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1.2 Cooperativismo e economia solidária

1.2.2 Cooperativismo no Brasil

A literatura indica que, no Brasil, o cooperativismo tem sua origem nos pioneiros esforços das comunidades de imigrantes europeus que procuraram organizar suas estruturas de compra e venda em comum, além de suprir suas necessidades de educação e lazer, através de sociedades cooperativistas. Neste contexto, duas experiências ganham destaque como precursoras: o Falanstério de Saí12, fundado em 1841, em Santa Catarina e a Colônia Tereza Cristina13, em 1847, no Paraná. Ambas as iniciativas foram instigadas pelo pensamento de

12 Sobre esta experiência ver: Thiago (1995). 13 Sobre esta experiência ver: Corrêa Fernandes (1995).

Fourier, servindo de referencial a novos empreendimentos coletivos que viriam a emergir posteriormente.

De acordo com Rios (1987), embora a origem do cooperativismo esteja ligada aos ideais de democracia e igualdade, o seu desenvolvimento a partir de novas experiências que vieram a insurgir representa a promoção das elites políticas e agrárias, utilizando o cooperativismo como instrumento de controle social e político. Ademais, a literatura acusa que o referido ideário cooperativista ou conjunto teórico doutrinário do movimento, especialmente utilizado pelo cooperativismo agrícola, foi utilizado como instrumento ideológico do Estado, a serviço de um Estado conservador e autoritário. Autores como Loureiro et al (1981) e Schneider (1981) apontam que esse modelo de modernização buscou favorecer grandes e médios agricultores voltados à cultura de exportação, em detrimento de uma agricultura de subsistência de base familiar.

De acordo com Massi (2000), a primeira legislação que trata das práticas cooperativas é o Decreto-Lei 979, de 1903, quando se abre a possibilidade da constituição das caixas de crédito, de cooperativas de produção e de consumo. Contudo, as diferentes práticas de caráter associativo/cooperativo que emergiam no cenário brasileiro tornaram necessária uma melhor definição das especificidades das cooperativas, culminando em alterações na legislação. Assim, a Lei n. 5.764 entra em vigor em 16 de dezembro de 1971, instituindo o regime jurídico das sociedades cooperativas.

Tanto a Lei do cooperativismo de 1971 quanto a criação da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras)14, criada em 1969, representaram forte ingerência do Estado. Se por um lado este contribuiu disciplinando a criação de cooperativas, de outro restringiu a autonomia dos associados, interferindo na criação, funcionamento e fiscalização do empreendimento cooperativo. A limitação foi superada pela Constituição de 1988, com a instituição do Sistema Cooperativo Brasileiro, o qual proibiu a interferência do Estado nas associações, dando início à autogestão do cooperativismo. Sem a tutela governamental, a discussão toma um patamar mais político, fazendo emergir diversas iniciativas, das quais a elaboração de projetos de lei faz parte, buscando garantir maior flexibilidade do movimento ante as novas conjunturas do mercado.

Pesquisa realizada por Sampaio Silva et al. (2004) revela que, no Brasil, cada região apresentou perfis diferenciados no que diz respeito ao processo histórico de organização e estruturação do cooperativismo, o que não permite falar em um único modelo. Estas diferenças regionais foram motivadas, dentre outros fatores, pela forte influência de imigrantes – alemães, italianos e japoneses – instalados em diferentes extensões territoriais do país, os quais já traziam de seus países de origem a bagagem cultural, o trabalho associativo e a experiência de atividades familiares comunitárias, que os levaram a se organizar em cooperativas. Assim, assiste-se à emergência de cooperativas rurais e urbanas com atuação voltada, notavelmente, para

14 A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) é o órgão máximo de representação das

cooperativas no país. A entidade veio substituir a Associação Brasileira de Cooperativas (ABCOOP) e a União Nacional de Cooperativas (UNASCO). Entre suas atribuições, a OCB é responsável pela promoção, fomento e defesa do sistema cooperativista, em todas as instâncias políticas e institucionais. (OCB, 2012).

atividades extrativistas, de mineração, agrícola, produção, crédito e consumo.

As décadas de 1980 e 1990, consideradas por vários economistas como as décadas perdidas, podem ser apresentadas como um período de forte expansão das cooperativas de trabalho no Brasil. Com base nos estudos de Pinho (1996), pode-se dizer que este florescimento das práticas cooperativas brasileiras se dá por dois motivos em especial: a visão do poder público de que o cooperativismo poderia ser um instrumento de reestruturação das atividades agrícolas e a promulgação da lei básica do cooperativismo brasileiro, em 1932, a qual passou a definir melhor as especificidades daquele movimento diante de outras formas de associação.

Em especial na década de 1990, o cenário apresentava uma nova configuração da economia, marcado pelas transformações tecnológicas da informática e da microeletrônica. Este contexto social se caracterizou por uma crescente e cada vez maior interdependência nas relações mundiais. Interdependência que - associada à valorização excessiva do liberalismo - configura, não só em nosso país, uma profunda crise social representada por índices crescentes de desemprego, miséria, desigualdades e exclusão social, como já exposto.

