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3 PREVIDÊNCIA SOCIAL

3.2 CONTROVÉRSIA TEÓRICA

O tema Previdência Social oferece opiniões divergentes quanto ao seu uso para fins de distribuição de renda e, possível redução das desigualdades. Neste capítulo essas divergências são objetos de estudo, de forma que se procura ver diferentes pontos de vista de autores sobre o tema. O propósito aqui não é chegar a uma verdade absoluta, mas compartilhar de opiniões distintas dos autores e ver em que medida as suas opiniões se justificam. Dessa forma, coloca- se a questão: a Previdência seria um instrumento eficiente da redução das desigualdades sociais?

Existem vários argumentos que destacam o caráter redistributivo da Previdência, entre eles citam-se: A Previdência como um instrumento de redução da pobreza e desigualdade social; Sua atuação como forma de defesa contra as precarização das relações de trabalho, e; A redução da desigualdade traz ganhos em termos de crescimento econômico. Observa-se que só pelo fato de se enquadrar no conceito de seguridade social, a Previdência já tem um caráter intrinsecamente social na medida em que garante uma renda mínima e tem caráter universal. Sendo que, sistemas previdenciários que têm como característica mais relevante o funcionamento como um seguro é considerado Bismarckiano10. Já um sistema que priorize as funções distributivas, tendo como objetivo redução da desigualdade e da pobreza é considerado como Beveridgiano11.

Segundo diversos autores, a Previdência é um instrumento poderoso de distribuição de renda, de forma que, por estar inclusa no conceito de seguridade social, ela compartilha do aspecto

10 Por enfatizar o aspecto de seguro , pode-se dizer que a preocupação maior aqui é com o aspecto contributivo. Ou seja, de acordo com este princípio, só quem contribui financeiramente tem direito à cobertura dos riscos sociais como: doenças, invalidez, maternidade, velhice, morte e acidentes e doenças ligados ao trabalho.

11 Propunha aumento das despesas com proteção social e combate à pobreza, preconizando direito universal de todos os cidadãos. Pode-se dizer que foi o embasamento para a seguridade social no mundo. (APOLLO, 2010, p.44)

seguro e guarda em si a relação contribuição/beneficio, e o aspecto social em que é permitido

seu uso para fins de transferência de renda intra e intergeracional. Controversamente, para outros autores, a Previdência é um meio ineficiente de distribuição de renda na medida em que este não é o seu propósito e argumentam que existem outros mecanismos muito mais eficientes para cumprir a meta de redução da desigualdade.

O conceito de seguridade que a OIT concebe pautou a Constituição Federal de 1988. Segundo o conceito, a importância de se ter um aparato de assistência social, incluindo a Previdência Social, está no entendimento que a seguridade social é instrumento de transformação e progresso social, ao invés de constituir obstáculo ao progresso econômico. Vista por esse aspecto, a Previdência, inserida no conceito de seguridade social, poderia ocupar o espaço de uma política de distribuição de renda, dando razão aos argumentos daqueles que defendem a Previdência para tal fim. No contexto socioeconômico, a “seguridade social significa a proteção que a sociedade proporciona a seus membros [...] dando aos indivíduos e às famílias a tranqüilidade de saber que o nível e a qualidade de sua vida não serão significativamente diminuídos, até onde for possível evitá-lo, por nenhuma circunstância econômica ou social”. ANFIP apud DEDECCA et al, 2006)

Quanto ao acesso, a Constituição de 1988 quando referencia o sistema de seguridade social amplia o direito de acesso à Previdência mesmo àqueles que não contribuíram ao longo da vida, e destaca o seu caráter distributivo e social sobre o caráter contributivo. Assim, o Regime Geral da Previdência (RGPS) é estendido a todos os trabalhadores que aderem o sistema. Dessa forma, apesar do princípio contributivo constar na Constituição de 1988, a Previdência pode ser vista segundo Oliveira

Na prática, os sistemas de previdência social implantados, inclusive o brasileiro, raramente têm seus conceitos e objetivos claramente explicitados. São na realidade sistemas híbridos com os componentes da abordagem de seguro e os redistributivos-assistenciais mesclados de tal forma, que se torna extremamente difícil definir um único padrão. (1982, p.2).

O conceito de Oliveira relaciona-se com a idéia de que a Previdência guarda consigo um aspecto redistributivo que está mesclado com seu aspecto contributivo (defendido pelo status de seguro). Isso, de certa forma, acaba por gerar conflitos e opiniões divergentes quanto ao uso da Previdência como instrumento redistributivo, já que para transferir para o mais

necessitado é necessário retirar daquele que contribuiu mais. Segundo Oliveira (1982), a solução encontrada foi manter a aparência de um seguro, que com o status de tal beneficia aqueles que contribuíram e distribui os riscos dessa forma, mas que, no entanto, faz transferência intra e intergeracionais. Ou seja, tanto de uma geração para outra através do regime de repartição quanto entre a mesma geração através do mais rico para o mais pobre. A prevalência do aspecto distributivo também poderia retirar o incentivo daqueles que contribuem, já que seus recursos estariam sendo direcionados àqueles que não contribuíram.

A Previdência Social no Brasil é formada pelo Regime Geral de Previdência Social, Regime Próprio da Previdência Social e Previdência Complementar. O RGPS, analisado sob o aspecto redistributivo, traz impactos quanto à redução da pobreza no país, sendo responsável pela retirada de milhões de pessoas da condição de pobreza. Este impacto se concentra sobre a população idosa e, através da divisão da renda entre familiares, traz benefícios a todas as faixas etárias. Seu papel social está na melhoria da distribuição de renda e fomento ao desenvolvimento econômico, principalmente na zona rural – manifestando-se através da Previdência Rural. O RPPS, vinculado aos servidores públicos e militares, possui um regime diferenciado do RGPS. A Previdência complementar atribui sua operacionalização à iniciativa privada, baseando-se em regime de capitalização e não possuindo fins redistributivos.

Dessa forma, a partir deste conceito, se diz que a Previdência Social, através do RGPS, é uma das formas de se garantir, aos cidadãos beneficiados pela mesma, equidade e acesso às condições mínimas de sobrevivência e inclusão na sociedade, retirando da linha de pobreza milhares de brasileiros. No entanto, há quem discorde desse conceito social da seguridade em que a Previdência se encaixa, principalmente quando se trata do financiamento desses recursos redistributivos e da eficiência na redução da pobreza. Essa discordância seria uma visão limitada dado que existem outros fatores, como a rolagem da dívida pública e a manutenção de altas taxas de juros, que reduzem os orçamentos dos programas sociais e das políticas públicas (FILGUEIRAS; LOBO, 2003).

Diamond (1977) aponta a redistribuição de renda como uma das justificativas para a existência de sistemas públicos de Previdência, em que a Previdência seria um mecanismo de política pública de caráter distributivo. Para o autor, o imposto de renda seria imperfeito em termos de redistribuição de renda, pois restringiria a mensuração da renda do indivíduo a um instante do tempo, não conseguindo, assim, ser definida sua necessidade ou capacidade de

pagamento, que se alteraria ao longo do ciclo de trabalho. Já a Previdência pública, em alguns países como o Brasil, define uma fórmula para o beneficio a ser concedido (após a aposentadoria), a qual é baseada apenas em uma média dos anos nos quais os indivíduos tiveram os seus maiores rendimentos, e não exatamente em uma função dos seus rendimentos ao longo de todo o seu ciclo de trabalho. Assim, em termos intrageracionais, a Previdência funcionaria como um mecanismo de redistribuição complementar ao imposto de renda. Em termos intergeracionais, o aumento dos benefícios relativo a um fundo pequeno (típico de sistemas de repartição) geraria uma redistribuição de gerações mais jovens para as gerações mais velhas, visto que nesse tipo de sistema os mais jovens financiam os mais velhos. Esta redistribuição seria apropriada se fosse esperado que gerações mais velhas fossem mais pobres em média ou porque determinadas gerações passaram por períodos de maior recessão (DIAMOND apud MOURA et al, 2008).

