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IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS DA CRIANÇA PORTADORA DE CÂNCER

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1. INTRODUÇÃO

1.5. IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS DA CRIANÇA PORTADORA DE CÂNCER

Dados levantados em 2009 por Teles e Valle em revisão bibliográfica acerca deste tema, demonstram que a taxa de cura global para o câncer infantil é de 85% dos casos documentados, porém ao discutir a vivência da criança portadora de câncer, Gomes et. al. (2013) levantam a questão do estigma em volta desta doença e das crenças que tornam esta patologia uma das mais temidas nos dias atuais. Ainda que a medicina tenha avançado notoriamente e seja capaz de diagnósticos precisos e tratamentos assertivos, o câncer é comumente visto como uma sentença de morte àquele que o porta e, ao acometer um participante no início da sua vida, torna-se mais dramático. A forma com a qual a família lida com a doença influencia irremediavelmente na forma com a qual o paciente irá enfrentar sua enfermidade.

Perina, Mastellaro e Nucci (2008), acrescentam que, além do enfrentamento da família diante de seu adoecimento, a maneira com a qual a criança ou o adolescente vão perceber o câncer depende de múltiplos fatores, tais como: a idade, o estágio do desenvolvimento cognitivo, emocional e social em que se encontram no momento do acometimento, do incômodo gerado pela própria doença, pela dor e pelos efeitos colaterais do tratamento, do tipo de tratamento e das limitações que surgem com ele, do entendimento da doença e dos significados atribuídos a ela e, por fim, dos prejuízos e deficiências causados pela doença e pelo tratamento ao longo deste processo.

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Oliveira, Bandim e Cabral Filho (2009), após estudo referente aos transtornos depressivos em crianças com leucemia linfoide aguda e com insuficiência renal crônica terminal ressaltam que a probabilidade de uma criança portadora de doença crônica desenvolver problemas psicológicos (agudos ou sindrômicos) é duas vezes maior, se comparada a crianças não portadoras de doenças crônicas. Anton e Piccinini (2011) realizaram estudo com seis crianças transplantadas de fígado acerca do desenvolvimento emocional. Eles concluíram que os infantes tendem a apresentar insegurança, desamparo, dificuldade de relacionamento, tendência à teimosia e baixa tolerância à frustração, além de comportamentos regressivos, atraso da maturidade e desenvolvimento da autonomia. Outro aspecto apontado se refere ao autocuidado, pois, segundo os autores, a ameaça que o mundo externo representa devido ao risco de infecções após o transplante e o temor da morte afetam a separação da díade mãe-criança e prejudicam a individuação saudável. Conforme apontado no capítulo referente aos aspectos epidemiológicos, o tratamento têm se mostrado cada vez mais eficaz na extinção do câncer infantil, no entanto a sobrevivência à doença não garante a qualidade de vida e o desenvolvimento do infante, sendo esta a importância da assistência multiprofissional que abrangerá o participante como um todo “Se há vinte anos a cura significava sucesso terapêutico, hoje a sobrevida por si só não basta: a verdadeira cura exige alcançar o potencial biológico, intelectual, psíquico, emocional e social que acompanhava a criança quando foi acometida pelo câncer e submetida ao tratamento.” (Perina, Mastellaro e Nucci, 2008, p. 496).

Considerando que o presente estudo visa compreender as convicções de saúde de crianças e adolescentes acometidos pelo câncer e seus familiares, é imprescindível discutir a singularidade do desenvolvimento da adolescência e da inserção da convivência com o diagnóstico e tratamento oncológico nesta complexa fase da vida. Bessa (2000) em capítulo destinado a este tema destaca a intensificação dos conflitos comuns de um indivíduo neste estágio de desenvolvimento – busca por independência e autonomia, identificação em um grupo, aceitação social, perda do ser infantil, insegurança diante da responsabilidade do ser adulto, crise de identidade, descoberta da sexualidade,

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ansiedade perante as incertezas do futuro, entre outros – com o impacto do diagnóstico de uma doença grave. A complexidade natural do desenvolvimento da identidade ganha novos contornos quando associada à doença oncológica. As hospitalizações e a rotina terapêutica interferem na sua busca por inserção em grupos, principalmente o escolar, as limitações inerentes ao tratamento e ao câncer em si não permitem atividades de lazer comuns aos demais adolescentes e o adoecer atrasa o desenvolvimento de autonomia e independência, além da luta contra a proteção exacerbada dos pais. A descoberta de seu corpo sexual também é interrompida e permeada por mais medos que o esperado, a preocupação com a estética é profundamente fortificada pela degradação física.

