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CAPÍTULO 2 TERCEIRIZAÇÃO: CONCEITOS, ESPAÇOS ESTRUTURADOS E

2.3 Controle Judicial: Créditos Trabalhistas e Responsabilidade

Há algo muito atraente na ideia de que qualquer pessoa, em qualquer lugar no mundo, independentemente de nacionalidade, local de domicílio, cor, classe, casta ou comunidade, possui alguns direitos básicos que os outros devem respeitar. (Amartya Sen)342

A extinção do contrato pela conclusão ou execução de seu objeto, conforme cita Lucas Rocha Furtado, é a regra e “ocorre de pleno direito quando as partes cumprem integralmente todas as cláusulas do ajuste”.343 O cumprimento recíproco, portanto, das prestações contratuais, extingue o contrato e todos os encargos e obrigações dele derivadas, embora seja relevante destacar que o contratado é obrigado a responder pelo que foi avençado.

Outra hipótese de extinção do contrato é a expiração do prazo de vigência, sendo legalmente vedada, pelo art. 57, §3º, da Lei de Licitações, a celebração de contratos por prazo indeterminado, ficando restrita a duração dos contratos à vigência dos créditos orçamentários, nos termos do caput do supramencionado artigo – guardadas as exceções previstas no mesmo dispositivo.344 Finalmente, pode o contrato ser extinto pela via da rescisão, mencionada nos arts. 78 e 79 da Lei n. 8.666/93, sendo 3 (três) as categorias:345

Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:

I - determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;

II - amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração;

342 SEN, Amartya. A ideia de Justiça. Prêmio Nobel. São Paulo: Cia das Letras, 2011, p. 390.

343 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

344 Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

[...]

§ 3o É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado. BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 13 abr. 2012.

345 Há ainda a extinção do contrato pela via da anulação, que encontra fundamento no art. 59 da Lei n. 8.666/93, quando ausentes pressupostos de validade. Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da

União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 13 abr. 2012.

III - judicial, nos termos da legislação (grifo nosso).346

Para Lucas Rocha Furtado e Marçal Justen Filho, não pode o contrato ampliar as hipóteses de rescisão para além daquelas estabelecidas em lei.347 A primeira hipótese legal, a rescisão unilateral, é uma das prerrogativas atribuídas pelo regime administrativo à Administração Pública, podendo ocorrer tanto por inadimplência do contratado quanto por interesse público, desde que haja motivação. A segunda hipótese, a rescisão a amigável, ocorre quando há confluência entre interesse público e privado em prol da rescisão, fazendo- se necessária a justificativa, pela Administração Pública, em face do seu papel de tutela do interesse público. Finalmente, em relação à terceira e última hipótese, referente à rescisão judicial, o art. 78 da Lei n. 8.666/93, nos incisos XIII a XVI, prevê as hipóteses em que há rescisão por culpa da própria Administração:

Art. 78 [...]

XIII - a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1o do art. 65 desta Lei;

XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

XVI - a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;348

As hipóteses de rescisão por culpa da Administração Pública mencionadas autorizam o contratado a propor ação judicial para declarar a extinção contratual. No caso dos incisos I a

346 BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da

União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 13 abr. 2012.

347 Vide FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010 e JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.

348 BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da

União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 13 abr. 2012.

XII, XVII e XVIII, o texto legal prevê possibilidades de garantia do cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado, “dotando a Administração de instrumentos que possibilitem rescindir o respectivo contrato no interesse público”.349

Art. 78. [...]:

I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos;

III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados;

IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;

V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração;

VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores;

VIII - o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1o do art. 67 desta Lei;

IX - a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil; X - a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;

XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;

XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;

[...]

XVII - a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. (Incluído pela Lei nº 9.854, de 1999)350

A proposição de um “controle civilizatório” a posteriori – considerando já terem sido abordados o controle a priori, realizado no momento da implementação do procedimento licitatório, e o controle durante a execução contratual, pela via da fiscalização – seria aquele implementado após a extinção do contrato, por meio da judicialização de demandas. É um controle, portanto, judicial, quando o Poder Judiciário, provocado por qualquer das partes ou pelo trabalhador, lesado pelo inadimplemento de obrigações decorrentes do contrato de

349 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 490. Os incisos XIII a XVI, cuja análise não é necessária ao recorte estabelecido para a pesquisa, para Lucas Rocha Furtado, objetivam resguardar o particular de eventual abuso de poder por parte da Administração Pública

350 BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da

União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 13 abr. 2012.

trabalho firmado entre Administração Pública e empresa contratada via licitação, analisa a questão posta. Usualmente, as demandas envolvendo inadimplência em contratos administrativos são levadas ao Judiciário pelo próprio trabalhador ou por Ações Civis Públicas ou Coletivas, propostas pelo Ministério Público do Trabalho. Há também ajuizamento de ações pela empresa contratada e pela própria Administração Pública, envolvendo questões contratuais, direito de regresso e inadimplência.

