como um todo [...] Eu falo pra elas assim, que a gente pode promover a saúde, mesmo tendo a doença, evitando as complicações da doença. Quer dizer, eu to promovendo saúde, a partir do momento que elas são já doentes, uma doença crônica, mas eu posso evitar, por exemplo, um pé diabético de amputar e isso vai levar ao óbito. Então, eu falo muito na alimentação também, certo? [...] Então, essa parte educativa... [...] A história da integração, assim, com a parte psicológica também... Que interfere! (Médica, Entrevista Nº 04).

Na parte de acolhimento e motivação, né? Quando a apenada chega no presídio que... Quando é a primeira vez... É... Tem a parte do acolhimento, da orientação, como funciona, né? Porque, de certa forma, elas chegam com bastante medo, então a gente, de certa forma, tanto a Psicologia quanto o Serviço Social acalma a apenada, né? A paciente, e... Explica quais, é.. Qual a forma de tratamento aqui (Psicóloga, Entrevista Nº 06).

Convém detalhar que a humanização na saúde, segundo explana Rech (2003), é um processo pautado na dignidade da pessoa humana, o qual preconiza o trato do indivíduo debruçando sobre ele um olhar singularizado, considerando seus valores e vivências como únicos e criando condições para que se possa prestar um atendimento sem descriminação pessoal. Em outras palavras, a promoção à saúde humanizada requer considerar as múltiplas circunstâncias que compõem o sujeito, dadas a partir das dimensões sociais, psíquicas, culturais, dentre outras; entendendo a saúde para além de uma perspectiva que enfoque tão somente suas necessidades biológicas.

É importante ressaltar ainda que, embora não se pretenda empenhar uma discussão mais aprofundada a respeito, Paim (1999) sinaliza a existência de diversos modelos de atenção à saúde que vão desde o de caráter médico-curativo – o qual centra as intervenções exclusivamente no trato da doença – até ações que se destinem apenas à contenção das demandas diárias, sem se empenhar em investigações, prevenções e promoção de ações que subsidiem um serviço integral. Contudo, assinala-se que o modelo incorporado pela PNAISP com base nas disposições do SUS possui uma abordagem importante por compreender a saúde em seu caráter coletivo, subsidiando ações através da conjunção de recursos físicos, tecnológicos e humanos de modo universalizado.

Assim sendo, uma vez que o indivíduo passa a ser percebido a partir de sua totalidade, o processo de humanização requer uma articulação maior entre as diversas especialidades profissionais para que se preste um atendimento integral aos usuários dos serviços, ultrapassando a lógica isolada do trato da doença e desenvolvendo ações que englobem a promoção, prevenção, proteção e recuperação. A despeito disso, é possível complementar com base em Sarreta (2009) que a,

[...] Integralidade é a confluência de vários saberes de uma equipe de saúde, no espaço concreto e singular dos serviços de saúde, os quais devem estar organizados e preparados de forma aberta para receber as necessidades de saúde não previstas em rotinas e protocolos (p. 91).

Não obstante, Fortes (2004) sintetiza que a década de 1990 chegou a ser considerada o momento do ápice das discussões acerca da humanização na saúde brasileira. Tal período, por sua vez, culminou em dois marcos legais posteriores de grande relevância que aqui merecem destaque. Primeiro, em 2001, surgiu o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), o qual foi lançado por intermédio do Ministério da Saúde e possuía o

intento de promover o atendimento humanizado, transformando os padrões de assistência ao usuário no ambiente hospitalar.

Em seguida, foi implementada no ano de 2003 e está vigente até os dias atuais24, a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão em Saúde no SUS (HumanizaSUS), objetivando ultrapassar a promoção da humanização no ambiente hospitalar e atingir outros níveis de atenção à saúde, lançando propostas a nível de atendimento, qualificação dos serviços prestados e gestão dos princípios e diretrizes do SUS.

Assim, entende-se que a inserção do trato humanizado direcionado à população penitenciária significa não apenas um rompimento com as barreiras impostas pelo estigma do cárcere, mas também possibilita uma luta de combate à negação de direitos historicamente impetrada na vida das pessoas que cumprem pena privativa de liberdade.

Por outro lado, demonstrou-se que, mesmo havendo comprometimento por parte dos profissionais, nem sempre há condições suficientes para promover tal princípio, como se pode perceber a partir do discurso a seguir:

A gente, no caso, idealmente, a gente deveria fazer atendimentos ambulatoriais igual a um PSF, tipo extrações, restaurações... É... Limpeza, algumas detecções de câncer de saúde bucal como as lesões de boca mesmo... Mas, como a gente tem a dificuldade dos insumos que não vêm, o que a gente acaba fazendo é só medicação de urgência. Então, a minha atribuição na realidade mesmo o que a gente faz é isso. Só que como promoção de saúde, eu criei um banner que é de autoexame da boca. Então, algumas vezes por mês, eu vou pro pavilhão, reúno algumas apenadas e faço

essa “palestrinha”, aí elas já ficam mais interessadas em aprender, questão de

detectar lesão elas mesmas e ainda de higienização bucal. Mas, é a única parte assim que a gente consegue trabalhar na odontologia mesmo. Por enquanto [entonação da voz] (Cirurgiã Dentista, Entrevista Nº 05).

Fortes (2004) aponta que uma das principais propostas levantadas pelo movimento de humanização da saúde se refere à sustentação de melhorias das condições necessárias ao desenvolvimento das ações e, por esta razão, necessita-se empreender esforços para viabilizar os aspectos organizacionais do sistema e dos serviços de saúde, contudo, estes fatores independem do esforço subjetivo de cada profissional, por estarem relacionados à esfera da gestão da política. Tendo isto em vista, a categoria analítica seguinte trará aspectos mais detalhados acerca dos entraves enfrentados cotidianamente no setor de saúde do CRFMJM.

24 Cf: BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Seminário 10 Anos da Política Nacional de Humanização. – Brasília : Ministério da Saúde,

2014. Disponível em:

<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/seminario_10_anos_politica_nacional_humanizacao.pdf> Acesso em 01 Jul de 2016.