Segundo Singer e Souza (2000), o crescente processo falimentar das indústrias, inclusive as de grande porte, impeliu os trabalhadores a buscar novas formas de organização, como é o caso de cooperativas formadas por ex-funcionários que assumiam o patrimônio dos antigos empregadores e assim preservavam seus postos de trabalho. Como exemplo, pode-se citar a criação de três cooperativas no estado de Santa Catarina: a Cooperativa de Trabalhadores Mineiros

(Cooperminas), antiga Companhia Brasileira Carboquímica de Araranguá (CBCA), Coopermetal e Bruscor15.

Dados da OCB (2012) e do Departamento Nacional de Registro Comercial – DNRC (2012) revelam alguns números que retratam o crescimento efetivo no número de organizações voltadas ao cooperativismo. Assim, em 1990, pode-se constatar a existência de 4.666 cooperativas registradas no DNRC, saltando para 20.579 cooperativas em 2001. Isso equivale a um crescimento de 331% no número de cooperativas no Brasil em uma década. Esta mesma tendência de crescimento também pode ser verificada quando analisados os números de cooperativas filiadas à maior entidade representativa do cooperativismo brasileiro - a OCB16. No ano de 1990, a OCB possuía 3.440 cooperativas afiliadas, número que saltou para 7.026 cooperativas em 2001, apresentando um crescimento de 104% ao longo da década de 1990.

De acordo com dados da OCB (2012), em 2010, o país contava com 6.652 cooperativas, divididas em treze ramos de atividade, a saber: agropecuário, consumo, crédito, educacional, habitacional, infraestrutura, mineral, produção, especial, saúde, trabalho, transporte, turismo e lazer. Do total de 298 mil postos de trabalho gerados por cooperativas, 146.011, o que representa 49%, estão locados no ramo agropecuário. Considerando o número de empregados em todos os ramos, a região Sul destaca-se por apresentar o maior índice sendo, em 2010, responsável pelo emprego de 48% do total de força de trabalho

15 Sobre estas experiências ver Aued e Chaves (2003).

16 A constatação de registros diferentes divulgados pelas entidades, indicando um número bem

mais expressivo no DNRC quando comparado à OCB, justifica-se pelo fato de a exigência governamental condicionar o funcionamento das cooperativas ao registro neste órgão oficial. O mesmo não acontece em relação à OCB, onde a filiação torna-se optativa.

contratada pelo setor cooperativo brasileiro. Quando comparado ao ano de 2009, o cooperativismo brasileiro aumentou o número de associados (9,03%) e de empregos gerados (8,8%). Por outro lado, houve uma redução no número de cooperativas em 8,4%. Para a OCB (2012), este indicador sinaliza para um movimento de aglutinação de cooperativas, visando ganhar mercado e escala, de modo a mitigar as dificuldades econômicas decorrentes de um período pós-crise.

O Estado de Santa Catarina, inserido no contexto global de reestruturação e flexibilização do trabalho, sentiu os efeitos locais deste período. De acordo com os dados do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina (OCESC, 2012), embora se observe um aumento de mais de 50% no número de associados, quando comparado ao ano de 2000, chegando a atingir 1.130.583 no ano de 2010, o número de cooperativas registradas neste mesmo período diminuiu aproximadamente 15%.

Se, por um lado, esses dados mostram o quanto a organização cooperativa tem se fortalecido, de outro, há um intenso debate no campo político, buscando diminuir “brechas legais”, de forma a inibir práticas fraudulentas das chamadas “cooperativas de fachada”. Estas se constituem como tais, visando beneficiar-se dos incentivos fiscais concedidos às cooperativas, bem como driblar os direitos trabalhistas ao transformarem seus empregados em “sócios”, enquanto o poder de decisão fica nas mãos de pequenos grupos detentores da maioria das cotas. Com vistas a superar esta situação, a legislação cooperativa brasileira sofreu algumas alterações no ano de 2003, dentre as quais cabe destacar a diminuição do número de associados e a substituição dos estatutos por contratos (SAMPAIO SILVA et al, 2003).

Junto a este movimento, destaca-se a emergência de uma

perspectiva que visa distanciar-se das antigas práticas cooperativistas que predominaram na implementação do cooperativismo brasileiro, as quais estavam desvinculadas das necessidades de amplos segmentos sociais. Esta nova perspectiva traz em seu bojo o caráter de inclusão social, buscando resgatar os princípios que regem as relações cooperativas: participação democrática, solidariedade, independência e autonomia.

Dentre os fatores que contribuíram para esta mudança de enfoque, sinalizando para a revitalização das práticas cooperativas, destaca-se: a ampliação das discussões em torno dos conceitos de desenvolvimento sustentável, economia social e terceiro setor, a flexibilização das relações de trabalho estimulando práticas autogestionárias e a proliferação das organizações de economia solidária como possibilidade de transformação social. Transformações que aparecem intimamente vinculadas à possibilidade de rever, ressignificar, recriar referências, concepções, valores socioculturais, configurando um patrimônio orientador de novas relações, mais solidárias, justas e humanas. Dado o objeto desta pesquisa “compreender como se caracterizam as relações de saber/poder em um empreendimento inserido no movimento de economia solidária”, a seção seguinte nos traz elementos teóricos que ajudam a refletir sobre os diferentes discursos que permeiam esta rede, os quais sustentam correlações de força, emanam, projetam, constroem as relações no e pelo trabalho.