• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2: A alternativa evolucionária e seus desenvolvimentos

2.5 O modelo para múltiplos países de Dosi et al (1994)

Chiaromonte e Dosi (1993) e Dosi et al. (1994) constituem dois dos primeiros esforços de modelagem por simulações, com caráter explicitamente evolucionário, do projeto teórico de integração entre Schumpeter e Keynes. Assim como em Nelson e Winter (1982), seu objetivo declarado é provar que uma base evolucionária bastante simples é capaz de gerar padrões de crescimento, convergência, divergência, aceleração e desaceleração do produto agregado das economias em acordo os observados na realidade.

Enquanto o precedente imediato das principais equações utilizadas é encontrado em Chiaromonte e Dosi (1993), Dosi et al. (1994) avançou sobre esse primeiro trabalho ao simular um sistema “mundial” composto por um número L de países (1...j...L), contendo M setores (1...h...M) e n firmas (1...i...n). No modelo, não existe diferenciação de produtos ou barreiras para que uma firma venda sua produção fora de seu país de origem. Aumentos da produtividade são obtidos através tanto da inovação quanto da imitação, com a probabilidade de sucesso definida pelo volume de gastos em P&D e um componente aleatório. Trabalho é o único insumo necessário em qualquer atividade.

O resultado da busca por novos coeficientes técnicos (πij) se dá em dois estágios. No

primeiro, a probabilidade de sucesso (Iij = 1) é definida por:

Pr{𝐼𝑖𝑗(𝑡) = 1} = 1 − exp {−𝑎1𝐼𝑁𝑖𝑗(𝑡)} (2.1)

Onde o esforço da firma em inovar (INij) é a soma do número defasado de empregados

dedicados a pesquisa:

𝐼𝑁𝑖𝑗 = ∑ 𝐼𝑛𝑛𝑖𝑗(𝑡 − 𝜏

2

𝜏=0

)

No caso de a busca ser bem sucedida, a firma fará uso no período posterior de um coeficiente técnico maior, cuja esperança matemática é:

𝐸[𝜋𝑖𝑗𝐼 (𝑡 + 1)] = 𝜋𝑖𝑗(𝑡)(1 +

λ 100 )

Sendo que, nas equações anteriores a1 e λ representam a relativa abundância de

oportunidades a serem exploradas.

Por sua vez, o processo de imitação também ocorre em duas etapas. Na primeira é definida a probabilidade de que a firma consiga copiar qualquer uma das outras técnicas em utilização naquele instante. Seu êxito depende diretamente da “distância”, definida pela simples diferença entre o coeficiente técnico que utiliza e aquele que será adquirido, com a ressalva de que a tecnologia de firmas estrangeiras é comparativamente mais difícil de acessar do que a empregada domesticamente (a distância é multiplicada por um fator ξ > 1). De forma semelhante à equação 2.1, uma realização bem sucedida (Mij=1) ocorre com probabilidade:

Pr{𝑀𝑖𝑗(𝑡) = 1} = 1 − exp {−𝑎2𝑗𝐼𝑀𝑖𝑗(𝑡)}

O esforço de imitação IM, como o de inovação, depende da soma do número defasado de empregados dedicados à atividade (Imi), mas neste caso são acrescentados parâmetros que expressam a apropriabilidade das técnicas (α3j) e as externalidades ao nível nacional e

mundial (α4j e α5j, respectivamente): 𝐼𝑀𝑖𝑗(𝑡) = ∑ 𝐼 2 𝜏=0 𝑚𝑖𝑖𝑗(𝑡 − 𝜏) + 𝛼3𝑗∑ ∑ 𝐼𝑚𝑖𝑖𝑗(𝑡 − 𝜏) + 𝛼4𝑗∑ ∑ 𝐼𝑚𝑖𝑖𝑗(𝑡 − 𝜏) 2 𝜏=0 𝑗 2 𝜏=0 𝑖

Realizada a imitação, no segundo momento, sorteia-se um novo coeficiente técnico entre os que estão em seu “espaço de busca” :

Pr{πijM(𝑡) = π} = [d(π, πij)]−1

∑ [d(π, πij)]−1

πεΠMij

Técnicas com produtividade inferior à corrente são sempre descartadas.

