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Cooperação, educação moral e desenvolvimento da idéia de justiça em

CAPÍTULO 2 – DE JEAN PIAGET À LAURENCE KOHLBERG – OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO MORAL

IV. Período de codificação das regras – surge uma regulamentação minuciosa das partidas e o código já é conhecido e aceito por todo

2.1.1 Cooperação, educação moral e desenvolvimento da idéia de justiça em

Piaget

Jean Piaget sustenta em seus estudos acerca da existência de duas morais: uma moral da coação ou da heteronomia e uma moral da cooperação ou da autonomia, sendo que a primeira se formula em regras, conforme anteriormente analisado, sendo que a segunda ocorre em movimentos da consciência ou nas atitudes sociais pouco fáceis de definir nas conversações com a criança.

Afirma o autor que, se o aspecto afetivo da cooperação e da reciprocidade escapa ao interrogatório, existe uma ação considerada a mais racional das noções morais que resulta diretamente da cooperação, ou seja, está intimamente relacionada com a noção de justiça, sendo que tal sentimento – o de justiça – não requer, para se desenvolver, senão o respeito mútuo e a solidariedade entre crianças.

Afirma Jean Piaget:53

É quase sempre à custa e não por causa do adulto que se impõem à consciência infantil as noções do justo e do injusto. Contrariamente a essa regra, imposta primeiramente do exterior e por muito tempo não compreendida pela criança, como não mentir, a regra de justiça é uma espécie de condição imanente ou de lei de equilíbrio das relações sociais: assim, vê-la-emos destacar-se quase em total autonomia, na medida em que cresce a solidariedade entre crianças.

Sustenta, então, acerca de duas noções de justiça, afirmando que uma sanção é injusta quando pune um inocente, recompensa um culpado ou, em geral, não é dosada na proporção exata do mérito ou da falta: que uma repartição é injusta quando favorece uns à custa de outros. Na última acepção, a idéia de justiça implica apenas a idéia de igualdade, sendo que na primeira a noção de justiça é inseparável daquela de sanção e define-se pela correlação entre os atos e sua retribuição.

Piaget faz um traçado da primeira acepção considerando-a a mais primitiva das noções de justiça, estando inserido em tal conceito certas noções de retribuição, um fator de transcendência e de obediência, que a moral da autonomia tende a eliminar, sendo imprescindível tecer análise acerca das duas noções de justiça na medida em que se faz necessário saber se tais noções desenvolvem-se paralelamente, ou se a segunda noção tende a dominar a primeira.

Assevera o autor, então, que todo interrogatório a respeito das punições se choca com dificuldades técnicas bastante consideráveis, porquanto, nesse particular, a criança é muito mais levada a dar è pessoa que a interroga uma pequena lição de moral usual e familiar, que lhe abrir um sentimento íntimo e, para saber-se até que ponto crianças consideram sanções como justas, põe-se em dúvida o fundamento da própria noção de retribuição, apresentando às crianças diversos tipos de sanções e perguntando qual seria a mais justa, opondo, assim, a

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sanção expiatória, ou seja, considerada a verdadeira sanção para aqueles que acreditam na primazia da justiça retributiva.

Atingindo-se tal ponto, será possível indagar se a criança considera a sanção como justa e eficaz fazendo-a comparar, duas a duas, histórias nas quais as crianças são punidas, e histórias nas quais os pais se contentam em repreender e explicar aos filhos o alcance de seus atos: pergunta-se aos pais quais destas crianças estão mais levadas a recomeçar, aquelas que foram objeto da sanção ou aquelas que não o foram.

Afirma Ives de La Taille:54

Para Piaget, as relações de coação são contraditórias com o desenvolvimento intelectual das pessoas a elas submetidas. No caso específico das crianças, ela reforça o egocentrismo, que, entre outras coisas, representa justamente a dificuldade de se colocar no ponto de vista do outro e assim estabelecer relações de reciprocidade. A coação impede, ou simplesmente não pede que tal reciprocidade ocorra, e, portanto, não possibilita à criança construir as estruturas mentais operatórias necessárias à sua conquista. Numa relação de coação, a criança está condenada a muito crer e nada saber, conforme escrevia Rousseau.

Assim, no que tange à moral, na coação, há somente respeito unilateral – pelas leis impostas pelas autoridades que as revelaram e impuseram – além de uma assimilação deformante das razões de ser das diversas regras – realismo moral. As relações de cooperação são portanto simétricas, ou seja, regidas pela reciprocidade, sendo relações constituintes que pedem mútuos acordos entre os participantes, uma vez que as regras não são dadas de antemão, sendo que somente pela cooperação, o desenvolvimento intelectual e moral pode ocorrer, pois ele exige que os sujeitos se descentrem para poder compreender o ponto de vista alheio. No que tange à moral da cooperação sustentada por Piaget, afirma La Taille que dela derivam o respeito mútuo e a autonomia, considerando que para Piaget as

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relações entre crianças promovem a cooperação, justamente por se configurarem como relações a serem constituídas entre seres iguais.

Esclarecidos tais pontos, será possível estender um pouco a conversação com as crianças e conduzi-la a questões gerais, a exemplo do porquê das punições, o fundamento da retribuição etc., chegando-se ao seguinte resultado: serão encontrados dois tipos de reações com respeito à sanção. Para uns, a sanção é justa e necessária, sendo tanto mais justa quanto mais severa; é eficaz no sentido de que a criança devidamente castigada saberá, melhor que outra, cumprir o seu dever. Para outras, a expiação não constitui uma necessidade moral, porquanto entre as sanções possíveis, as únicas justas são aquelas que exigem uma restituição, ou que fazem o culpado suportar as conseqüências de suas faltas, ou ainda que consistem num tratamento de simples reciprocidade.

Assim, além das sanções não expiatórias, a punição, como tal, é inútil, sendo a simples repreensão e explicação mais proveitosas que o castigo, sendo tal modo de reação mais observado entre os maiores, sendo que o primeiro, entre os pequenos.

Assim, analisada a idéia de mensuração sobre a idéia de justiça em Piaget, fecharemos o estudo sobre o seu pensamento com o conceito dos estágios por ele desenvolvidos – anomia, heteronomia e autonomia – para, após, analisarmos os estágios desenvolvidos por Lawrence Kohlberg.