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Capítulo 1: Os Modelos de Crescimento Endógeno Schumpeteriano

1.5 Convergência sob diferentes arranjos institucionais

Uma das grandes inspirações para o tratamento schumpeteriano do tema da convergência é o trabalho de Gerschenkron (1962) “Economic Backwardness in Historical Perspective”, onde se argumenta que os países atrasados tem uma vantagem no processo de alcançar a fronteira tecnológica por poderem copiar as técnicas vigentes entre os desenvolvidos. A conclusão central derivada de tal estudo histórico seria que as instituições mais condutivas ao crescimento são condicionais à posição relativa da economia na escala de produtividade mundial.

A tese é de que, em uma situação de “atraso”, determinados arranjos institucionais menos orientados ao mercado são elementos importantes para catapultar a economia em

𝑎𝑡= 𝐻(𝑎𝑡−1) ≅ 𝐻(0) + 𝐻′(0)𝑎𝑡−1=𝐻′(0)𝑎𝑡−1

combinada com a definição da taxa de crescimento do país em função da distância da fronteira em t e t-1 (ver nota 12) para chegar a:

1 + 𝑔ℎ= (1 + 𝑔)𝐻(0)

que mostra ao mesmo tempo que gh é menor que g quando 𝐻(0) < 1 e positivamente correlacionado com v (ver definição de 𝐻′(0) acima).

direção a um patamar superior de renda per capita. Entretanto, sua força seria diminuída em estágios posteriores, quando a proximidade com a fronteira torna necessária a adoção de uma postura de estímulo à competitividade que desperte o ímpeto inovador que antes era suprimido pela preferência por copiar a tecnologia importada.

Como exemplo, Aghion e Howitt (2009, p. 238) argumentam que:

“countries like Japan or Korea managed to achieve very high growth rates between 1945 up until the 1990s with institutional arrangements involving long-term relationships between firms and banks, the predominance of large conglomerates, and strong government intervention through export promotion and subsidized loans to the enterprise sector. These policies in turn depart from the more market-based and laissez-faire institutional model pioneered by the United States and currently advocated for all countries as part of the so-called Washington Consensus”.

De modo complementar, na visão dos autores, a trajetória histórica das economias latino-americanas poderia ser interpretada como uma demonstração de que a insistência em prolongar no tempo instituições “inadequadas” pode prender países em uma “armadilha de pobreza”:

“The nonconvergence trap and its interactions with political economy and vested interests may reflect the experience of Latin American countries such as Brazil, Mexico, and Peru over the past half century. Import-substitution and protectionist policies helped these countries grow fast until the mid-1970s. However, the same policies generated stagnation thereafter, and these Latin American countries came to be leapfrogged by more flexible economies in Southeast Asia, for example, Hong Kong”. (ibid. p. 259)

Formalmente, o modelo que propõe (ibid. capítulo 11) utiliza a mesma função de produção e suas derivadas (lucro, nível de produtividade e distância da fronteira) da subseção anterior, mas diverge de maneira importante na maneira como o crescimento da produtividade acontece. No caso, a tecnologia de uma indústria intermediária em um momento t resulta da soma entre um componente de imitação da maior produtividade global (η) e outro de aprimoramento do estoque tecnológico próprio passado (γ) de modo que a produtividade agregada da economia evolui de acordo com:

Como Āit cresce à taxa g, a expressão para a dinâmica de convergência (ou

divergência) da variável de distância da fronteira é:19 𝑎𝑡= 1+𝑔1 (𝜂 + 𝛾𝑎𝑡−1) (1.14)

É imediato concluir dessa equação que, conforme at-1 se aproxima de 1 (igualdade de

renda com a fronteira), a imitação será cada vez menos importante frente à inovação, pois o efeito de η sobre a proximidade corrente tenderá a 0.

São supostos então dois conjuntos de diferentes arranjos institucionais com valores distintos para η e γ, priorizando a imitação ou inovação. Em um, 𝜂 = 𝜂̅ e 𝛾 = 𝛾, enquanto no outro, 𝜂 = 𝜂 e 𝛾 = 𝛾̅, definindo-se que 𝜂 < 𝜂 e 𝛾 < 𝛾. Com todos os países localizados na fronteira adotando as instituições que favorecem a inovação, a equação (1.14) sob instituições pró-imitação (Im) se torna:

𝑎𝑡 =

1

1 + 𝑔(𝜂 + 𝛾𝑎𝑡−1) Com uma equivalente para instituições pró-inovação (In):

𝑎𝑡 =

1

1 + 𝑔(𝜂 + 𝛾𝑎𝑡−1)

A figura 1.3 traça as respectivas trajetórias de convergência para cada um dos arranjos institucionais:

19 A equação (1.13) dividida por 𝐴̅

𝑡 e combinada com 𝐴̅𝑡 = (1 + 𝑔)𝐴̅𝑡−1 resulta:

𝑎𝑡=𝐴𝐴̅𝑡 𝑡= 𝜂𝐴̅𝑡−1 𝐴̅𝑡 + 𝛾𝐴𝑡−1 𝐴̅𝑡 = 𝜂 1+𝑔+ 𝛾𝑎𝑡−1 1+𝑔 = 1 1+𝑔(𝜂 + 𝛾𝑎𝑡−1)

Figura 1.3: Trajetórias de convergência para Im e In

Fonte: adaptado de Aghion e Howitt (2009, p. 252)

A análise gráfica deixa evidente que uma estratégia “ótima” que maximize o ritmo de crescimento até a produtividade da fronteira envolve a adoção de Im até o cruzamento das duas retas e In posteriormente. A localização de tal ponto (â) depende dos parâmetros de cada arranjo institucional, sendo tanto maior quanto a diferença entre eles:20

𝑎̂ =(𝜂 − 𝜂) (𝛾 − 𝛾)

O modelo endogeneiza â ao condicionar a adoção das instituições de Im ou In às decisões dos empreendedores, com o resultado de que a alternância entre uma e outra, se ocorrer, pode não corresponder à estratégia ótima para a economia agregada.

Os autores propõe a construção de um cenário composto por empresários e gerentes que vivem por apenas dois períodos; ao final do primeiro período, empresários nas indústrias

20 O ponto â é encontrado igualando as duas equações de convergência:

1 1+𝑔(𝜂 + 𝛾𝑎𝑡−1) = 1 1+𝑔(𝜂 + 𝛾𝑎𝑡−1) → 𝜂 − 𝜂 = (𝛾 − 𝛾)𝑎𝑡−1 𝑎̂ ≝ 𝑎𝑡−1 =(𝜂 − 𝜂) (𝛾 − 𝛾)

intermediárias podem escolher entre manter seus gerentes ou substituí-los por novos. Gerentes têm uma probabilidade λ de serem “talentosos” e melhorarem a produtividade Ait de suas

firmas em γ através de inovações sobre a tecnologia anterior At-1. Todos os gerentes têm

também a capacidade imitar a tecnologia da fronteira 𝐴̅𝑡−1 na proporção η, sendo que gerentes

mantidos em seus postos após o primeiro período, desfrutam de um bônus de experiência ε de forma que η(i,t) = η + ε.

O modelo assume que no primeiro período gerentes são remunerados recebendo uma parcela μ dos lucros da firma; gerentes não talentosos estão dispostos a devolver todos os seus rendimentos ao empresário no segundo período se ele optar por não demiti-los. Assim, com um custo adicional κ𝐴̅𝑡−1 para contratar um novo gerente no segundo período, o empresário decidirá por manter um gerente não talentoso quando:

(1 − 𝜇)(𝜂 + 𝜀)𝜋𝐴̅𝑡−1+ 𝜇𝜋𝐴̅𝑡−2≥ (1 − 𝜇)(𝜂 + 𝜆𝛾𝑎𝑡−1)𝜋𝐴̅𝑡−1− 𝜅𝐴̅𝑡−1 (1.15)

O lado esquerdo da equação soma o lucro oferecido no segundo período pelo emprego de um gerente experiente, descontada sua remuneração (1 − 𝜇)(𝜂 + 𝜀)𝜋𝐴̅𝑡−1, com a

remuneração devolvida do período anterior 𝜇𝜋𝐴̅𝑡−2.21 Na direita, (1 − 𝜇)(𝜂 + 𝜆𝛾𝑎𝑡−1)𝜋𝐴̅𝑡−1

é o lucro esperado no segundo período com a tentativa de contratar um gerente novo com probabilidade λ de ser talentoso e 𝜅𝐴̅𝑡−1 é o custo desse processo.22

A condição (1.15) pode ser reescrita, dividindo ambos os lados por 𝐴̅𝑡−1 e utilizando a definição de 𝐴̅𝑡−1 = (1 + 𝑔)𝐴̅𝑡−2, para mostrar que a economia mudará de um arranjo institucional imitativo no qual gerentes são sempre mantidos no emprego independente de seu talento para um arranjo inovador quando at-1 for menor ou igual a ar:

𝑎𝑡−1≤ 𝑎𝑟 =(1 − µ)𝜀 + µ1 + 𝑔 + 𝜅 𝜋 (1 − µ)𝜆𝛾

Partindo de at-1 < â < 1, existem então quatro caminhos que a economia pode percorrer

no gráfico da figura 1.2, sendo que três levam a convergência com a fronteira e um representa a “armadilha de pobreza”. São eles:

21 Igualmente ao modelo da seção anterior 𝜋 = (1 − 𝛼)𝛼1+𝛼1−𝛼 .

22 Com probabilidade (1-λ) o novo gerente não será talentoso e irá gerar apenas o lucro de imitação 𝜂𝜋𝐴̅ 𝑡−1.

Com probabilidade λ, ira gerar o lucro de imitação somado ao ganho por inovação 𝛾𝜋𝐴𝑡−1. Como 𝑎𝑡−1=

𝐴𝑡−1⁄𝐴𝑡−1:

1) Quando 𝑎𝑟 = 𝑎̂, existe um “equilíbrio maximizador do crescimento”, já que a estratégia na qual empresários priorizam a imitação prevalece até 𝑎̂, enquanto confere uma taxa maior de expansão da produtividade, a partir de quando é substituída por outra, mais adequadas à necessidade de inovação que caracteriza a proximidade com a fronteira.

2) Quando 𝑎𝑟 < 𝑎̂, ocorre um “equilíbrio de subinvestimento”. A mudança de estratégias dos empresários é prematura e resulta em subaproveitamento das habilidades dos gerentes experientes, que são substituídos por novos empregados. Tal situação pode ser induzida por uma grande proporção de gerentes talentosos (λ elevado) ou uma remuneração muito baixa (parcela µ dos lucros que é distribuída é pequena), que incompatibilizam os melhores resultados sociais com as decisões ótimas a nível individual no curto prazo. Porém, eventualmente a postura que prioriza inovações volta a ser a melhor estratégia quando a economia inexoravelmente ultrapassa 𝑎̂, o que limita os prejuízos no tempo.

3) Quando 𝑎𝑟 > 𝑎̂, constitui-se um “equilíbrio esclerosado”, onde a estratégia de imitação é prolongada além do desejado socialmente. Contudo, o efeito não é sustentável a longo prazo e eventualmente a economia muda para a estratégia inovativa que lhe permite a convergência.

4) Quando 𝑎𝑟 > 𝑎𝑇𝑟𝑎𝑝, a economia é condenada a se estabelecer em um “equilíbrio de não convergência” ou “armadilha de pobreza. Isso ocorre porque 𝑎𝑇𝑟𝑎𝑝 = 𝜂̅ (1 + 𝑔 + 𝛾⁄ ) é o cruzamento entre a trajetória definida pela estratégia imitativa e a reta de 45º, definindo uma distância permanente com relação à fronteira. Como qualquer ponto à direita de 𝑎𝑇𝑟𝑎𝑝 corresponde a um valor de at menor que at-1, a

transição necessária a estratégia inovativa nunca acontece. Daí um paralelo com o problema trazido por políticas públicas que prolongam subsídios “além do necessário”.

Em suma, a análise “schumpeteriana” proposta pelos autores, ao mesmo tempo que admite a efetividade de alguns tipos de intervenções governamentais, principalmente aquelas que promovem a experiência dos trabalhadores, também se preocupa com enfatizar que elas podem se tornar indesejáveis caso não sejam revertidas no momento ideal. No limite, a insistência em promover instituições inadequadas seria causa direta da não convergência. Por

outro lado, uma estratégia mais “liberal” de promoção da competitividade nunca é negativa para o crescimento econômico em termos absolutos e leva inexoravelmente à convergência, ainda que a um ritmo mais lento que o ideal.