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8 POBREZA CONTROLADA: A INFORMATIZAÇÃO DO CONTROLE!

8.1 O CONTROLE DO BENEFÍCIO DE RENDA

Segundo informações do site do Programa Bolsa Família, a fiscalização da gestão do Cadastro Único e do Programa pode ser feita das seguintes formas:

- Ações in loco e à distância, realizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, por meio da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, conforme critérios e parâmetros estabelecidos na Portaria Senarc nº 1/2004.

- Ações desenvolvidas pelas Instâncias de Controle Social, que devem acompanhar as atividades desenvolvidas pelo gestor municipal do Programa, auxiliando na definição de formas para melhor atender às famílias que se enquadram nos critérios do Programa, inclusive no que diz respeito à disponibilização de serviços públicos de saúde e educação que permitam o cumprimento das condicionalidades.

- Auditorias e ações de fiscalização realizadas pelas instituições de controle interno e externo do poder executivo, a maior parte delas também componentes da Rede Pública de Fiscalização do Bolsa Família.

- Auditorias por meio de análise das bases de dados e sistemas, em especial aquelas realizadas na base do Cadastro Único, que permitem identificar duplicidades, divergências de informação de renda quando comparada com outras bases de dados do Governo Federal, dentre outras. (BRASIL, 2012c).

Das formas de fiscalização da gestão do Cadastro Único descritas acima, observamos em nossa pesquisa as que envolvem as esferas municipais (Secretaria Municipal de Assistência Social e CRAS) e Federal (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Caixa Econômica Federal) e algumas denuncias provenientes da população. Não tivemos acesso ou conhecimento sobre fiscalização oriundas das Instâncias de Controle Social ou outras instituições como Ministério Público e Poder Executivo.

Mas a principal forma de controle do benefício de renda encontrada no Programa Bolsa Família é realizada a partir dos dados fornecidos pelo beneficiário ao Cadastro Único, e a verificação dessas informações baseada no método ex-ant, ou seja, são autodeclaráveis e verificados somente quando solicitados pelos gestores após o processamento dos dados cadastrais realizados pelo Sistema de Benefícios ao Cidadão e Sistema de Gestão de Condicionalidades, e o cruzamento com os bancos de dados públicos como Relação Anual de Informações Sociais, Carteira de Trabalho e Previdência Social, Instituto Nacional do Seguro Social, Registro Nacional de Veículos Automotores, Sistema Informatizado de Controle de Óbito entre outros.

O ciclo apresentado na Figura 6 mostra a Porta de Saída do Programa Bolsa Família, ou seja, como a partir do controle de informações, denúncias recebidas, descobertas de irregularidades e não cumprimento de condicionalidades, o cartão de benefícios pode ser bloqueado e cancelado.

FIGURA 6 - Ciclo da porta de saída do Programa Bolsa Família

Obs.: Diagrama elaborado a partir de informações obtidas por meio de observação, conversas, entrevistas e documentos.

Fonte: Jacy Corrêa Curado, 2012.

A “porta de saída” ou desligamento do programa é considerado um dos seus pontos críticos e deve ocorrer quando há o descumprimento dos compromissos assumidos com as condicionalidades e a família beneficiária não atender mais os critérios de renda e número de filhos estabelecidos para recebimento do benefício. Mas nem sempre essas mudanças são notificadas pelos beneficiários que deveriam solicitar o desligamento do programa, e sim, ocorrem após um longo processo de verificação de informações, advertências, sansões, suspensão, bloqueio e por fim o cancelamento do benefício, pois segundo a cartilha Agenda da Família, “[...] a família pode ter seu benefício bloqueado, suspenso ou cancelado. Mas o governo não quer que as famílias sejam prejudicadas [...]” (BRASIL, 2009, p. 26). O cancelamento do benefício é função exclusiva da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania, que mediante indicações e lista de cartões bloqueados e suspensos enviados dos municípios, irão autorizar ou não o cancelamento. Na ocasião da pesquisa, uma gestora da Secretaria Municipal de Assistência Social, de Campo Grande, MS, nos

informou que haviam enviado uma lista de dois mil cartões de beneficiários bloqueados à Secretaria Nacional e que estavam aguardando o cancelamento há uns seis meses.

Segundo informações de uma gestora do CRAS, de Campo Grande, MS, a principal forma de controle é realizada pelo “sistema” virtual “eles entram no sistema para saber se a pessoa tem previdência, se está acima da renda para estiver recebendo, se tem trabalho com carteira, tem todo um controle dentro do sistema”. Ainda constam outros tipos de informações no “sistema” como “se o cidadão foi candidato nas eleições, se tem carro, caminhão”. Todos estes tipos de casos são listados para receberem visitas domiciliares, afirma a Gestora:

Quando pegam problemas lá, eles mandam fazer visitas, e também quando é detectado algo que não é condizente com a realidade a gente vai à casa, mesmo na hora do cadastro, quando a gente vê que a família omitiu alguma situação.