O total de recursos dedicados à pesquisa (para inovação ou imitação) é definido segundo uma rotina que distribui parte das receitas (Yij) do período imediatamente anterior:

P&D𝑖𝑗 = 𝑎3𝑖𝑗𝑌𝑖𝑗(𝑡 − 1) (2.2)

O valor resultante se traduz em um número Iij de empregados ao ser dividido pelo

salário vigente wj no país:

𝐼𝑖𝑗(𝑡) =

P&D𝑖𝑗(𝑡)

𝑤𝑗(𝑡)

A força de trabalho é então alocada em atividades de inovação ou imitação segundo outra proporção fixa (µij):

𝐼𝑛𝑛𝑖𝑗 = (1 − µ𝑖𝑗)𝐼𝑖𝑗 e 𝐼𝑚𝑖𝑖𝑗 = µ𝑖𝑗𝐼𝑖𝑗

Um componente importante na dinâmica concorrencial é a precificação dos bens produzidos, que envolve interações entre o preço desejado (p~ij) e o realizado (pi), e o market-

share desejado (f*i) e o realizado (fi). A primeira dessas variáveis é encontrada mediante a

aplicação de um mark-up (m) sobre o nível salarial presente e passado divididos pela produtividade da firma:

𝑝𝑖𝑗~ =𝑎4𝑖𝑤𝑗(𝑡) + 𝑎5𝑖𝑤𝑗(𝑡 − 1)

𝜋𝑖𝑗(𝑡) (1 + 𝑚) Notando que nos coeficientes de ajustamento a4i + a5i = 1.

O preço realizado no momento t é igual ao seu valor em t – 1 multiplicado por uma variação Δpi, que ajusta a diferença entre as expectativas da firma e a realidade:

Δ𝑝𝑖(𝑡) = 𝑎6𝑖[log𝑝𝑖~(𝑡) − log𝑝

𝑖(𝑡 − 1)] + 𝑎7𝑖[log𝑓𝑖∗(𝑡 − 1) − log𝑓𝑖(𝑡 − 1)]

+ 𝑎8𝑖[log𝑓𝑖(𝑡 − 2) − log𝑓i(𝑡 − 1)

A competitividade individual (Ekij) depende tanto dos índices de produtividade quanto

dos preços cobrados ao consumidor. Vendas ao exterior respeitam as mesmas equações descritas acima, com a diferença de que os preços precisam ser convertidos à moeda estrangeira através da taxa de câmbio (ρj). Assim, a competitividade em um mercado k é dada

𝐸𝑖𝑗𝑘 = 1

𝑝𝑖𝑗(𝑡)𝜌𝑗(𝑡)

Pelo lado dos gastos, trabalhadores consomem toda a renda recebida e o único investimento realizado pelas firmas é o direcionado a pesquisa, determinado pela equação (2.2). A parcela excedente das receitas é depositada junto ao setor financeiro, onde não gera juros. Inversamente, na falta de recursos para atender suas necessidades de investimento, a empresa pode tomar empréstimos, também sem juros, em um volume proporcional à sua receita atual e fluxos de caixa passados. Em termos agregados, a economia funciona sem um limite máximo para o crédito, o que se aproximaria da ideia de moeda endógena.

A demanda total de cada país por bens de consumo (Dj) é a soma da folha de pagamento das firmas domésticas e se divide igualmente entre os M setores existentes. Dentro destes, os pedidos dos consumidores são alocados de acordo com a competitividade relativa (doméstica e externa). Observando a procura do período anterior e seu market-share, as firmas planejam a produção corrente:

𝑌𝑖𝑗(𝑡) = ∑ 𝑓𝑖𝑗𝑘(𝑡)𝐷𝑘ℎ(𝑡 − 1)𝜌𝑗(𝑡) 𝑘

Seguindo a dinâmica do replicador, muito comum em modelos evolucionários, o market-share é alterado ao se multiplicar seu valor atual pelo diferencial competitivo da firma com relação à média de seu mercado:

Δ𝑓𝑖𝑘(𝑡, 𝑡 + 1) = 𝑎11(

𝐸𝑖𝑘(𝑡)

𝐸𝑘 − 1) 𝑓𝑖𝑘(𝑡)

A constante a11 representa o grau de seletividade, premiando ou punindo com maior

ou menor intensidade os comportamentos desviantes.

