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CONVICÇÕES DE SAÚDE: EFICÁCIA PRÓPRIA

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1. INTRODUÇÃO

3.6. CONVICÇÕES DE SAÚDE: EFICÁCIA PRÓPRIA

Neste tópico buscou-se avaliar a percepção dos cuidadores com relação à eficácia própria dos pacientes no manejo de sua doença e respectivo tratamento, tal como os sentimentos que os mesmos expressam sobre sua situação. O termo eficácia própria foi empregado para abranger os conceitos de resiliência, espiritualidade, tolerância a dor e compreensão da própria condição.

Quadro XIII – Eficácia própria dos pacientes.

PARTICIPANTES EFICÁCIA PRÓPRIA

Dirce

“Ela fala menos e às vezes prefere ficar quietinha, observando as coisas, mas logo depois ela esquece e volta a ser a tagarela de sempre. Daí fala sem parar, você não entende o que ela fala, mas ela fala mesmo assim.” Marta “Ela é muito espiritualizada. Ela entende que pode partir a qualquer

momento e fala que é vontade de Deus.

Helena A mãe descreve a filha como muito independente e segura de si.

Marcia O garoto não sabe de sua doença, porém expressa as dores inerentes à cirurgia e os sintomas que antecedem uma crise.

Tereza

“Outro dia eu perguntei se ele queria pintar uma sobrancelha no rosto e ele respondeu „Sou homem, mãe. Tô bonito assim!‟ e ai eu percebi que ele nem ligava pra ficar carequinha. Eu é que ficava incomodada.

Lucia “Ela vai feliz fazer a radioterapia. Acho que isso influencia no resultado dela, sabe?”

Maria

“Ele fica me chamando o tempo todo, só dorme comigo ou com o pai, fica atrás de mim e do pai o tempo todo. (...) Eu não posso deixar ele sozinho. (...) Vou fazer minhas coisas e deixar ele lá, de cara pro ar? Não dá!”

Irene

Outro dia ela baixou um aplicativo no meu celular que é como um diário. (...) Ela queria escrever no diário toda hora. (...)E eu olhava às vezes, eu queria saber o que ela pensava. (...) Ela escreveu um dia „Querido diário, eu já sofri muito nessa vida... ...‟,aquilo me partiu o coração.”

Sonia

“Aconteceu quando ele era muito pequeno, cresceu acostumado com isso. Ele não se incomoda, não. (...) Não se sente uma criança diferente, que teve câncer. É uma criança como todas as outras.

Iolanda

“Ela sempre foi muito sorridente, alegre. (...) Quando tinha dor ela se escondia e só saia quando a dor passava, ai ela dizia „Glória a Deus‟. (...) Ninguém nunca viu minha filha chorar de dor. (...) Parece coisa de Deus ela ter tanta força para aguentar tanto sofrimento.

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De um modo geral, todas as participantes descreveram as crianças e adolescentes de forma positiva, dando a entender que, embora o sofrimento seja intenso, eles têm mais capacidade de conviver com as adversidades do que a família esperava. A demonstração de dor física, de acordo com as cuidadoras, é sempre autêntica e enfrentada pelos infantes com muita bravura. Adaptar-se às limitações também foi uma qualidade que apareceu com frequência no relato das acompanhantes, pois mesmo as sequelas mais severas (na locomoção, visão, audição, entre outros) não foram mencionadas como reclamações das crianças, sendo estas postas como pesar das próprias participantes.

O incômodo dos pacientes com a aparência que o tumor lhes proporcionou foi reportado por quatro mães. Marta explicou que a filha queixa- se com frequência por não crescer e parecer ter menos idade que de fato tem. Helena disse que, a princípio, a adolescente ficava constrangida com o uso das muletas que facilitam sua locomoção devido à prótese no membro inferior. Irene contou que este é o principal sofrimento da sua filha, tendo em vista que o seu tumor deforma parte do seu rosto e atrai olhares indesejados, bem como é motivo de bullying na escola. Por fim, Iolanda falou sobre o desconforto da criança a respeito da aparência da sua nádega “Ela me pergunta: „mãe, eu vou ter a bunda bonita igual a sua um dia?‟ e eu respondo: „é claro que vai, filha‟. Ela tem muito complexo desse buraco que ficou na bunda. (...) Deixa eu te mostrar a foto (...) Viu? Se tapar assim parece que ela tem duas bundas.”. Todavia, o filho Tereza demonstrou para ela que não se incomoda em absoluto com a aparência que a quimioterapia lhe garantiu, ao contrário da mãe que se chocou muito ao encontrar a criança um período distante durante o tratamento.