Quando o tema é seguridade social, o público recebe informações importantes e muitas vezes contraditórias: de um lado, os que defendem o atual sistema postulam que seus efeitos sociais são importantes e ajudam a reduzir a pobreza; do outro estão aqueles que, embora reconheçam os efeitos positivos ocorridos no combate à pobreza, consideram que esses efeitos hoje são inexistentes e indicam que os custos crescentes e as falhas das ações governamentais tendem mesmo a comprometer a existência futura do sistema. O dissenso é a marca do debate. Não se trata obviamente de resolver a questão ou eliminar o debate – até porque parte dele decorre de posições político-ideológicas e não de aspectos técnicos ou factuais da questão -, mas é necessário apresentar os principais argumentos e indicadores sociais disponíveis para, posteriormente, detalhar as questões com vista à busca de novos caminhos (O PERÍODO..., 2006).

A partir desse debate, surgem diversos posicionamentos quanto ao uso da Previdência dentro do contexto de seguro social. Entre as contribuições quanto ao uso da Previdência como um mecanismo de redução da desigualdade da distribuição da renda no país, levando-se em conta as que são a favor e contra, reproduz-se algumas.

A primeira é o estudo de Ferreira (2006), em que é avaliada a contribuição das aposentadorias e pensões para a desigualdade da distribuição do rendimento domiciliar per capita no Brasil, em que se conclui que as mesmas contribuem para o aumento da desigualdade da distribuição de renda no país.

O estudo do autor apresenta resultados obtidos para a desigualdade de renda e a decomposição do Índice de Gini de 1981 a 2001. Através da decomposição do índice de Gini, observa-se a participação de cada componente na formação do Gini Global. A partir dos dados obtidos através dessa decomposição, se enfatiza a participação das aposentadorias e pensões nesse período, a fim de mostrar se a mesma aumenta ou reduz o índice de desigualdade.

Tabela 4 – Parcelas do índice de Gini (G) e o respectivo percentual, na formação do índice de Gini global dos componentes do rendimento domiciliar per capita. Brasil de 1981 a 2001

Parcelas do Índice de Gini e as suas Respectivas Porcentagens Trabalho Principal Outros Trabalhos Aposentadorias e Pensões

Aluguéis Doações Juros etc Total

Ano G % G % G % G % G % G % G % 1981 0,468 80,4 0,02 3,5 0,054 9,3 0,023 3,9 - - 0,017 2,9 0,582 100 1983 0,471 79,3 0,024 4,1 0,063 10,5 0,02 3,4 - - 0,016 2,7 0,594 100 1984 0,467 79,4 0,025 4,3 0,06 10,3 0,019 3,2 - - 0,016 2,8 0,587 100 1985 0,479 80,5 0,025 4,2 0,061 10,3 0,015 2,5 - - 0,015 2,5 0,595 100 1986 0,48 81,9 0,026 4,5 0,05 8,5 0,019 3,2 - - 0,011 1,9 0,586 100 1988 0,512 83,3 0,025 4,1 0,047 7,6 0,016 2,6 - - 0,015 2,4 0,616 100 1989 0,511 80,6 0,028 4,4 0,06 9,5 0,021 3,3 - - 0,014 2,2 0,634 100 1990 0,486 79,4 0,029 4,7 0,068 11 0,019 3,2 - 0,01 1,2 0,612 100 1992 0,446 76,9 0,022 3,8 0,081 14 0,011 1,9 0,002 0,3 0,018 3,1 0,58 100 1993 0,461 76,5 0,025 4,2 0,082 13,6 0,009 1,5 0,002 0,3 0,023 3,9 0,602 100 1995 0,461 77 0,027 4,5 0,084 14 0,018 3 0,002 0,4 0,007 1,1 0,599 100 1996 0,461 76,8 0,027 4,5 0,084 14 0,019 3,2 0,002 0,3 0,007 1,2 0,6 100 1997 0,462 77 0,025 4,2 0,089 14,8 0,017 2,8 0,002 0,4 0,005 0,8 0,6 100 1998 0,446 74,5 0,024 4 0,1 16,7 0,019 3,2 0,003 0,5 0,006 1,1 0,598 100 1999 0,437 73,7 0,022 3,7 0,107 18,2 0,018 3 0,002 0,4 0,006 1 0,592 100 2001 0,434 73 0,025 4,3 0,112 18,8 0,015 2,6 0,003 0,4 0,005 0,8 0,594 100 Média 0,468 78,1 0,025 4,2 0,075 12,6 0,017 2,9 0,002 0,4 0,012 2 0,598 100