Ouvimos muitos comentários sobre a má distribuição na concessão do benefício de renda, ou seja, de que muitas pessoas os recebem sem necessitar, pois raramente os dados cadastrais são verificados, como nos casos de demonstração de bens materiais como casa, carro, antena parabólica, telefone celular, que indicam alguma posse de patrimônio e melhoria da condição econômica das famílias beneficiárias.

Ao perguntar a algumas beneficiárias sobre quando se deve pedir o desligamento do programa, as opiniões são distintas, pois enquanto uns são mais flexíveis:

[...] depende de quanto ela tem que ganhar para sustentar todos da casa, mesmo que tenha já casa e emprego [...]. (Beneficiária 8) [...]. é complicado, porque tem que saber se realmente a pessoa tá estabilizada, se mudou, se não precisa. (Beneficiária 4)

Outras denunciam o que consideram mal uso na concessão do benefício:

[...] tem gente que tem bicicletaria, loja, mercado e pega. Acho que deveria ser para quem realmente precisa, tem gente que ganha vale

renda e bolsa família, acho que tá errado. É pra quem tem mais necessidade! (Beneficiária 10)

[...] quem não precisa mais tem que falar, porque tem mais de 20 pessoas que esperam para ganhar, assim falaram na reunião, mas tem gente que ganha salário e continua recebendo do programa. (Beneficiária 3)

Há muita discussão sobre quem seria “merecedor” do benefício. As informações sobre critérios, normas, regulamentos do Programa são pouco conhecidas e muitos que atendem os critérios estabelecidos, não os reconhecem, ou mesmo, os que pensam estar na ilegalidade não estão, ou ainda atribuem ao salário um critério de renda que não corresponde aos definidos pelo Programa. Segundo vários comentários de gestores e beneficiários, o fato dos dados não serem verificados e fiscalizadas pelo governo, cria uma sensação de que há muita “mentira” nessas informações que propiciam a concessão do benefício, como as apontadas por algumas beneficiárias:

Eu não sei o que entra, como eles escolhem o cadastro, mas tem muita gente que eles põe que não necessita e que pega, [...] e quem realmente precisa que eles fazem visita e dão aquela renda baixíssima. (Beneficiária 2)

É uma questão... ajuda as pessoas que realmente necessitam ?... Tem pessoas que não precisam e recebem.Tem gente que tem casa boa para morar, tem bom salário e recebe e tem quem necessita. E pagam aluguel caro, não tem casa própria e não recebe mas tem pessoas que não precisam e recebem. (Beneficiária 4)

É relativo, porque eles nem iam fiscalizar, falam que é de baixa renda, e vão ver tem casa boa. Tem que ter controle também, é para pessoa necessitada mesmo, que não tem nem o que comer e conta com esse dinheiro e vai lá do dia X pegar, às vezes não é nem para criança, mas para própria casa. (Beneficiária 5)

Sei lá, acho que o povo não entende muito o bolsa família, tem gente que recebe 2 salários e pega, eu conheço muita gente que tem até mais e pega,.esse programa deveria ser para quem tem crianças na escola e necessita mesmo, não é ? (Beneficiária 10)

Não há motivação ou incentivo à prática de denuncia entre os beneficiários e o local para realizá-la é pouco divulgado. Em conversa com uma gestora do CRAS, ela informa que:

O lugar para denunciar é na Secretaria Municipal de Assistência, mas que “a maioria deles deixa como está”.

As formas de controle do benefício priorizadas pelo programa são as oriundas do cruzamento de dados públicos dos sistemas de informação, e não as provenientes de denuncias da população ou gestores. Os gestores possuem a função de fazer as visitas domiciliares quando solicitadas por “eles”, que no caso são da sede central da Secretaria Municipal de Assistência Social, do Ministério de Desenvolvimento Social e da Caixa Econômica Federal. O argumento do Governo Federal segundo uma gestora do CRAS é de que o controle in loco ou a realização de visitas domiciliares a quase 13 milhões de famílias beneficiárias necessitaria de um grande investimento para formar equipes de fiscalização, que superariam o gasto com os que têm acesso ao benefício sem atender os critérios que segundo estudos seriam de 5%.

Essa opção de fiscalização por meio de dados dos sistemas públicos estaria atendendo os modos de controle biopolítico realizado de forma centralizada sobre a população, em que a informatização da gestão social tem modificado as práticas de intervenção do campo social e aumentado o controle sobre os modos de viver da população pobre.