Motta & Enumo (2006), após revisão de literatura a respeito dos efeitos terapêuticos das atividades lúdicas com crianças internadas, relataram que, dentre os principais fatores estressores para uma criança com câncer, os elementos que mais interferem no seu bem-estar emocional são: restrição do convívio social, ausências escolares frequentes, adaptação à nova rotina, imposição de confiança em pessoas desconhecidas para cumprimento das terapêuticas, procedimentos invasivos para aplicação de medicamentos e exames de rotina, alteração da autoimagem, privação de momentos de lazer, internações hospitalares etc. Souza et. al. (2012) ressaltam, além de tais aspectos, a experiência precoce de dor, angústia e ansiedade decorrentes do próprio diagnóstico da doença, dos sintomas relativos à sua patologia e do tratamento agressivo normalmente dirigido para pacientes oncológicos. A experiência deste grupo com crianças em sessões de brinquedoterapia obteve resultados que demonstram que os anseios infantis são motivados principalmente pela elaboração do luto abrupto do estado saudável e da liberdade e prazer que esta condição proporciona. Cohen & Melo (2010) resumem esta mudança repentina e a angústia proveniente da seguinte forma “O seu universo, que antes era composto pela família, amigos e escola, ganha dois novos componentes: o hospital e a doença. Diante desta grande mudança, seus investimentos libidinais necessitam ser reorganizados, reestruturados de acordo com a nova lógica de funcionamento na qual está inserida.”.

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No caso das crianças acolhidas por casas de apoio à criança e ao adolescente com câncer, ainda há uma questão maior com relação à perda do contato social costumeiro: estes participantes devem viajar para uma cidade que provavelmente é desconhecida, abrigar-se em uma casa de apoio por um longo período de tempo, conviver com outras famílias também acometidas por alguma patologia e adequar-se à rotina daquela instituição. Casas de apoio que proporcionam educação interna, por exemplo, funcionam como a “escola hospitalar”, citada por Cohen & Melo (2010) em estudo referente justamente sobre esta adaptação a uma nova realidade. Segundo os autores, a escola hospitalar é uma “não escola”, pois os principais elementos que constituem o caráter de tal ambiente se perdem no contexto hospitalar.

“A escola no hospital como uma não escola, porque ela está despida de elementos fundamentais que garantem o fato de a instituição escolar ser vista como tal pelos alunos-pacientes (amigos, ambiente físico próprio e o recreio, dentre outros).” (MARCHESAN et. al., p. 478, 2009).

No entanto, na mesma discussão, Cohen & Melo (2010) acrescentam que, embora não seja a escola hospitalar o modelo ideal de instituição educacional, o esforço em criar – ou talvez simular – um ambiente facilitador para a aprendizagem favorece o vínculo com os elos passados e direciona a libido do participante para atividades agradáveis e menos dolorosas que a rotina médico-terapêutica, “pré-ocupa o participante e traz elementos para que ele preencha espaços antes ocupados apenas pelo hospital, pela doença e pela morte.” (COHEN e MELO, 2010, p. 306-325).

Sendo assim, este serviço pode ser comparado com todos aqueles prestados pelas casas de apoio à criança e ao adolescente com câncer e proponho pesquisar, através da compreensão das convicções de saúde de seus cuidadores, os benefícios que as atividades disponibilizadas fornecem a seus usuários. Bem como fornecer dados para possíveis futuras pesquisas que

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visem compreender a relação da convicção de saúde de pacientes oncológicos no momento de seu tratamento e as convicções de saúde dos adultos sobreviventes a esta enfermidade, pois, como apontaram Teles e Valle, em sua revisão bibliográfica realizada em 2009 “Nota-se uma escassez de pesquisas de cunho qualitativo, que investiguem a vivência do adulto sobrevivente de câncer infantil, ou seja, a forma com que este adulto ressignifica o fato de ter tido câncer na infância” e, para tanto, é necessário conhecer o significado da vivência do mesmo na fase infantil.

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