Fonte: IBGE – dados individuais das PNADs de 1981 a 2001 apud FERREIRA, 2006, p.257

A partir dos dados da tabela 4, traça-se um perfil da participação de cada componente na renda domiciliar per capita através da decomposição do valor médio e a participação percentual dos componentes do rendimento domiciliar per capita. Esse perfil é importante por dar uma idéia da participação de aposentadorias e pensões na renda domiciliar per capita e destaca a importância da mesma como uma política social de combate à desigualdade social no país.

A decomposição aponta que as aposentadorias e pensões contribuem com a segunda maior parcela nos rendimentos, e demonstra o aumento de sua participação no rendimento

domiciliar per capita, principalmente a partir de 1989, os valores mantêm esse ritmo até o final da década de 90 e início da década de 2000. De acordo com os dados apresentados, o índice de Gini se mantém elevado durante todo o período analisado, mostrando que a renda domiciliar per capita é mal distribuída e, dessa forma, configura um panorama de desigualdade de renda (FERREIRA, 2006). A partir do momento que o rendimento de aposentadorias e pensões contribui como a segunda maior parcela da renda per capita, é imprescindível analisar sua participação na concentração da renda e mensurar se a mesma age como apaziguadora das desigualdades ou vem reforçar o fenômeno concentrador.

Tabela 5 – Razão de Concentração na Decomposição do Índice de Gini no rendimento domiciliar per capita. Brasil, de 1981 a 2001

Razão de Concentração do Rendimento (C) Componente do Rendimento 1981 1983 1984 1985 1986 1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 0,566 0,577 0,572 0,582 0,574 0,608 0,620 0,595 0,565 0,589 0,587 0,588 0,591 0,585 0,579 0,581 0,768 0,759 0,797 0,804 0,808 0,787 0,808 0,796 0,758 0,765 0,766 0,784 0,767 0,748 0,745 0,785 0,569 0,609 0,588 0,597 0,564 0,573 0,615 0,632 0,576 0,579 0,586 0,580 0,585 0,599 0,603 0,603 0,778 0,797 0,812 0,812 0,833 0,801 0,882 0,820 0,802 0,784 0,813 0,802 0,796 0,803 0,803 0,797 - - - 0,368 0,423 0,399 0,436 0,380 0,413 0,354 0,395 TP OT AP A D J 0,757 0,639 0,592 0,593 0,571 0,643 0,673 0,629 0,839 0,858 0,789 0,815 0,769 0,764 0,695 0,539 Gini Total 0,582 0,594 0,587 0,595 0,586 0,616 0,634 0,612 0,580 0,602 0,599 0,600 0,600 0,598 0,592 0,594

Fonte: IBGE – dados individuais das PNAD’s de 1981 a 2001 apud FERREIRA, 2006, p.256

TP: Trabalho Principal; OT: Outros Trabalhos; AP: Aposentadorias e Pensões; A: Aluguéis; D: Doações; J: Juros etc.

Na tabela 5 expõe-se a razão de concentração dos componentes do rendimento domiciliar per capita, denotado na tabela como C, de 1981 a 2001. Ressalta-se que o período engloba importantes mudanças políticas e econômicas no país, como a “década perdida”, o advento no neoliberalismo e as eleições diretas.

