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Licitação, Administração Pública e Empresa Prestadora de Serviços: Um

CAPÍTULO 4 LICITAÇÃO, CONTRATO ADMINISTRATIVO E PRESTAÇÃO DE

4.1 Licitação, Administração Pública e Empresa Prestadora de Serviços: Um

[...] estar fora do trabalho, no universo do capitalismo vigente, particularmente para a massa de trabalhadores e trabalhadoras (que totalizam mais de dois terços da humanidade) que vivem no chamado Terceiro Mundo, desprovidos completamente de instrumentos verdadeiros de seguridade social, significa uma desefetivação, des-

realização e brutalização [...].472

Em maio de 2009, foi celebrado contrato administrativo, com vigência de 12 (doze) meses, entre a tomadora de serviços – Administração Pública – e o licitante vencedor, via procedimento licitatório, regulado pela Lei n. 8.666/93, pela Lei n. 10.520/2002 e pelo

472 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 177.

Decreto Estadual n. 44.786/2008, tendo sido utilizada a modalidade pregão eletrônico, em vista da contratação de prestação de serviços comuns,473 conforme conceituação apresentada no capítulo 1.

Tratava-se de contrato, com valor mensal de R$190.000 (cento e noventa mil reais), cujo objeto era a prestação de serviços de limpeza, higienização e conservação, por m² (metro quadrado), a serem executados nas dependências da tomadora de serviços, com fornecimento, pela empresa contratada, de equipamentos e materiais necessários, conforme disposição contratual.

Em maio de 2010, exatamente um ano após a celebração do mencionado contrato, o sindicato dos empregados da categoria solicitou ao Ministério Público do Trabalho instauração de mediação, em virtude de comunicação feita pela tomadora ao sindicato, relatando a não quitação dos salários de centenas de trabalhadores, referente ao mês de abril de 2010, além do não recebimento, pelos trabalhadores, de aviso prévio, dada a previsão de finalização do contrato administrativo ao final daquele mês.

Logo após, ainda no mês de abril, a empresa contratada também solicitou ao MPT mediação, alegando que o atraso dos pagamentos decorria de problemas na emissão de certidões negativas pela Receita Federal,474 o que teria levado à retenção, pela tomadora, do pagamento mensal devido à empresa, acarretando, por conseguinte, a inadimplência das obrigações trabalhistas.

Diante dos fatos, decidiu o Ministério Público do Trabalho fazer convolação da mediação em representação contra a empresa contratada – convertida em Inquérito Civil –, com o intuito de investigar indícios de ilícitos trabalhistas levados ao MPT, considerando ser aquele o 4º (quarto) pedido de mediação envolvendo a empresa em menos de 6 (seis) meses, tendo sido 3 (três) deles motivados pelo não pagamento de verbas rescisórias a trabalhadores, em razão de rescisão de contrato de prestação de serviços entabulados com órgãos públicos. Havia, inclusive, além dos pedidos de mediação formulados à Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região, na unidade de Belo Horizonte, requisição feita, em unidade de outro município, no interior do Estado, envolvendo também não quitação de verbas rescisórias de

473 O anexo, mencionado pelo § 1º do art. 3º do Decreto nº 44.786, de 18 de abril de 2008, compila toda a classificação, no âmbito do Estado de Minas Gerais, de bens e serviços comuns, nele incluídos os “Serviços de Limpeza e Conservação”. MINAS GERAIS. Decreto n. 44.786, de 18 de abril de 2008. Contém o Regulamento da modalidade de licitação denominada pregão, nas formas presencial e eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito do Estado de Minas Gerais, e dá outras providências. Diário Oficial de Minas

Gerais, Belo Horizonte, 19 abr. 2008. Disponível em: www.almg.gov.br . Acesso em: 30 nov.2011.

474 De fato, em levantamento de processos, em nome da empresa contratada, realizado junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, embora não seja possível acessar o conteúdo, foi detectado elenco de processos relativos à emissão de certidão negativa referente a débitos tributários.

trabalhadores, com fulcro em contrato firmado com órgão público federal, apresentando a empresa a mesma justificativa aduzida no caso analisado, tendo havido, igualmente, abertura de representação contra a referida.

A despeito da instauração de Inquérito Civil, foi realizada audiência administrativa na PRT, em Belo Horizonte, com a presença de representantes da tomadora, do sindicato da categoria e da empresa contratada, com a proposição de acordo, referendado pelo MPT, almejando possibilitar a quitação dos salários dos trabalhadores, referentes aos meses de abril e maio de 2010 – aos salários não pagos de abril, juntaram-se os referentes ao mês de maio, durante toda essa movimentação. Restou estabelecido que a tomadora depositaria, em conta vinculada, indicada pela empregadora, os valores dos salários devidos aos mais de 120 (cento e vinte) trabalhadores envolvidos pelo contrato,475 descontando tais quantias de créditos retidos pela tomadora.

