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1 FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA – FOCO NA NANOCIÊNCIA E NA

2.3 CONTROVÉRSIAS NAS AULAS DE CIÊNCIAS NATURAIS

Considerando que as possíveis aplicações e implicações da nanotecnologia fomentam posições controversas entre cientistas, além de ter escolhido inserir conteúdos de nanociência e nanotecnologia em sala de aula a partir de textos de divulgação científica, outra estratégia escolhida para essa inserção foi a abordagem da temática a partir de textos que enfocam a produção e o uso das nanopartículas de forma controversa.

Costa, Hughes e Pinch (1998) entendem que os conhecimentos gerados pela prática científica podem ser melhor assimilados pelos estudantes quando a ciência é ensinada como um processo social. Apresentam também duas abordagens que, para eles, podem ajudar os estudantes a entenderem o conhecimento científico como resultado de observações e discussões acerca de

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suas interpretações e não como se estivessem prontos para serem descobertos: o estudo de controvérsias e a escrita científica.

Dentre as justificativas para a inserção de posições controversas nas aulas de ciências, os autores defendem que elas revelam um lado da ciência mais humano, e menos claro e óbvio, que permite reconhecer as reais práticas científicas. Também apontam que as controvérsias permitem que os estudantes reconheçam a ciência como um processo ativo, ao mesmo tempo em que não é fechada e determinada por possibilidades definidas e restritas.

Ao advogarem sobre o estudo de controvérsias contemporâneas, os autores afirmam que essa abordagem permite que os estudantes conheçam a ciência em processo de construção, possibilitando a visualização de dados coletados hodiernamente e, com isso, a obtenção de um entendimento mais aprofundado sobre o conhecimento científico. Acreditam, ainda, na possibilidade de que os estudantes apreciem o papel social na construção da ciência quando lhes for dada oportunidade de opinarem/debaterem sobre assuntos controversos.

Em relação ao processo de aprendizagem pela escrita, eles propõem que os estudantes, após atividades práticas, escrevam uma versão formal e uma informal sobre os relatos. Enquanto a primeira seguiria o padrão normal de relatórios, na segunda constariam os pontos fracos e as possíveis falhas ocorridas. Propõem também que sejam feitas comparações, apontamentos e realces das diferenças entre ambos. Nesse sentido, também estimulam a apreciação, pelos estudantes, do processo de construção do conhecimento científico.

Oulton, Dillon e Grace (2004) salientam que, embora alguns embates tenham como base a ciência, muitas vezes estão vinculados a preocupações sociais, políticas e econômicas, e recomendam que a natureza das questões controversas na ciência deve ser considerada durante seu ensino, admitindo, dentre outros aspectos, que diferentes interpretações podem ocorrer por causa de diferentes caminhos que os indivíduos ou grupos concebem ou veem o mundo.

Eles concordam que devem formar cidadãos que sejam capazes de se envolver com questões controversas. Nesse caso, os estudantes devem conhecer as múltiplas perspectivas que levaram os indivíduos a tomar posições diferenciadas, dessa forma, favorecendo o entendimento da natureza da controvérsia. No entanto, entendem que nem sempre pode ser exigido que os estudantes formem opiniões com uma abordagem curta das controvérsias. Segundo eles, seria desleal a exigência de que os alunos escolham ou decidam algo que os especialistas ainda discutem.

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Os autores, enfatizando que os alunos são os cidadãos de hoje e de amanhã, ainda apontam algumas funções do ensino de ciências, dentre as quais, estimular os alunos a reconhecerem a natureza provisória do conhecimento científico.

Ramos e Silva (2007) supõem que o aumento de publicações que focalizam as críticas ao conhecimento científico, principalmente a partir dos anos 1970, deve-se às controvérsias provenientes do emprego de conhecimentos oriundos de campos científicos e tecnológicos, até então considerados benéficos e seguros, bem como ao aumento da dedicação de diversas mídias a questões controversas da ciência e da tecnologia.