Um componente da renda contribui para aumentar a desigualdade quando a razão de concentração for maior que o índice de Gini. As aposentadorias e pensões crescem na primeira metade dos anos 80, recuam em 1986, e voltam a crescer a partir de 1988. Nos anos 90, a razão de concentração cresce entre 1992 e 1995, recuam em 1996 e voltam a crescer no final dos anos 90. Ela apresenta razão de concentração menor que o índice de Gini global em 9 dos 16 anos analisados. Observa-se que, no final da década de 1990 e início do século XXI, as aposentadorias e pensões deram uma contribuição maior para a desigualdade da distribuição do rendimento domiciliar per capita. Em todo o período analisado, a razão de concentração para aposentadorias e pensões não apresenta recuos significativos, a tendência é de crescimento (FERREIRA, 2006).

Dessa forma, a conclusão chegada por Ferreira (2006), através dos dados da PNAD trabalhados é que a redução da desigualdade é praticamente desprezível no período. O rendimento das aposentadorias e pensões, segundo maior entre todos os rendimentos, corrobora com a situação na medida em que tende a reproduzir a distribuição de renda no Brasil e age como determinante da desigualdade. Segundo Ferreira:

A razão de concentração das aposentadorias e pensões, particularmente a partir de 1998, é maior do que o índice de Gini e superior a razão de concentração do rendimento do trabalho principal. Esses resultados mostram que os rendimentos de aposentadorias e pensões, administradas pelo Governo Federal, estão contribuindo para aumentar a desigualdade da distribuição de renda no Brasil, mostrando que há necessidade de reforma do sistema previdenciário. È importante notar que um componente dos rendimentos que está diretamente sujeito a normas e leis, como as aposentadorias e pensões, esteja contribuindo para aumentar a desigualdade da distribuição de renda. (FERREIRA, 2006, p. 259).

A análise sob a ótica de Ferreira (2006) desperta a questão que a contribuição da Previdência como reforço da desigualdade tem embasamento nas normas e regras que regem a Previdência no Brasil, na medida em que estas configuram regimes especiais distintos para algumas categorias, como o funcionalismo público e o privado. Constitui-se, assim, um fator de diferenciação, o qual reduz a essência de equidade que a Previdência deve carregar e configura uma âncora para a perda de eficiência da mesma. Quanto a outro aspecto que normalmente atrai críticas é a não correspondência contribuição/benefício, no entanto, esse aspecto é motivo de controvérsia já que ele próprio é uma forma de se reduzir a desigualdade quando retira daquele que contribui mais – e provavelmente auferiu ganhos maiores durante a vida – e transfere àqueles que contribuem menos ou não contribuem – caso da aposentadoria rural. Sendo assim, este último aspecto deve ser analisado com maior cuidado.

Dessa forma, segundo Ferreira (2006), as causas de o sistema previdenciário brasileiro ser regressivo estão relacionadas à aposentadoria mais precoce, expectativa de vida maior e maiores salários no fim do ciclo de vida trabalhista dos beneficiários que possuem maior nível de renda. Todos esses fatores aliados tornam a distribuição de renda pior. Outro aspecto que viria a corroborar com a situação seriam os regimes especiais que formam o contexto previdenciário brasileiro, que privilegia alguns setores e desafia os aspectos de solidariedade e redistribuição, causando redistribuição invertida da renda. A solução estaria em rever os critérios dos diferentes regimes previdenciários, privilegiando valores de equidade e

distribuição de renda, através da orientação das políticas para os mais pobres, que rondam a essência do sistema previdenciário como um seguro social (FERREIRA, 2006).

Algumas medidas nos últimos vinte anos foram tomadas na tentativa de reverter o quadro, no entanto, elas não atingiram os pontos cruciais. A Reforma Constitucional nº 20 teve preocupações maiores com o ajuste fiscal, e não se preocupou com a concessão de benefícios para os funcionários públicos. Não houve alterações na distribuição dos benefícios de aposentadorias e pensões, manteve-se o perfil de distribuição de renda no país, em que se concentra a maior parte do valor dos benefícios nos segmentos mais ricos da sociedade. Ferreira defende a adoção de conceitos e fundamentos da Previdência Social que busque reduzir as diferenças no valor dos benefícios dos trabalhadores, em que não se deve limitar à atenção aos aspectos distributivos do sistema (FERREIRA, 2006).