A espiritualidade e a sagacidade das filhas de Marta e de Lucia se destacaram, pois estas características fazem com que as mães se sintam confortadas pelas próprias crianças diante de momentos de desconforto ou insegurança. Marta falou bastante a respeito da capacidade de compreensão da criança diante da morte e ilustrou o seu relato com uma passagem interessante no convívio em uma casa de apoio “Quando a gente ainda estava na casa de apoio em Aracaju uma moça veio a óbito eu expliquei pra ela o que tinha acontecido, ai a mãe da moça foi lá pra agradecer todo mundo e se

83 despedir, lá foi minha filha falar com a mulher e eu fiquei morrendo de medo de que ela fosse falar alguma besteira, ai ela falou „fulana, a beltrana morreu, né? Mas morreu como? E como é que ela estava vestida? Foi você que vestiu ela, foi?‟ e depois danou consolar a mulher. (...) Eu ficava com medo e com vergonha, mas agora eu deixo, ela sabe falar de morte melhor que muita gente. (...) Você vai conversar com ela e vai ver, é impressionante o jeito que ela fala dessas coisas.”. Além disso, Marta explicou que conversa bastante com a criança e explica para ela todas as informações sobre a sua doença e tratamento “Você pode pedir para minha filha explicar o que ela tem que ela vai te dizer tudinho, o remédio que toma, os problemas que ela tem, o que ela já fez”. Por fim, ainda expressou a gratidão que tem pela preocupação que a menina demonstra ter sobre o seu bem-estar “Quando ela percebe que eu estou muito cansada, ela faz de tudo pra ir no banheiro sem me acordar, sabe? Pra eu poder descansar, até quando ela estava sem enxergar ela ia tateando a parede pra chegar no banheiro.” , e igualmente grata pela aceitação da menina frente às restrições alimentares, pois isso, de acordo com a mãe, facilita o cumprimento das recomendações médicas. Lucia ressaltou a alegria que a criança sente ao ir para as sessões de radioterapia no Hospital do GRAAC, porque a sala de aplicação desta terapêutica foi decorada com elementos do filme “Frozen – Uma Aventura Congelante” (Walt Disney, 2014) para combinar com a temperatura baixa do ambiente que garante o funcionamento dos equipamentos. Para a cuidadora esse entusiasmo contribui para a eficácia do tratamento. Lucia falou também sobre a sensibilidade que a criança tem para comunicar-se com outros pacientes, muitas vezes com quadros clínicos mais graves que o dela e sobre o apego e a amizade que ela tem com a equipe dos hospitais e das casas de apoio. “Outro dia, já com o „cheirinho‟ no rosto, ela pediu „tia, antes vamos tirar uma selfie?‟, a médica até desligou o cilindro para tirar a foto.” A mãe relata que a garota tenta consolá-la quando percebe sua tristeza dizendo “mamãe, vai ficar tudo bem.”. A maneira com que a menina manifesta a sua fé em Deus é algo realmente muito bonito.

As cuidadoras Helena e Sonia falaram sobre a naturalidade que hoje os filhos têm para enfrentar a sua condição, ressaltando que ambos fazem uso de próteses. Helena disse que a filha já se adaptou às limitações desta sequela e

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hoje é muito independente, chegando a rejeitar a presença e a ajuda da mãe para a maioria das tarefas. Sonia explicou que o menino não demonstra se incomodar de maneira alguma com o olho postiço e faz a manutenção da peça sozinho; destacou durante toda a entrevista que não há nada que diferencie o filho de uma criança normal.

As entrevistas apontaram que sete acompanhantes sentem o peso da dependência exacerbada dos pacientes. Nas entrelinhas da maioria dos discursos é possível perceber que a superproteção dos responsáveis influencia no desenvolvimento da autonomia das crianças, bem como há uma relação de co-dependência das partes em decorrência do distanciamento ocasionado pela transferência para o tratamento. Sendo assim, nota-se que as cuidadoras demandam mais atenção, carinho e compreensão dos infantes do que o contrário.

O discurso de Maria, em especial, revela o comportamento regressivo do filho diante do adoecimento; mesmo antes da tetraplegia, o menino de 13 anos demonstrava ser muito dependente da mãe, porém com o surgimento do câncer e suas particularidades o vínculo mãe e filho já exacerbado foi agravado. Em tempo, Maria demonstrou apreciar tal dependência e acredita que a prévia falta de autonomia facilita a adaptação da criança à condição de tetraplégico, pois o menino não sofre tanto com a pouca liberdade e privacidade “Ele nunca foi de ficar na rua, de jogar bola (...) Sempre ficou mais dentro de casa com a gente jogando videogame. (...) É bom ele ter sido um menino muito quietinho, porque agora ele não sente tanta falta da vida normal.”.

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