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A PESQUISA DE CAMPO: ANÁLISES E REFLEXÕES

3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PNAISP NO ESTADO DA PARAÍBA

3.4.5. Percepção da saúde vinculada ao processo de ressocialização

As falas dos profissionais, de modo geral, foram coletadas com base na indagação de que modo, a partir das atribuições de cada profissional, eles estariam contribuindo para o processo de ressocialização. Foi importante constatar que existe uma noção de que a promoção à saúde faz parte do processo de ressocialização, como descreve as falas seguintes:

É o que eu gosto de dizer, independente e ser reeducanda ou não: “um sorriso abre

portas” [risos]. Então, quando elas chegam aqui, que eu consigo fazer alguma coisa

pra melhorar, é muito gratificante. Então, eu acho que quando elas saírem acaba que é mais fácil de até se conseguir um emprego porque, infelizmente, o visual ainda é muito avaliado (Cirurgiã Dentista, Entrevista Nº 05).

Eu acho que... O processo, assim... A saúde pode contribuir com o processo de ressocialização das reeducandas, principalmente, é... Elas, assim... Introjetando dentro delas que elas são sujeitos ativos da sua saúde. Então, assim, quando elas

saírem daqui, e elas forem, né, voltarem para as suas casas, voltarem para as ruas, elas terem a ideia de que elas são sujeitos ativos da sua ressocialização. Não ficar só esperando pelo Estado, não ficar só esperando pelas instituições, entendeu? Então, eu acho que a ressocialização é possível, sim, eu acredito demais! Principalmente, se elas se virem como cidadãs, sabe? Não perderem a cidadania. Porque muitas aqui chegam achando que não são nada, que são lixo, que não valem de nada, que errou (Médica, Entrevista Nº 04).

Por outro lado, constatou-se que, mesmo havendo uma compreensão dessa relação saúde-ressocialização, os profissionais enfrentam em campo dificuldades que não apenas impactam no seu fazer profissional, mas também incidem diretamente sobre a qualidade de vida das reeducandas:

É, no meu ponto de vista, como eu já vivo falando lá, desde a primeira questão né? É... A gente encontra dificuldade com a ressocialização... Vou citar só um exemplo, hoje em dia no Julia Maranhão a gente faz campanha entre a gente, os profissionais, para conseguir absorvente para as essas reeducandas. Isso é uma questão de quem promover? Né? A questão... Acho lá da ressocialização... Então, a gente queria uma contrapartida da ressocialização, que elas se aproximassem mais da gente, procurassem ver das equipes de saúde as dificuldades que a gente tem para trabalhar junto com a ressocialização... Trabalhar junto pra dar... Proporcionar, é... Como é que se diz...? Bem-estar para essas reeducandas (Enfermeira, Entrevista Nº 03).

Na fala exposta acima, apresentou-se um aspecto contrastado entre os esforços pessoais dos trabalhadores da saúde e as inviáveis condições enfrentadas no cotidiano de trabalho da equipe de saúde. Assim, emerge-se também a problematização de que o fato de haver a inserção de uma equipe multidisciplinar numa unidade prisional e subsidiar atendimentos cotidianos não significa viabilizar o direito à saúde, quando se entende que apenas estes fatores não são suficientes para a promoção de tal, mediante a escassez de materiais, recursos financeiros, etc.

A despeito disso, sintetiza-se que,

A reflexão sobre o campo de saúde no sistema prisional [...] se abre inevitavelmente para as ciências sociais e políticas, pois a deterioração das condições de vida de contingentes imensos da população aglomerados nas cidades (e, no caso, nas cadeias), levanta questões que exigem respostas mais amplas que a definição apenas biológica da doença não consegue explicar. A crescente consciência social de que a luta pela saúde faz parte da construção da cidadania e a contrapartida de que a saúde também é tema de interesse político-social reafirmam este ponto de vista. A ressocialização dos detentos é indissociável das condições de saúde nas prisões, que, em sua definição mais ampla, está associada à oferta de uma abordagem integrada de assistência médica, pedagógica, jurídica e laboral aos detentos, favorecendo a inclusão social (DAMAS, 2012, p. 19-20).

