• Nenhum resultado encontrado

3 DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS

3.1 Controles difuso e concentrado de constitucionalidade

Merece maior destaque a análise dos modelos jurisdicionais de controle de constitucionalidade, tendo em vista que é sobre eles que recaem a atividade dos tribunais na análise da legislação infraconstitucional.

Como visto anteriormente, será analisado o controle de constitucionalidade estritamente jurisdicional, o qual compreende os modelos difuso, concentrado e misto. O primeiro assegura a qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto o poder-dever de afastar a sua aplicação se a considerar incompatível com a ordem constitucional.62Este modelo surgiu após o emblemático caso Marbury x Madison do

direito norte-americano, e a ele o Brasil faz referência ao adotá-lo na práxis jurídica nacional. Por sua vez, o segundo, com manifesta influência da doutrina austríaca de Hans Kelsen63, pressupõe a fiscalização concentrada de normas, exercida por um órgão de

cúpula do Poder Judiciário.64Por fim, o misto, como o vocábulo pressupõe, mescla a

62 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 7ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2012,

p.1100.

63 Mais uma vez é demonstrada a influência de Hans Kelsen na garantia da supremacia constitucional. No

controle concentrado, tal influência decorre da análise do sistema austríaco de 1920 (Oktoberverfassung), segundo o qual existia um Tribunal Constitucional encarregado, dentre outras atribuições, de exercer o controle concentrado de leis mediante requerimento especial. Foi a partir desse momento que o constitucionalismo moderno passou a adotar como prática a existência da possibilidade de revisão de leis em abstrato e realizadas por órgãos de cúpula do Poder Judiciário.

64 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9ª ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda

Constitucional n.83/2014, e os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2015, p.195.

utilização dos dois modelos, utilizando-os concomitantemente, mas cada um dentro do seu espectro de possibilidades.

No Brasil, indiscutivelmente após a Constituição Federal de 1988, passou-se a adotar o modelo misto, no qual o controle difuso é realizado por juízes e tribunais, nos processos de sua competência, além das vias extraordinárias perante as Cortes Superiores.65O concentrado é exercido pelo Supremo Tribunal Federal, no momento em

que fiscaliza as leis e atos normativos federais e estaduais, na via de ação, bem como pelos Tribunais de Justiça, na fiscalização de leis e atos normativos estaduais ou municipais confrontantes com as constituições estaduais.66

Nessa perspectiva, percebe-se que a diferença fundamental entre os dois modelos é o órgão controlador e os efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade. Enquanto um – difuso – pode ser exercido por qualquer magistrado investido em suas funções, com os efeitos de sua decisão recaindo somente entre as partes litigantes, o outro – concentrado – somente pode ser arguido perante os órgãos colegiados, em discussão abstrata sobre a lei, porém com efeitos vinculantes não somente às partes, mas a todo o Poder Público (erga omnes).

Pretende-se, neste momento, utilizar-se somente do modelo difuso, tendo em vista que o afastamento da incidência de norma infraconstitucional sem a declaração de inconstitucionalidade nos termos ora esposados, pressupõe uma litigância prévia entre partes distintas sobre uma relação jurídica própria, ou seja, não somente uma discussão em abstrato.

Além disso, ainda mais especificamente o controle difuso realizado pelos tribunais de segunda instância ou das Cortes Superiores por meios dos recursos especiais (especial e extraordinário), tendo em vista as regras específicas para a declaração de inconstitucionalidade no âmbito desses órgãos colegiados. Não se nega a possibilidade de realização do controle pelo juiz singular, até porque é pressuposto da própria ideia de controle difuso, mas, por não ser dispensado a ele regramento específico para tal feitura, mais cientificamente adequado será delimitar para o âmbito que detém normatização

65 Cf. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, art. 97, art. 102, III, a, b e c, art. 105, III, a,

b e c.

processual própria, na medida em que independentemente, ao final, o objetivo será atingido e poderá ser estendido seus efeitos para qualquer grau de jurisdição.

Sabendo disso, cabe ressaltar ponto fundamental para o desenvolvimento argumentativo, qual seja: o controle difuso não se faz somente sobre normas postas, ou seja, como ressaltado anteriormente, a verificação de inconstitucionalidade no Brasil pode ser por ação ou omissão. Esta omissão legislativa, se confrontante com norma expressa da Constituição, pode ser arguida pelas partes em qualquer grau de jurisdição, devendo o magistrado, se verificada a procedência da inconstitucionalidade por omissão, agir para supri-la até que norma posterior sobrevenha à decisão.

Tal entendimento encontra amparo na doutrina de Marinoni, quando expressa que:

“se o juiz deve controlar a atividade legislativa, analisando sua adequação à Constituição, é pouco mais do que evidente que a sua tarefa não deve se ater apenas à lei que viola um direito fundamental, mas também à ausência de lei que não permite a efetivação de um direito deste porte. As omissões que invalidam direitos fundamentais evidentemente não podem ser vistas como simples opções do legislador, pois ou a Constituição tem força normativa ou força para impedir que o legislador desrespeite os direitos fundamentais, e, assim confere ao juiz o poder de controlar a lei as omissões do legislador, ou constituirá apenas proclamação retórica e demagógica.”67

Diferencia-se, ainda, tal declaração de inconstitucionalidade por omissão na via difusa de uma possível correlação com o mandado injuntivo expresso no art. 5º, LXXI, da Constituição Federal, na medida em que este visa a oferecer ao indivíduo um instrumento apto para exercer prerrogativas, direitos e liberdades constitucionais inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, impedidos de exercício por falta de norma regulamentadora.68Em outros termos, há uma previsão constitucional, um

mandamento para que o legislador ordinário atue acerca de determinado tema, e, mesmo a despeito disso, assim não se faz, sem qualquer motivo para a inoperância. De outro modo, na declaração de inconstitucionalidade o que se tem é uma relação fático-jurídica entre partes distintas sobre a qual é disposto um mandamento constitucional fundamental sem amparo legislativo, mesmo que a Constituição não tenha ordenado expressamente a atuação legiferante como o faz para o cabimento do mandado de injunção.

67 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2016, p. 73.

68 Cf. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9ª ed. rev. e atual. de acordo com a

Emenda Constitucional n.83/2014, e os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2015, p.782.

Salienta-se que não fica ao mero arbítrio jurisdicional delimitar o que deve ou não ser legislado, sob pena de manifesta agressão ao princípio da separação e harmonização dos poderes. A norma fundamental deve ser constitucionalmente expressa, bem como não pode haver qualquer legislação ordinária a respeito do tema, pois, em assim ocorrendo, seria o caso de declaração de inconstitucionalidade da norma posta e não da falta de atividade do Poder Legislativo.

3.2 Procedimento especial na declaração de inconstitucionalidade nos tribunais: