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Convicções ideológicas, religiosas e políticas

CAPÍTULO II O DEVER PRÉ-CONTRATUAL DE INFORMAÇÃO NO ÂMBITO DA

1.7 Indagações sobre a vida privada em especial

1.7.2 Convicções ideológicas, religiosas e políticas

No ordenamento jurídico português, a Constituição da República Portuguesa consagrou o princípio da igualdade e da não discriminação em razão da religião e das convicções políticas (art. 13.º) e previu que ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de deveres cívicos por causa das suas convicções religiosas (n.º2 do art. 41.º), nem ser questionado sobre as suas convicções ou práticas religiosas, exceto para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por não responder (n.º3 do art. 41.º).

A este propósito, J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA242, reconhecendo a existência na referida norma de três direitos distintos (embora conexos, uma vez que o segundo é uma especificação do primeiro e o terceiro uma especificação do segundo), defendem que a liberdade de consciência “consiste essencialmente na liberdade de opção, de convicções e de valores, ou seja, a faculdade de escolher os próprios padrões de valoração ética ou moral da conduta própria ou alheia”. Por seu turno, a liberdade de religião baseia-se na “liberdade de adoptar ou não uma religião, de escolher uma determinada religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou anti-religiosa”. Por fim, a liberdade de culto “é somente uma dimensão da liberdade religiosa dos crentes, compreendendo ao direito individual ou colectivo de praticar os actos externos de veneração próprios de uma determinada religião”.

No nosso ordenamento jurídico não existe uma norma específica no código do trabalho que regule diretamente esta matéria. Contudo, nos termos do art. 18.º da CRP, os preceitos constitucionais vinculam diretamente tanto as entidades públicas como as entidades privadas, pelo que, prevendo o n.º3 do art 41.º que a ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade sobre as suas convicções ou práticas religiosa, tal obrigação deve abranger também as relações entre entidades privadas243.

242 J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, op. cit., pp. 609. 243

Para além disso, entendemos que rege sobre esta matéria o art. 17.º do CT, já que as convicções do trabalhador são informações que dizem respeito à sua vida privada. Daqui retiramos que, regra geral, o empregador não pode perguntar ao candidato sobre as suas convicções ideológicas, religiosas e políticas. Isto porque estas informações não têm qualquer relevância para a prestação da atividade laboral. Nas palavras de TERESA COELHO MOREIRA244, “os objetivos económicos da organização empresarial determinam a indiferença daquele às convicções do trabalhador, existindo como que uma neutralidade ideológica do empregador perante as convicções deste”.

Mas poderemos de tais preceitos retirar a conclusão de que o trabalhador nunca tem o dever de informar o empregador acerca da sua religião ou convicção política? MENEZES CORDEIRO245 afirma a este propósito que “a doutrina e a jurisprudência são muito claras ao afirmar que nunca há uma obrigação de informar sobre as convicções políticas e religiosas (…) ”. Contudo, acaba por admitir, e bem, que em casos limite poderão surgir exceções que farão renascer o dever de informar. O dever de informação do trabalhador acerca da sua religião e convicções políticas e ideológicas renascerá sempre que a atividade a desempenhar tenha uma conexão objetiva com tais informações246. O próprio art. 17.º do CT prevê situações excecionais que autorizam a formulação de questões sobre convicções ideológicas ou políticas quando as mesmas sejam relevantes para aferir da respetiva aptidão no que respeita à execução do contrato. É o caso das denominadas organizações de tendência. Estas organizações caracterizam- se por prosseguirem fins religiosos, políticos, partidários, entre outros, sendo tal ideologia inseparável do próprio contrato. Como exemplos destas organizações podemos apontar as igrejas, os estabelecimentos de ensino religioso, os sindicatos ou os partidos políticos. Nestas organizações o cumprimento da atividade laboral identifica-se com a realização de fins ideais em que a organização se inspira, o que implica algumas limitações na vida privada dos trabalhadores. Assim, na medida em que as informações sobre as ideologias e crenças do trabalhador possuem direta importância para a determinação da aptidão do trabalhador para o desenvolvimento daquela atividade, defendemos a possibilidade do empregador formular questões sobre as opiniões pessoais dos candidatos, com vista a verificar se existe ou não coincidência entre a

244Ibidem, p. 159.

245 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, op. cit., p. 560. 246

ideologia destes e a tendência daquela organização247. Contudo, é preciso realçar que a pergunta só é válida se respeitar a convicção compreendida no âmbito da orientação ideológica seguida pela organização, ou seja, na medida em que os aspetos pessoais objeto de indagação sejam imprescindíveis para o desenvolvimento da atividade a desempenhar. Desta forma, v.g. num processo de admissão de um trabalhador para um partido político não podem ser colocadas questões sobre a sua orientação sexual248. Outro aspeto a destacar é o facto de as perguntas só serem válidas em relação aos trabalhadores de tendência, e não relativamente aos trabalhadores neutros. De facto, relativamente a estes não se justifica uma limitação dos seus direitos fundamentais na medida em que o conteúdo das tarefas que vão desempenhar não implica a adesão aos ideais daquela organização. É o caso de se perguntar sobre a orientação partidária a um candidato a jardineiro da sede de um partido político249. Mas esta posição não é unanime. PAULA MEIRA LOURENÇO250, em sentido contrário, defende que não deve ser feita qualquer distinção entre o trabalhador que desempenha as atividades relacionadas com os princípios seguidos pela organização e o trabalhador que executará tarefas que não têm conexão com a ideologia da empresa. Não podemos concordar com a autora. Contudo, defendemos que os trabalhadores neutros devem abster-se de posições manifestamente contraditórias com o fim da empresa. Isto porque a manifestação pública por parte destes trabalhadores de orientações contrárias às da empresa poderá ser atentatória da imagem e do fim da mesma, causando-lhe prejuízos. Por isso, na esteira do que defende TERESA COELHO MOREIRA251, apesar de não se exigir como condição de contratar a pertença, por exemplo, a um determinado partido político, exige-se todavia, que o perfil do candidato não seja abertamente contraditório com o fim daquela organização.

Posto isto, concluímos que em algumas circunstâncias, na fase da formação do contrato, o trabalhador deve informar o empregador sobre as suas convicções ideológicas, religiosas e políticas, e, se faltar à verdade, (por ação ou por omissão) incorre em culpa in contrahendo. Isto não significa, no entanto, que o empregador

247 TERESA COELHO MOREIRA, Da esfera privada do trabalhador, op. cit., p. 168. 248 S

ARA COSTA APOSTOLIDES, Do dever pré-contratual de informação, op. cit., p. 247.

249 Ibidem.

250 PAULA MEIRA LOURENÇO, Os deveres de informação, op. cit., p. 67. 251

possa, v.g. impor ao trabalhador a filiação num determinado partido político como condição necessária para a celebração do contrato de trabalho. Tal cláusula seria nula, por violação do art.13.º e do n.º2 do art. 51.º CRP252.