O processo de ressocialização, por sua vez, está intimamente ligado à noção de incentivo ao exercício da cidadania, à medida que se compreende esta como um conjunto de

direitos que concedem ao indivíduo a oportunidade de participação ativa no seu contexto social. A não participação ou negação de uma pessoa à sua inserção neste processo significa uma marginalização e exclusão desta na tomada de decisões e participação ativa da vida social, conforme sinaliza Dallari (1998).

Cabral et. al (2014), reitera que os aspectos que configuram o contexto da vivência no sistema prisional não se reduz apenas ao modo de funcionamento da prisão, com suas imposições de regras e condutas. Mas, principalmente, com as condições sociais, econômicas, culturais, familiares, escolares que constituíram o indivíduo durante o trajeto de sua vida. E estes aspectos ainda se articulam com as interfaces que se (re) produzem quando adentram ao contexto carcerário: compreensões, ignorâncias, sociabilidade, violência, etc. Neste sentido, as políticas públicas aparecem como mais um aspecto que irá se relacionar com as variáveis já citadas, através das iniciativas de vão desde a educação até a assistência social, religiosa, bem como à saúde.

Todas as ações que nós temos feito, né, ele tem o intuito da garantia do direito à pessoa privada de liberdade. Eu acho que no momento em que, como eu te disse, a gente identificou pessoas... Falei só com relação a gestantes que nunca utilizaram a rede de atenção para fazer o pré-natal. Mas, na verdade, a gente tem pessoas dentro do sistema que nunca foram a um dentista. E a primeira vez em que sentaram na cadeira do dentista e fizeram uma avaliação bucal foi dentro do sistema, né? E com relação a varias outras pessoas, a gente tem identificado dentro do sistema pessoas hipertensas que nunca foram a um médico ou nunca buscaram... Pra diabéticos também. Então, todo esse processo se iniciou dentro do sistema. Eu acho que isso é, acima de tudo, enxergar e mostrar pra esse indivíduo, pra essa mulher, especificamente, no Maria Julia, que elas são cidadãs. Então, no momento em que você assegura o acesso dessa pessoa à saúde, você ta, acima de tudo, provando e mostrando pra ela que ela é uma cidadã, que independente do delito que ela cometeu

– e ela está lá pra pagar por isso, e isso nunca vai ser discutido – mas ela ta sendo

enxergada como uma cidadã e que precisa ter seus direitos assegurados, né? E a humanização no trato, o trabalho de acolhimento que é realizado, isso tudo fomenta no indivíduo, além do resgate da autoestima, mas, acima de tudo, o resgate do indivíduo enquanto ser que precisa, né, ser enxergado dentro do contexto social, né? [...] Então, a saúde é um dos vetores necessários e que tem contribuído pro resgate dos valores e, acima de tudo, pro resgate da cidadania das pessoas, das mulheres privadas de liberdade no estado. Eu insisto que é apenas um dos vetores, né? Aliado a todo um processo de humanização, de educação, né, da tentativa da inclusão dessas mulheres é... Na... No mercado de trabalho, através de cursos profissionalizantes, através dos acompanhamentos psicológicos e sociais. Então, assim, é um conjunto de ações que tem buscado, efetivamente, o resgate dessa pessoa privada de liberdade, né? O resgate dele enquanto cidadão pra, futuramente, a inclusão dessa pessoa de volta à sociedade (Gerência Executiva de Ressocialização da SEAP, Entrevista Nº 01).

Assim, a promoção à saúde aparece como um aspecto essencial para consolidar o processo de reintegração social das internas do Sistema Prisional, mesmo sendo detectadas falhas institucionais, rotineiras e de gestão que dificultam a viabilização de tal processo.