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O DESENVOLVIMENTO MORAL EM JEAN PIAGET

CAPÍTULO 2 – DE JEAN PIAGET À LAURENCE KOHLBERG – OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO MORAL

2.1 O DESENVOLVIMENTO MORAL EM JEAN PIAGET

Antes de ingressarmos nos estágios do desenvolvimento moral sustentados por Lawrence Kohlberg, necessário análise aos estágios desenvolvidos por Jean Piaget, considerando que os desenvolvidos por Kohlberg tomaram por base o trabalho anteriormente sustentado por ele, sendo a teoria kohlberguiana, portanto, e conforme considerando pelo próprio Kohlberg, uma continuidade ao estudo.

Jean Piaget nasceu em Neuchatêl, Suíça, em 9 de agosto de 1896, sendo educado num ambiente intelectual, interessando-se desde tenra idade pelas ciências naturais. Com 11 anos de idade tornou-se ajudante do diretor do museu de Neuchatêl e, assim, iniciou-se na zoologia, dedicando-se a classificar moluscos na região, tendo publicado vários artigos sobre nalacologia. Segundo A. M. Battro48, Piaget ainda não havia terminado o curso universitário quando lhe ofereceram para dirigir esta seção no Museu de História Nacional de Genebra, contudo, seu interesse não se limitou aos mecanismos de adaptação dos moluscos. Ao contrário, seu padrinho, um literário preocupado com a especialização precoce de seu afilhado, iniciou-o na literatura de Bérgson, encontrando Piaget, na Educação Criadora, a conjunção de seus interesses mais íntimos. Decidiu então dedicar-se à filosofia, numa tentativa de conciliar a ciência com a religião e, após ler W. James redigiu Um Ensaio Neopragmatista, surgindo, após, uma obra mais volumosa denominada

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BATTRO, Antônio M. O pensamento de Jean Piaget: psicologia e epistemologia. Trad. de Lino de Macedo. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1976. p. 10.

Realismo e Nominalismo nas Ciências da Vida onde defendia o dualismo bergsoniano entre o vital e o matemático. Esta tese desenvolveria uma teoria geral do conhecimento a partir dos dados mais recentes da biologia, razão pela qual ingressou na faculdade de Neuchatêl onde se doutorou em ciências com uma tese sobre moluscos de Valais.

Concluído tais estudos, passou a estudar psicologia em Zurich, assim como psiquiatria em Bleuler. Piaget tinha se convencido de que a psicologia experimental poderia ser útil a um epistemólogo por vocação, partindo assim para Paris com a intenção de fazer um estudo tanto de psicologia como de filosofia, acreditando ali ter encontrado o seu caminho. Acreditou que a Psicologia Experimental conciliava os seus interesses filosóficos e científicos. Em 1929 foi nomeado diretor adjunto do Instituto J. J. Rousseau e, em 1932, co-diretor do mesmo. Ocupou-se, então, com sua reorganização, tendo a Universidade de Genebra lhe oferecido a cátedra de História do pensamento científico sendo nomeado, posteriormente, diretor do Bureau International d’Éducations´. Em 1936, a Universidade de Harvard o nomeia doutor honoris causa. Durante o período da guerra, Piaget desenvolveu sistematicamente suas idéias sobre as estruturas lógicas e físicas elementares. Já em 1940 tornou-se diretor do Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade. Foi eleito Presidente da Sociedade Suíça de Psicologia e co-organizador da Revue Suisse de Psychologie. Após a guerra, a Universidade de Paris designou-o para suceder a Merleau Ponty na cátedra da Sorbona. Teve ainda responsabilidades com a docência, uma vez que professor de psicologia em Paris e Genebra.

Em 1950 tinha publicado um tratado de epistemologia genética, em três volumes, e um tratado de lógica, além de numerosos estudos sobre psicologia

experimental. Seu projeto juvenil de elaborar uma epistemologia baseada nas ciências positivas concretizou-se, finalmente, em 1955. A Fundação Rockfeller ofereceu um importante subsídio com o qual inaugurou, em Genebra, o Centre International d’Epistemologie Génetique. Desde então, este centro tem funcionado ininterruptamente e converteu-se, hoje, num das equipes interdisciplinares mais famosas do mundo.

Feito breve relato acerca do autor, interessa-nos referência a sua teoria.

Piaget afirma em sua obra O Juízo Moral na Criança49 que a sua proposta refere-se ao estudo do juízo moral na criança, e não aos comportamentos ou sentimentos morais e, com tal objetivo, interrogou um número de crianças nas escolas de Genebra e de Neuchatêl e com elas conversou a respeito de problemas morais, assim como dialogou sobre assuntos relativos à representação do mundo e à causalidade.

Teceu análise, assim, a respeito da idéia de regra formada pelas próprias crianças, partindo da análise das regras na medida em que as acreditava como obrigatórias para a consciência do jogador honesto sendo que, da regra do jogo, passou às regras especificamente morais prescritas pelos adultos, pesquisando qual a imagem que a criança faz de si mesma em relação a esses deveres particulares, servindo-lhe as idéias sobre a mentira como exemplo privilegiado em tal assunto.

Piaget estudou ainda – no âmbito que interessa ao nosso estudo – os princípios provenientes das relações das crianças entre si, elegendo o tema justiça como tema especial às conversas que realizou com as crianças.

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Em tal sentido, afirma Jean Piaget:50

Estamos conscientes, mais do que ninguém, tanto dos defeitos como das vantagens do método empregado. O grande risco, principalmente quando se trata da moral, é fazer com que a criança diga tudo o que desejamos. Contra isso, nenhum remédio é infalível, nem a honestidade daquele que interroga, mas as precauções metodológicas sobre as quais já falamos em outras obras. O único processo é a elaboração.

Trata-se de um estudo sistemático da socialização do pensamento infantil, constituindo-se como o extremo oposto do egocentrismo, começando o estudioso a esgrimir a noção geral de equilíbrio, expressa como uma situação de relação externa do indivíduo com seus semelhantes, dando ênfase aos mecanismos autônomos, em oposição à oferta de explicações transcendentes à imanência do equilíbrio.

Assim, estabeleceu Jean Piaget teoria acerca das regras do jogo, ou seja, estabeleceu que os jogos infantis constituem admiráveis instituições sociais – pelo que afirmou que o jogo de bolinhas, entre os meninos, comporta um sistema muito complexo de regras, ou seja, todo um código e toda uma jurisprudência na medida em que o psicólogo vê-se obrigado a familiarizar-se com esse direito consuetudinário e dele extrair moral implícita, só se podendo avaliar a riqueza de tais regras à medida que se procura dominar seus pormenores.

Afirma Jean Piaget que se desejarmos compreender alguma coisa a respeito da moral da criança, é evidentemente pela análise de tais fatos que convém começar. Assim, afirma que toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras.

Afirma:51

A análise reflexiva de um Kant, a sociologia de um Durkheim e a psicologia ou a psicologia individualista de um Bovet se

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PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. 3. ed. São Paulo: Summus, 1994. p. 42.

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identificam nesse ponto: as divergências doutrinárias só aparecem no momento em que se procura explicar como a consciência vem a respeitar as regras. É esse “como” que tentaremos analisar por nossa conta, no terreno da psicologia da criança.

As regas morais que a criança aprende a respeitar lhe são transmitidas pela maioria dos adultos, ou seja, ela já as recebe elaboradas na medida de suas necessidades e de seu interesse, mas de uma vez só pela sucessão ininterrupta das gerações adultas anteriores, advindo daí a dificuldade de uma análise que deveria distinguir o que provém do conteúdo das regras e o que provém do respeito da criança pelos seus próprios pais, sendo que, nos jogos mais simples, estamos na presença de regras elaboradas somente pelas crianças, não importando que em seu conteúdo tais regras se apresentem ou nos pareçam morais ou não-morais e, na condição de psicólogo, analisou tal questão sob o ponto de vista da consciência adulta, e não da moral infantil. Ressalta Piaget:52

Ora, em todas as realidades ditas morais, as regras do jogo de bolinhas se transmitem de geração a geração, e se mantém unicamente graças ao respeito que os indivíduos têm por elas. A única diferença é que aqui se trata apenas de relações entre crianças. Os menores que começam a jogar, aos poucos, são dirigidos pelos maiores no respeito à lei e, além disso, inclinam-se de boa vontade para essa virtude, eminentemente característica da dignidade humana, que consiste em observar corretamente as normas do jogo. Quanto aos maiores, fica a seu critério a modificação das regras. Se aí não há moral – mas onde então começa a moral? – há, pelo menos, respeito à regra, e é pelo estudo de tal fato que uma pesquisa como a nossa deve começar.

Segundo Jean Piaget, antes de brincar com os seus companheiros, a criança é influenciada pelos pais e, desde o berço, é submetida a múltiplas disciplinas e, mesmo antes de falar, toma consciência de certas obrigações. Assim, tais circunstâncias exercem influência inegável na elaboração das regras do jogo sendo que, no caso das instituições lúdicas, a intervenção adulta é, pelo menos,

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reduzida a seu mínimo. Aí, estabelecem-se realidades classificadas, senão entre as mais elementares, pelo menos entre as mais espontâneas e ricas em ensinamento.

Assim, as regras do jogo concernem em dois grupos de fenômenos: a prática das regras, ou seja, a maneira pela qual as crianças de diferentes idades as aplicam efetivamente; e a consciência da regra, isto é, a maneira pela qual as crianças de diferentes idades apresentam o caráter obrigatório ou decisório, a heteronomia ou autonomia inerente às regras do jogo, portanto, as relações estabelecidas entre a prática e a consciência da regra são, de fato, as que melhor permitem definir a natureza psicológica das realidades morais.

Sustenta Jean Piaget, então, as regras do jogo, quais sejam: Técnica:

1. Interroga-se a criança a fim de por em evidência, de forma que se adapte as regras do jogo de bolinhas e como cumpre-as em função de sua idade;

2. Pergunta-se à criança: “Como se joga bolinhas?”, entregando-lhe um monte de bolinhas, diz-se-lhe: “Ensina-me a jogar”.

Observações:

I. (1-2 anos) – Num primeiro período, puramente motor e individual, a criança manipula as bolinhas em função de seus próprios desejos e de seus hábitos motores. Cabe falar de regras motoras, mas não de regras coletivas.

II. Período egocêntrico – começa quando a criança recebe do