Na mesma audiência, ficou acordado que a empresa apresentaria ao MPT documentos contábeis demonstrativos da alegada dificuldade financeira – que teria ensejado tantos pedidos de mediação – documentos estes que nunca foram apresentados, conforme consta da petição inicial da Ação Civil Pública, que será abordada na seção a seguir. A empresa, nessa oportunidade, apresentou a listagem de tomadores com os quais mantinha vínculo contratual e ficou definido que iria requerer a rescisão amigável dos contratos remanescentes.

Em junho de 2010, após rescisão do contrato de prestação de serviços entre a tomadora do caso narrado e a empresa contratada, foi realizada nova audiência administrativa com as partes e o sindicato. Foi informado que a maioria dos trabalhadores seria incorporada à empresa sucessora, ressalvando-se que a contratada não havia fornecido a mencionada listagem de trabalhadores para possibilitar o repasse dos valores dos salários de maio de 2010 e que estaria pendente a verificação de créditos retidos pela tomadora para atestar se seriam suficientes para a quitação das rescisões contratuais dos trabalhadores dispensados.

Em nova audiência, ainda no mês de junho, restou constatado que os salários do mês de maio haviam sido pagos, mediante repasse da tomadora, conforme acordado, ficando designada nova reunião, nas dependências da tomadora, para análise das rescisões contratuais calculadas pela empregadora e definição do montante de repasse que ainda seria eventualmente devido à empresa contratada.

Na terceira audiência do mês de junho, a empresa comprometeu-se a enviar, naquele dia, arquivo eletrônico, ao banco designado, com os valores líquidos das rescisões que seriam

475 Conforme será demonstrado, não foi possível determinar o número exato de trabalhadores contratados e prejudicados.

quitadas, relacionados na planilha apresentada na reunião, e que totalizava um valor aproximado de R$95.000,00 (noventa e cinco mil reais). Após a remessa do arquivo eletrônico, a tomadora de serviços faria o repasse dos valores ao banco para pagamento dos trabalhadores, a título de rescisão, mediante depósito na conta vinculada.

Ficou ainda designada a data, ao final do mês de junho, para entrega, nas dependências da tomadora, dos termos de rescisão contratual, com a presença da empresa empregadora e do sindicato da categoria, para conferência dos valores e homologação ou eventual ressalva de quantias pendentes. E, finalmente, foi estabelecida data, no início de julho daquele ano, para apresentação, ao MPT, de cópias das rescisões contratuais ou ressalvas eventualmente efetuadas, devendo ainda a tomadora apresentar, no prazo de 05 (cinco) dias após o recolhimento, as guias de FGTS quitadas.

Foi informado ao MPT, entretanto, escoado o prazo definido na audiência anterior, que a empresa teria enviado ao banco arquivo eletrônico diferente daquele acordado, constando nomes de outras pessoas e valores diversos, fato que levou vários trabalhadores à tentativa fracassada de saque de suas verbas rescisórias, surpreendidos pela ausência de depósitos ou valores bem inferiores aos constantes nos Termos de Rescisão de Contrato de Trabalho – TRCT. O banco, informado pela tomadora da discrepância de nomes e valores, interrompeu o processamento do arquivo eletrônico remetido pela empresa, ficando definido que os valores ainda não sacados pelos trabalhadores ficariam bloqueados até decisão judicial. Em julho, em virtude do ocorrido, foi designada nova audiência, em caráter de urgência. A empresa não compareceu e não foi possível notificá-la em nenhum endereço constante dos autos das mediações, dos cadastros da Receita Federal ou de buscas virtuais. Os patronos da empresa não compareceram, alegando que haviam sido intimados somente no dia da audiência via fax. A tomadora apresentou o comprovante de depósito, no valor acordado, em favor da empresa contratada, comprovando também os depósitos de FGTS, referentes aos meses de março, abril e maio de 2010. O sindicato estava de posse dos TRCT’s confeccionadas pela empresa e alegou não comparecimento da referida, na data designada, como acordado, para homologação das rescisões. Nessa oportunidade, foram apresentados nomes de trabalhadores que poderiam prestar depoimento ao MPT para comprovação do alegado.

Alguns dias depois, em nova audiência, a empresa novamente não compareceu. Seus advogados apresentaram documento de renúncia e o sindicato entregou ao MPT os TRCT’s para providências cabíveis, com exceção de apenas um, que teria sido entregue ao trabalhador por exigência dele. Foram ouvidos, na PRT, alguns trabalhadores, que confirmaram o não

recebimento das verbas rescisórias e que, ao contrário do que consta em suas rescisões, não teriam pedido demissão. Alegaram que, por disposição da empresa empregadora, somente os trabalhadores que entregassem carta manuscrita de demissão seriam incorporados pela empresa prestadora de serviços sucessora, contratada pela tomadora. Em seus depoimentos, afirmaram ter a empresa sustentado que não receberiam baixa na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS – enquanto não fosse redigida a referida carta, conforme modelo feito pela própria para ser copiado pelos trabalhadores.

No dia seguinte à audiência, o banco enviou ao MPT o arquivo com a listagem dos beneficiados pelo depósito do tomador. A diferença entre o arquivo apresentando na audiência de junho e o arquivo enviado ao banco era gritante: no primeiro, constavam os nomes de 134 (cento e trinta e quatro) trabalhadores e o valor aproximado de R$95.000,00 (noventa e cinco mil reais). Na segunda, havia 261 (duzentas e sessenta e uma) pessoas e o valor de quase R$99.000,00 noventa e nove mil reais) e boa parte desses novos nomes não constavam da relação antes acordada; e, quando havia coincidência de nomes, não existia correspondência de valores.

No documento original, uma empregada que deveria receber em torno de R$905,00 (novecentos e cinco reais), no novo documento, apresentado pela empresa ao banco, receberia R$0,01 (um centavo de real), fato semelhante ocorrido com vários trabalhadores. Em contrapartida, os nomes que não constavam na primeira lista receberiam valores elevados.

A empresa, em petição enviada ao MPT, alegou que todos os nomes apresentados como beneficiários eram empregados e que o motivo da divergência seria uma suposta danificação do arquivo eletrônico enviado ao banco. Entretanto, os nomes dos empregados que receberiam grandes quantias de depósito e que, segundo a empresa, seriam seus empregados, não constam de nenhuma lista apresentada pela própria empresa ao MPT em audiências anteriores. E ainda restou constatado que pelo menos duas das pessoas relacionadas como beneficiárias de altos valores eram próximas do sócio proprietário da empresa.

Diante dos fatos, a maioria dos trabalhadores não havia recebido qualquer valor a título de rescisão ou receberam valores inferiores a R$1,00 (um real). Além dos trabalhadores constantes do acordo firmado entre tomadora e empresa, outros 19 (dezenove) empregados, que também prestavam serviços à tomadora, não receberam valores rescisórios. Alega a empresa que 10 (dez) trabalhadoras, dentre os 19 (dezenove) empregados mencionados, estavam grávidas e que os demais não teriam feito o pedido de demissão. As grávidas

deveriam, segundo a empresa, ajuizar ações na Justiça do Trabalho para pleitear rescisão indireta do contrato de trabalho.

A trajetória das mediações, realizadas pelo MPT, em casos envolvendo a empresa, construída a partir de entrevistas e levantamentos, realizados no Ministério Público do Trabalho, demonstra, má-fé. Somente na situação narrada, foram 07 (sete) encontros, dentre reuniões e audiências, sem solução para a questão. Em casos similares, mediados pelo Ministério Público do Trabalho, houve inadimplência em relação a saldos de salários e a rescisões em contratos com órgãos do Poder Judiciário, colégio público e universidades federais.

É necessário mencionar que a empresa tem um triste histórico de calote a trabalhadores, especialmente, no tocante às verbas rescisórias. O rol de ações trabalhistas ajuizadas contra a requerida, extraído do site do TRT [...] totalizava 410 (quatrocentos e dez) ações em 21/05/2010, para um período de 5 anos. Novo rol extraído do site do TRT, em 08/07/2010, [...] demonstra que o montante de ações trabalhistas já está em 528 ações.476

Para finalizar o rol de atitudes irregulares, decisões judiciais, proferidas em ações trabalhistas individuais, demonstram, conforme documentação comprobatória anexa à petição inicial da Ação civil Pública, ajuizada contra a empresa, nesse caso narrado, que era a mencionada empresa sucessora de outra com mesmo objeto social – prestação de serviço de limpeza, conservação convencional477 –, cuja conduta irregular também produziu centenas de ações trabalhistas.

4.2 Um Olhar sobre a Realidade: o Ministério Público do Trabalho e o Posicionamento