O controle sobre o adimplemento de encargos trabalhistas, após extinção do contrato – extinção ocorrida por qualquer via, desde que presentes débitos de natureza trabalhista – é tema delicado, como já exposto, en passant, na seção anterior, em virtude da clara disposição legal que isenta a Administração Pública por qualquer débito de cunho trabalhista, fiscal e comercial inadimplido. A atuação judicializada é cerceada pela previsão de que a Administração pode ser responsabilizada somente pelos encargos previdenciários, diretamente vinculados ao contrato de prestação de serviços efetivado após realização de licitação, assumidos e não pagos pela empresa contratada, excluídos os encargos trabalhistas, cerceamento que foi amenizado pela decisão do STF na ADC n. 16.

A Lei de Licitações, em seu art. 66,351 define que o contrato administrativo gera obrigações para ambos: Poder Público e contratado. Nessa linha, a Lei n. 8.666/93, no art. 70:

Art. 70. O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado.

Em relação, especificamente, às obrigações trabalhistas, o §1º do art. 71 da Lei n. 8.666/93, conforme já mencionado, estabelece que “a inadimplência do contratado, [...] não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento [...]”,352 disposição que sempre suscitou acalorado debate na doutrina e jurisprudência, enquanto tramitava, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Constitucionalidade de n. 16, que objetivava a declaração de constitucionalidade do supratranscrito artigo.

351 Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial. BRASIL. Decreto n. 4.342, de 23 de agosto de 2002. Altera dispositivos do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 24 ago. 2002. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4342.htm. Acesso em: 13 abr.2012.

352 BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da

União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 13 abr. 2012.

O debate é complexo e tornou-se pauta da doutrina e jurisprudência devido à decisão do STF que, hoje, impacta em inúmeros processos em tramitação no Poder Judiciário trabalhista, com reflexos de relevo para o erário e para a esfera jurídica e patrimonial do trabalhador prejudicado pela inadimplência da empresa contratada. Diante da complexidade e necessidade de aprofundamento, o controle judicial e a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas serão tratados com mais vagar no capítulo seguinte.

2.4 Síntese do Capítulo

A terceirização trabalhista é conceituada a partir da dissociação entre a relação econômica de trabalho e a relação justrabalhista que lhe seria correspondente, criando uma relação “trilateralmente” construída entre os atores no “campo” licitação. No âmbito administrativista, terceirização implica contratação do trabalho de terceiros, pelo tomador de serviço – a Administração Pública –, mediante procedimento licitatório, para desempenho de atividades-meio: no caso do recorte proposto, para celebração de contrato administrativo de prestação de serviços.

Diante do quadro terceirizante, observado no bojo da esfera pública, dado o pano de fundo de estruturação do modo de produção capitalista, propugna-se pelo controle dignificante do procedimento e do contrato administrativo que lhe é inerente, do ponto de vista dos direitos do trabalhador, executor último da prestação de serviços. Faz-se necessária a realização de controle prévio – no procedimento licitatório; concomitante – durante a execução e fiscalização do contrato; e, finalmente, após cumprimento ou rescisão – quando, eventualmente, demandas são ajuizadas no Poder Judiciário, e discute-se a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas inadimplidos.

Nessa guisa, a criação, em 2011, na Lei de Licitações, de requisito comprobatório da regularidade trabalhista, na fase de habilitação, representou grande inovação legislativa, meritória e muito bem-vinda, para auxílio no controle prévio, diante das dificuldades enfrentadas pela Administração Pública, na contratação, via licitação, de empresas idôneas e adimplentes em relação às suas obrigações trabalhistas, prejudicando trabalhadores em contratações futuras.

Os principais desafios e soluções, para a inclusão da tutela de direitos trabalhistas, no procedimento licitatório e na fiscalização da execução contratual, necessitam ser pontuados, com o intuito de preservar a dignidade do trabalhador, envolvido, indiretamente, na trama licitatória, e garantir a máxima efetividade do texto constitucional.

CAPÍTULO 3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CULPA, RESPONSABILIDADE E