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Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará

Denota-se que com o passar dos anos houve uma considerável evolução em relação aos direitos das mulheres, bem como um propósito da comunidade internacional a fim de formular propostas relacionadas aos direitos das mulheres e às conquistas observadas nas últimas décadas.

Nesse contexto surgiu a Convenção para Eliminar todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que dispôs sobre os direitos humanos das mulheres, promovendo a igualdade de gênero. Sua aprovação pela Assembleia Geral da ONU ocorreu em 1979, sendo incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto Legislativo nº 93, de 14 de novembro de 1983, promulgada ocorre pelo Decreto nº 89.406, de 1º de fevereiro de 1984 (MONTEBELLO, 2000, p. 159).

Esta convenção é composta por um preâmbulo de 30 artigos, sendo que o seu art. 1° descreve o significado da discriminação contra as mulheres in verbis:

Art. 1º. Para fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Percebe-se, desse modo, que a Convenção é uma das mais completas e importantes formas para eliminar progressivamente todas as formas de discriminação contra a mulher, pois impõe vários deveres aos Estados integrantes.

Segundo entendimento de Sílvia Pimentel3 (2006, p. 14),

A adoção da Convenção da Mulher (CEDAW, sigla em inglês), foi ápice de décadas de esforços internacionais, visando à proteção e à promoção dos direitos das mulheres de todo o mundo. Resultou de iniciativas tomadas dentro da Comissão de Status da Mulher (CSW, sigla em inglês), da ONU, com o objetivo de analisar e criar recomendações de formulações de políticas aos vários países signatários da convenção, visando o aprimoramento do status da mulher.

Nesta senda, a CEDAW4 pode ser considerada a Carta Magna dos direitos das mulheres, devendo ser tomada como parâmetro mínimo na promoção dos direitos das mulheres. Ela simboliza o resultado de inúmeros avanços principiológicos, normativos e políticos das últimas décadas, bem como garante a proteção viabilizada por instrumentos legais vigentes e estipula medidas para o alcance de igualdade entre homens e mulheres em todos os aspectos da vida (PIMENTEL, 2006, p. 15).

Para efetivar o exercício dos direitos previstos na CEDAW é necessária a intervenção dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais têm o dever de adequar a legislação nacional, elaborando políticas públicas voltadas aos direitos das mulheres para protegê-las. Deste modo, fez-se necessária a criação de um comitê para fiscalizar e monitorar o efetivo da Convenção (PIMENTEL, 2006, p. 16-17).

O referido comitê tem a função de realizar:

Análise de relatórios apresentados periodicamente pelos Estados-parte, com a elaboração de observações e recomendações específicas; preparação de Recomendações Gerais que buscam interpretar os direitos e princípios previstos na Convenção; consideração das comunicações apresentadas por indivíduos ou grupos de indivíduos que aleguem a ocorrência de violações a quaisquer direitos previstos na Convenção da Mulher. Estas comunicações têm o intuito de, a partir de um diálogo entre o Comitê CEDAW e o Estado- parte acusado de violar os direitos, verificar quais as providências que estão sendo tomadas para a superação do problema. Caso seja preciso, o Comitê CEDAW designará uma equipe para realizar visitas e investigação in loco. Ambos os mecanismos. (PIMENTEL, 2006, p. 17).

3 Professora-Doutora em Filosofia do Direito; Vice-presidente do Comitê Sobre a Eliminação da Discriminação

contra a Mulher – Comitê CEDAW da ONU; Fundadora do CLADEM – Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; membro do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução.

4 Na sigla em inglês: Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Woman.

Verifica-se, assim, que o comitê da CEDAW é de fundamental importância para verificar o progresso obtido com relação aos direitos das mulheres nos Estados-partes da Convenção, bem como para que haja a efetividade das demandas sociais, políticas e culturais que emanam dos direitos humanos das mulheres.

Nessa perspectiva não se pode deixar de mencionar, também, a Convenção interamericana que visa à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, mais conhecida como a “Convenção de Belém do Pará”. Esta Convenção foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 1994, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 1.973, em 2 de agosto de 1996. Ela reconheceu que a violência contra a mulher é uma afronta aos direitos humanos, e tentou romper em escala mundial o ciclo da violência contra a mulher.

A Convenção de Belém do Pará surgiu com o intuito de amenizar a violência contra a mulher, inclusive constando em seu preâmbulo que “[...] a eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua plena e igualitária participação em todas as esferas de vida”, pois se constitui em uma violação dos direitos humanos, bem como do exercício dos direitos e liberdades. Ainda nesta linha a referida Convenção apresenta com objetividade a definição de violência contra a mulher em qualquer conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou moral (MONTEBELLO, 2000, p. 165-166).

Nesta linha de entendimento seguem as definições estabelecidas no art. 2º do Decreto Presidencial nº 1.973/1996, in verbis:

Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:

a) ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus- tratos e abuso sexual;

b) ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfego de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local;

Em decorrência e por determinação deste dispositivo, percebe-se que a questão dos direitos das mulheres passou a ter crescente importância e preocupação com a situação vivenciada por elas.

Flavia Piovesan (2012, p. 79) destaca que a “Convenção de Belém do Pará”

[...] elenca ainda um importante catálogo de direitos a serem assegurados às mulheres, para que tenham uma vida livre de violência, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Consagra ainda a Convenção de deveres aos Estados-partes para que adotem políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. É o primeiro tratado internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer, de forma enfática, a violência contra as mulheres como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado número de mulheres.

Denota-se, portanto, que surge mais um instrumento que proporciona a consolidação de uma sociedade mais justa e solidária, garantindo o respeito mútuo entre homens e mulheres. A Convenção de Belém do Pará assegura às mulheres que sofrem violência de qualquer gênero a possibilidade de ir em busca de proteção junto aos órgãos públicos, como o Poder Judiciário.

Para corroborar com o exposto, Renata Guimaraes Reynaldo (2015, p. 160) assevera:

Assim, se no passado a distinção entre homens e mulheres justificou a marginalização dos direitos das mulheres e as desigualdades de gênero, atualmente a diferença das mulheres indica a responsabilidade das instituições de direitos humanos de incorporar uma análise de gênero em suas práticas e análises teóricas.

Deste modo, pode-se afirmar que ao realizar um balanço dos tratados e Convenções sobre os direitos humanos das mulheres, percebe-se que o movimento internacional prioriza três questões centrais, quais sejam: a) a discriminação contra a mulher; b) a violência contra a mulher; e c) os direitos sexuais (PIOVESAN, 2012, p. 76).

Na incorporação da perspectiva do gênero, especificamente quanto à violência contra a mulher, as Convenções e Tratados Internacionais sobre os direitos humanos das mulheres comprovam a ampliação desses direitos e passam a fazer parte dos discursos sobre os direitos humanos em todos os contextos, ou seja, no legislativo, social e jurídico.

É incontestável que as conquistas obtidas pelos movimentos feministas nas últimas décadas com relação aos direitos das mulheres mostram que as relações de gênero são desiguais e injustas e deixam de ser apenas preocupação no âmbito internacional, passando a fazer parte das discussões dos Estados-partes no âmbito interno de seus países, evidenciando que devem implantar e implementar medidas preventivas e protetivas ao gênero.

Na teoria, a legislação brasileira formula normas que reconhecem a necessidade de combater a violência doméstica, o assédio sexual, a escassa participação feminina na esfera político-institucional, entre outras que a seguir serão analisadas.