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Factos relativamente aos quais recai sobre o trabalhador um dever de informação

CAPÍTULO II O DEVER PRÉ-CONTRATUAL DE INFORMAÇÃO NO ÂMBITO DA

1.2 Factos relativamente aos quais recai sobre o trabalhador um dever de informação

Para responder à questão de saber quais os factos relativamente aos quais recai sobre o trabalhador um dever de informação importa atender, em primeiro lugar, à conjugação dos artigos 17.º, proteção de dados pessoais, 19.º, testes e exames médicos, e 106.º n.º2 do CT, dever de informação do trabalhador. Como referimos anteriormente, o art. 106.º n.º2 do CT estabelece a regra segundo a qual o trabalhador tem o dever de informar o empregador sobre os aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral. Por sua vez, os artigos 17.º e 19.º do CT, que, apesar de inseridos fora da secção que regula a formação do contrato de trabalho (secção III), também se aplicam aos

126 M

ARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, pp.134 e ss.

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candidatos ao emprego128, destinam-se à imposição de determinados limites ao direito do empregador a ser informado. Da análise destes dois artigos podemos concluir que estamos perante algumas situações em que o dever de informar é devido no seguimento de indagações colocadas pelo empregador. Estas disposições estabelecem, assim, as regras que regem o dever de responder às questões colocadas pelo empregador. E relativamente às situações não especificadas nestes artigos, mas que constituem aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral, deve essa informação ser prestada de forma espontânea ou provocada? Concordamos com SARA COSTA APOSTOLIDES129 quando refere que “embora quanto ao trabalhador surjam mais dificuldades, quanto ao empregador não há dúvidas de que este se encontra, em regra, em posição de exercer a sua autonomia privada e de procurar garantir a adequação do contrato à satisfação dos seus interesses. Por isso, não levanta controvérsia a afirmação de que o empregador deve procurar obter a informação que julgar pertinente para a formação da sua vontade contratual. Como corolário, a ideia a fixar como ponto de partida é a de que o trabalhador não tem o dever de informar espontaneamente o empregador”130. Contudo, esta regra sofre alguns desvios quando entramos no âmbito das condições mínimas exigíveis para o exercício da atividade laboral. Essas condições dizem respeito, por exemplo, à inscrição em determinada ordem ou posse de um título profissional exigido para o exercício de determinada atividade, aos anos de experiência, à posse de carta de condução para o lugar de motorista, entre muitas outras. Também no que respeita às informações apresentadas no curriculum vitae se considera que, por permitirem verificar se o candidato reúne as condições mínimas exigíveis para o exercício das funções, justificando-se desta forma a sua inclusão no processo de seleção, o trabalhador está adstrito a um dever de verdade, o que significa que as informações que nele contidas devem corresponder à realidade, sob pena de o trabalhador responder

128 P

EDRO ROMANO MARTINEZ, Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 115 129

SARA COSTA APOSTOLIDES, Do dever pré-contratual de informação, op. cit., p. 216.

130 No mesmo sentido, T

ERESA COELHO MOREIRA,Da esfera privada do trabalhador, op. cit., p. 155, quando afirma que “o

trabalhador não está obrigado a expor espontaneamente circunstâncias que o possam vir a prejudicar” Continua referindo que “não consideramos que o dever de informação possa ou deva estender-se ao ponto de obrigar o trabalhador a informar, por sua própria vontade, ou seja, sem uma questão prévia por parte do empregador, sobre todos aqueles aspectos que, embora dotados de uma certa relevância contratual, poderiam ou deveriam ter sido conhecidos pelo empregador se tivesse utilizado uma diligência comum, ou seja, a diligência exigida a um homem normal (…)”. Ainda sobre esta problemática, JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, op. cit., p. 340.

pelos prejuízos causados131. Mas, mesmo quanto a este ponto a doutrina não é pacífica na medida em que alguns autores entendem que nesta matéria rege a noção de dolus bónus. Em França, por exemplo, já se decidiu que um empregador não poderia anular um contrato de trabalho por dolo, tendo por base inexatidões e imprecisões de um curriculum vitae, porque este, até certo ponto, deve ser considerado como um instrumento de “publicidade”, sendo normal a utilização de algum exagero na descrição da experiência profissional, tendo o empregador o dever de comprovar qual a medida da realidade e qual a medida da fantasia132. Não concordamos com tal opinião por entendermos que a formação e experiência profissionais consubstanciam, nos termos do art. 106.º do CT, aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral, sobre os quais o empregador tem direito de ter conhecimento, para que possa, no âmbito do processo de seleção, recrutar o candidato mais apto ao desempenho daquela específica função.

Posto isto, e citando mais uma vez SARA COSTA APOSTOLIDES133, “é possível formular a regra segundo a qual o trabalhador tem o dever de informar espontaneamente o empregador sobre todas as circunstâncias que digam respeito aos requisitos mínimos para a prestação da atividade”. A autora salienta, e bem, que esta informação apenas diz respeito à possibilidade de exercício ou não das funções. Não se refere à melhor ou pior aptidão do trabalhador para desempenhar as funções de acordo com os objetivos daquela específica empresa. Tal aspeto cai já no âmbito do ónus de auto-informação do empregador.

E quanto à intimidade da vida privada do trabalhador? Estará este obrigado a informar o empregador? E se o empregador, no exercício do ónus de auto-informação que lhe compete, colocar questões sobre a vida privada do trabalhador, estará este obrigado a responder? Dedicar-nos-emos a esta problemática nos pontos seguintes.