Entrada e saída são fenômenos interdependentes, uma vez que as firmas são eliminadas quando seu market-share cai abaixo de um nível mínimo (fmin) e substituídas por

uma nova unidade com produtividade igual à média do país de sua criação somada a um ruído branco.

Definida a produção, é possível obter-se o número de empregados necessários para cumprir as encomendas do momento t:

𝑁𝑖𝑗𝑝(𝑡) = 1 𝜋𝑖𝑗(𝑡)∑

𝑌𝑖𝑗𝑘

𝑝𝑖𝑗𝑘 𝑘

Para qualquer país j as variáveis agregadas são compiladas da seguinte forma: a renda nacional a preços constantes soma todos os Yij deflacionados pelos respectivos pij; exportações

são equivalentes à participação das firmas domésticas nos mercados externos multiplicada pela demanda estrangeira e a taxa de câmbio vigente; e importações são a parcela da demanda doméstica que não é atendida pelas firmas domésticas.

Variações nominais dos salários dependem diretamente do crescimento da produtividade média em todas as M indústrias, da inflação e de mudanças no nível de emprego:

𝑤̇(𝑡, 𝑡 + 1) = 𝑎11𝜋̇𝑗(𝑡 − 1, 𝑡) + 𝑎12𝑝̇𝑗(𝑡 − 1, 𝑡) + 𝑎13𝑁̇𝑗(𝑡, 𝑡 − 1)

Por último, os saldos acumulados da balança comercial normalizada pela renda (Sj)

determinam mudanças na taxa de câmbio:

𝑟̇(𝑡, 𝑡 + 1) = 𝑎14𝑆𝑗(𝑡)exp {a15|∑ 𝑆𝑗(𝑡) 𝑡

𝜏=0

|}

Como principais propriedades do modelo apresentado, os autores apontam: 1) o mecanismo “keynesiano” de transmissão dos choques tecnológicos ao nível da firma para a renda, intermediado pela demanda endogenamente gerada; 2) a propagação desses choques através de mudanças no market-share e da imitação pelos concorrentes; 3) os processos cumulativos que garantem um certo nível de “persistência”, pois o sucesso inovador depende do volume e eficiência dos gastos passados em pesquisa, que são maiores entre as empresas já bem sucedidas; 4) a seleção no mercado descentralizado possibilita relações não lineares; 5) o nível de produtividade de firmas entrantes sintetiza possíveis externalidades das políticas e arranjos produtivos nacionais; e 6) a estrutura, a fim de maior simplicidade, ignora a irreversibilidade do investimento em capital fixo, não é detalhada a formação de expectativas e a influência de fatores institucionais.

As simulações realizadas no modelo descrito foram iniciadas em uma condição de perfeita simetria entre todos os países e firmas do sistema “mundial”. No total, foram incluídos 55 países e dois setores. Mesmo com um número pequeno de rodadas, os resultados obtidos pelos autores possuem propriedades próximas a fatos estilizados da literatura empírica tanto a nível micro, quanto no comportamento das variáveis agregadas. Primeiro, são verificadas assimetrias persistentes entre as empresas em atributos como a produtividade, o lucro e o market-share. Segundo, as séries temporais para produtividade, preços, investimento, emprego e renda per capita e total são integradas de primeira ordem, com um

elevado grau de persistência nas flutuações desta última. Terceiro, surge um padrão claro e estatisticamente confirmado de divergência entre os países, destacando-se o fato de que alguns são permanentemente presos em “círculos viciosos de atraso”. Quarto, em determinadas situações o processo seletivo do mercado internacional leva um país a se especializar em apenas um setor, em outras, ocorre um balanço entre os setores, ao mesmo tempo em que o hiato de produtividade com relação ao resto do mundo aumenta.