Filgueiras e Lobo (2003) expõem outro ponto de vista, quanto a diferenciação do RGPS e RPPS. A diferença que é concebida no valor das aposentadorias dos servidores e dos trabalhadores do setor privado se deve a existência de distintas regras para ambos. As diferenças de valor se devem à natureza heterogênea do mercado de trabalho brasileiro, no qual cerca de 70% dos trabalhadores ocupados recebem até três salários mínimos. Dessa forma, a maior parte das aposentadorias é muito baixa porque reflete o mercado de trabalho. Portanto, a concentração de renda nas aposentadorias adviria da concentração de renda na sociedade e no mercado de trabalho.

Também contrapondo Ferreira, a imposição de normas rígidas para o equilíbrio da Previdência e o ajuste fiscal pode comprometer alguns tipos de aposentadorias, especialmente aquelas que não guardam relação com o aspecto distributivo. Dessa forma, esse aspecto se voltaria mais para o conceito de seguro da seguridade social, contrapondo-se ao conceito de seguridade como direitos de cidadania (DIEESE, 2007).

Moura e outros compartilham da opinião de Ferreira, de forma que vêem a Previdência como um instrumento ineficiente de distribuição de renda. Durante o XVI ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, ABEP, 2008, Caxambú, Mg, foi discutida, pelos autores, a funcionalidade da Previdência Social:

(...) concluímos que as mudanças nas regras previdenciárias têm gerado uma melhora na desigualdade somente para os grupos mais idosos entre 1987 e 1996. Para os outros grupos a tendência é de estabilidade do sistema,

e na análise de 1996 e 2006, para todas as coortes o sistema também tem se mantido estável. Assim, ao contrário de parte da literatura, sistemas previdenciários não são bons mecanismos de distribuição de renda. (MOURA et al, 2008, p.1).

Moura e outros (2008) visam testar a propriedade distributiva da Previdência, em que procuram responder quanto à progressividade ou regressividade da mesma, na medida em que o Brasil é colocado como um país que possui um índice elevado de desigualdade social. Os autores defendem que nos últimos anos houve um aumento substancial de beneficiários da Previdência Social, dado o crescimento da população da base da pirâmide etária. Então, se a Previdência realmente possui um caráter distributivo e progressivo, dever-se-ia esperar redução na desigualdade de renda. No entanto, não é isso o que vem acontecendo, segundo eles, com o índice de Gini mantendo-se estável por quase duas décadas. O sistema de repartição, apesar de contribuir para a redução da pobreza, necessita de uma reforma nos países que adotam esse modelo, entre eles o Brasil. Neste, parte dessa reforma foi realizada em 2003. Dessa forma, “ao contrário de parte da literatura, sistemas previdenciários não são bons mecanismos de distribuição de renda” (MOURA et al, 2008). Por outro lado, caso a Previdência Social fosse retirada do âmbito de política social, sem dúvidas existiriam perdas sociais.

Tafner (2006), no propósito de analisar o efeito dos benefícios de aposentadorias e pensões sobre a desigualdade e a pobreza, faz um exercício de simulação que procura diagnosticar esses efeitos. Segundo seu trabalho, o rendimento médio domiciliar per capita das pessoas que recebem os benefícios de aposentadoria e pensão é maior do que aqueles que não recebem os benefícios, principalmente entre os 10% mais ricos da população. Observa-se que a faixa de aposentadorias acima de 10 salários mínimos é maior nas famílias com rendas maiores, cerca de 15% dos domicílios mais ricos possuem aposentados com esse valor de beneficio.

No exercício de simulação realizado, o autor utiliza da mesma quantidade de recursos financeiros disponíveis e verifica se há possibilidade de redução do caráter concentrador do sistema através da implantação de outras regras previdenciárias. Para tal, ele considera que todos que usufruem dos benefícios continuem a recebê-los, mas com redução do seu valor. Sabe-se que as maiores aposentadorias se concentram nas camadas mais ricas e mais escolarizadas da população e que, em sua maioria, se aposentam mais cedo, dessa forma, há transferências de renda (TAFNER, 2006).

Os resultados obtidos por Tafner (2006) mostram que enquanto os grupos mais pobres tem

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