• Nenhum resultado encontrado

Cooperação e reciprocidade em comunidades privadas BitTorrent

4 A OFENSIVA JUDICIAL CONTRA O COMPARTILHAMENTO DE ARQUIVOS NA INTERNET

5 COMPARTILHAMENTO DE FILMES E COMUNIDADES PRIVADAS BITTORRENT

5.2 Cooperação e reciprocidade em comunidades privadas BitTorrent

A parábola mais famosa criada para descrever um problema de ação coletiva foi concebida em 1968 pelo biólogo americano Garret Hardin. Em The Tragedy of the Commons, publicado na prestigiada revista Science, Hardin abria o texto pedindo ao leitor que imaginasse um pasto cujo acesso estivesse “aberto a todos”. Ele então passa a examinar a situação do ponto de vista de um pastor racional. É esperado que cada pastor tente manter o maior número de gado possível na terra comum (commons).

Agindo como indivíduos racionais, cada pastor busca maximizar seus ganhos. Considerando que o lucro com a venda do animal é integralmente do seu dono, ao acrescentar mais um animal ao pasto coletivo o pastor estaria aumentando as suas receitas. Porém, os custos resultantes do aumento do número de animais pastando na terra comum (desgaste do pasto) são compartilhados por todos os pastores. Há portanto, segundo Hardin, claros incentivos para que os pastores coloquem mais animais para pastar na terra comum.

Individualmente, cada pastor está motivado a acrescentar mais e mais animais ao commons porque recebe o benefício direto do acréscimo de animais enquanto arca apenas com uma parte dos custos resultantes do esgotamento do pasto.

Aí reside a tragédia do commons. Cada homem está preso em um sistema que o compele a aumentar seu rebanho sem limites, em um mundo de recursos limitados. A ruína é o destino de todos, cada um perseguindo seus próprios interesses em uma sociedade que acredita na liberdade do commons (HARDIN, 1968, p. 1243).

Garret Hardin não foi o primeiro teórico a sugerir que recursos comuns geridos coletivamente tendem a resultar em desastre. Pensadores famosos já haviam apresentado dilemas semelhantes ao descrito por Hardin. Há mais de dois mil anos, o filósofo grego Aristóteles observara que “o que é comum para um grande número de pessoas recebe pouco cuidado”. No século XVII, a parábola concebida por Hobbes sobre o homem no estado de natureza também pode ser considerada um protótipo da tragédia do commons: cada indivíduo busca seus próprios interesses, o que resulta numa “guerra de todos contra todos” (OSTROM, 1990, p.3).

O segundo modelo frequentemente utilizado para caracterizar problemas de cooperação é “o dilema do prisioneiro”. O modelo foi concebido por Merril Flood e Melvin Dresher em 1950 e posteriormente formalizado por Albert Tucker (WIKIPEDIA. Prisoner’s…, [s.d.]). Inspirado na teoria dos jogos, o dilema é enquadrado da seguinte maneira: dois homens são detidos sob suspeita de contravenção e colocados em celas a partir das quais não podem se comunicar. A polícia admite não ter evidências suficientes para provar a culpa deles na infração principal. A polícia então decide fazer a seguinte proposta aos prisioneiros: se o primeiro testemunhar contra o segundo e este, por sua vez, decidir manter-se em silêncio, o traidor é recompensado com a liberdade imediata enquanto o parceiro é condenado a três anos de prisão. Se os dois delatarem, ambos são presos por dois anos. Finalmente, no melhor cenário possível para os dois, se ambos permanecerem calados são condenados apenas a um ano de prisão por uma infração menor. Cada prisioneiro deve escolher entre delatar ou permanecer em silêncio e a decisão de cada um é confidencial.

qual todos os jogadores possuem “informações completas” (OSTROM, 1990, p.4). Em jogos não cooperativos a comunicação entre os jogadores é proibida ou impossível. Quando a comunicação é possível, presume-se que os acordos verbais entre os jogadores não são contratuais. Possuir “informações completas” implica que todos os jogadores conhecem toda a estrutura do jogo, assim como as recompensas advindas dos seus resultados.

No dilema do prisioneiro, cada jogador possui uma estratégia dominante, no sentido de que ele estará sempre em uma melhor situação se ele optar por “trair”, independentemente do que o outro jogador fizer. Quando ambos decidem pela estratégia dominante, eles produzem um resultado pior do que se ambos permanecem calados, o que seria o desfecho ideal para os dois. Em economia, esse desfecho ideal é chamado de “ótimo de Pareto”, quando não é possível melhorar a situação de um jogador sem prejudicar a do outro.

“O paradoxo decorrente da constatação de que estratégias individuais racionais podem resultar em desfechos coletivos irracionais parece desafiar uma crença fundamental na capacidade de indivíduos racionais atingirem resultados racionais” (OSTROM, 1990, p.5).

O terceiro modelo associado com esse debate foi desenvolvido por Mancur Olson na obra The logic of collective action (1965). No livro, Olson desafiava a postura otimista presente na teoria dos grupos que dizia que indivíduos com interesses comuns agem voluntariamente de maneira a defender esses interesses. Olson resumia a sua crítica da seguinte forma:

A ideia de que os membros de um grupo tendem a agir em apoio aos interesses do grupo está supostamente associada com a premissa amplamente aceita do comportamento racional auto-interessado. Em outras palavras, se os membros de um grupo possuem um interesse ou objetivo em comum, e se é melhor para todos que esse objetivo seja atingido, acredita-se que os indivíduos vão agir de forma cooperativa [...]. A menos que o número de indivíduos seja pequeno, ou a menos que haja algum tipo de coerção, indivíduos autointeressados não irão agir pelo interesse coletivo (OLSON, 1965).

O argumento de Olson repousava na premissa de que se um indivíduo não pode ser excluído dos benefícios advindos de um bem público, não há incentivo para que ele contribua voluntariamente para prover esses recursos. Ainda que essa citação sugira

uma perspectiva pessimista, Olson considerava que a provisão dos benefícios coletivos em grupos de tamanho intermediário é imprevisível. Vale notar que Olson definia um grupo de tamanho intermediário não pela quantidade de seus membros, mas por quão visíveis eram as ações dos indivíduos no grupo.