Com relação ao ensino, os autores defendem que uma importante contribuição das controvérsias refere-se ao acesso a variados pontos de vista dos cientistas durante a produção do conhecimento. Eles ainda defendem a inserção de estudos de controvérsias em sala de aula alegando que elas podem provocar uma visão diferenciada sobre ciência e tecnologia:

[...] um esforço de inserção destes estudos em salas de aulas de ciências pode significar alguns avanços na busca da construção de uma visão diferenciada de C&T [Ciência e Tecnologia] por parte dos estudantes. Uma abordagem das controvérsias [...] pode ajudar a problematizar ideias de neutralidade, objetividade e imutabilidade dos conhecimentos científicos. (RAMOS; SILVA, 2007, p. 3).

Para os autores, a formação científica do estudante brasileiro reforça a perspectiva positivista da ciência (e da tecnologia), pela qual atividades passam a ser percebidas como objetivas e neutras, com as quais os cientistas são capazes de construir um conhecimento verdadeiro, descrevendo a realidade tal como ela é, baseando-se em evidências e desconsiderando-se suas crenças e valores.

A perspectiva positivista, no entanto, não exprime as influências que a ciência e a tecnologia sofrem pela sociedade. Nesse caso, considerando que a ciência está enraizada na sociedade, as controvérsias científicas e tecnológicas, para os autores são, na realidade, sociais, o que não quer dizer que essas mesmas controvérsias comportem outros autores, que não os cientistas. No artigo, ainda é evidenciado que decisões tomadas por qualquer pessoa na esfera individual podem abranger ideias ainda em discussão na esfera acadêmica. Suponho que, nesse caso, a decisão pode configurar-se como a tomada de um ponto de vista ou o desconhecimento deles.

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Os autores incentivam a introdução das controvérsias na sala de aula baseando-se, também, no caráter dinâmico e histórico com que ciência e tecnologia se desenvolvem/avançam/aperfeiçoam:

As análises de situações de controvérsias científicas oferecem a sustentação para a ideia de que os conhecimentos científicos, para além de um conjunto de corpos teóricos estabilizados e aceitos pela comunidade científica, estão sempre, sempre em debate, regidos por mecanismos de regulação pouco “assumidos”, ou mesmo percebidos pela própria comunidade científica. (RAMOS; SILVA, 2007, p. 6). No entanto, a inserção de controvérsias científicas e tecnológicas não tem como objetivo somente a aprendizagem do conteúdo abordado. Mais que isso, visa à “[...] capacitação dos estudantes para tomadas de decisões em suas vidas cotidianas em questões e situações que envolvam ciência e tecnologia [...]” (RAMOS; SILVA, 2007, p. 8). Nesse sentido, o trabalho em aulas de ciências naturais com questões controversas pode abranger questões éticas e morais, estimulando o pensamento crítico do estudante.

Eles ainda notam a separação existente entre o trabalho técnico-científico e a sociedade, ressaltando que, nessa relação:

[...] muitas vezes, os trabalhos dos especialistas são tidos como autônomos e livres de influências públicas, o que contribui para conformar um sentimento de passividade perante as questões técnico-científicas, por parte do público leigo, por parte dos estudantes. (RAMOS; SILVA, 2007, p. 13).

Além das possíveis contribuições para a introdução das controvérsias na sala de aula, ao final, os autores apontam alguns fatores de limitação, dentre os quais a importância de estudos aprofundados sobre o tema e os variados pontos de vista, de tal forma que não seja simplificado aquilo que é complexo e, assim, criando barreiras para os objetivos que se pretende chegar com o estudo das controvérsias.

Entendo que a abordagem de questões controversas em sala de aula possibilita que os alunos entrem em contato com variados argumentos publicados por pesquisadores/cientistas, podendo contribuir para que os estudantes percebam o surgimento e existência de embates teóricos, prevalecendo algumas ideias, ainda que as contrárias não sejam desconsideradas. Além disso, oferece meios para que eles tomem posicionamentos ao debater essas questões, tomada de posicionamentos que pode ser favorecida quando pontos de vista diferenciados são apresentados.

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3 APOIO TEÓRICO-METODOLÓGICO E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA